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“A agroecologia precisa de uma política pública ousada”, afirma Sebastião Pinheiro

“A agroecologia precisa de uma política pública ousada”, afirma Sebastião Pinheiro

Na entrevista à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Sebastião Pinheiro faz análises sobre as políticas públicas no meio rural..

Por Xepa/via Mídia Ninja

Considerado um dos grandes intelectuais do movimento agroecológico, o paulista Sebastião Pinheiro, 74 anos, dedica sua vida aos estudos sobre o meio rural brasileiro. Sebastião Pinheiro é professor aposentado em engenharia agrônoma e florestal, tendo passado por diversas universidades, dentre elas na Alemanha e na Argentina. Encerrou sua carreira acadêmica na Pró-Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi delegado brasileiro na Conferência de Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável da FAO, organismo das Nações Unidas, na Holanda, em 1991. É também autor de diversas publicações sobre agrotóxicos, biotecnologia, agricultura orgânica e agroecológica, dentre outros.

Na entrevista à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ele faz análises sobre as políticas públicas para o meio rural que devem ser retomadas pelo governo Lula visando o combate à fome. Segundo ele, o brasileiro tem como profissão a esperança: só precisa que o estímulo dentro dele seja motivado de forma coletiva rumo à prosperidade. Nesse sentido, na sua opinião, é necessário fazer um planejamento visando a produção de alimentos saudáveis e potencializar a educação no meio rural para dar mais qualidade aos empreendimentos e produtos.

O Lula foi eleito com ampla mobilização dos movimentos, quais as expectativas levando em conta a eleição de um Congresso extremamente conservador?

Tenho uma leitura bastante esperançosa, pois agora vai ficar bem nítida uma situação que não analisamos previamente: o que representa o agronegócio dentro da sociedade brasileira. O aceitamos como uma modificação do status quo da revolução verde sobre o nosso território sem fazer uma avaliação de que é muito mais que uma ocupação, e sim a hegemonia com um tipo de capitalismo de grandes corporações sem espaço para mais ninguém. Principalmente nas áreas onde pode haver mecanização, ele choca com os interesses da agroecologia indígena/camponesa mais raiz. Impede a existência daquele grupo humano, que tem pessoas compatíveis com o meio ambiente e que ocupam seus territórios com cultura e sabedoria. Essas pessoas são “terraplanadas” pelas grandes corporações, tipo Cargill e Bunge, para fazer uma agricultura de commodities

Fiquei quase um mês em Juína (MT) e vi uma coisa absurda, áreas com montanhas de milho armazenado ao ar livre. É loucura ou suicídio, porque não se pode guardar um grão assim, pois, mesmo no deserto brasileiro ou no Atacama, existe umidade à noite. Esse grão vai ficar de má qualidade, não é para humano nem para animal, e isso não sai no jornal. Então, vemos um agronegócio que faz o que quer, quando quer e como quer sem compromisso com qualidade. Já é intrinsecamente um negócio, que não respeita o solo, degrada o clima e a água. Isso já seria suficiente para uma normatização ou vigilância específica nele.

Por outro lado, aquele pequeno agricultor que tem uma identidade com o território, não tem apoio nem meios para produzir, apesar de seu cuidado com o solo e a água, além da sua alta capacidade de organização social. Essa é uma das contradições do governo Bolsonaro, que dá tudo para as grandes corporações e nada àquele que faz uma agricultura de qualidade. Estamos fazendo um agronegócio sem qualidade, com risco e perdendo uma agroecologia de qualidade, sem suporte ou permissão. Na Amazônia, Mato Grosso, ACROM [Amazonas, Acre e Rondônia] e MATOPIBA [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia] existe  uma ocupação dos territórios que visa expulsar das áreas mecanizáveis ou de escala de produção os pequenos empreendimentos compatíveis com a agricultura familiar, com infraestrutura ou desenvolvidos com responsabilidade. 

É exigida  uma série de certificados e selos para alguém que vai produzir sem venenos ou adubos químicos, mas o que é produzido com porcaria não precisa de nada. Temos uma inversão de valores. Por isso sou otimista: ninguém pode tapar o sol com a peneira. Vamos falar agora de agroecologia não com um doido, vamos mostrar nossos produtos de qualidade e com um custo menor. Não estamos falando de commodities de Chicago nas mãos de especuladores, e sim de produtos que chegam às nossas mesas com qualidade. A agroecologia não está mais no patamar de 2003, ela pode ter presença, qualidade e políticas públicas mesmo com [as restrições impostas pela] OMC [Organização Mundial do Comércio].

Quando você se diz esperançoso é neste sentido de retomar políticas públicas que foram sucateadas, como PNAE, PAA, Ater etc?

O Lula precisa retomar todas elas, porque virou uma baderna tão grande que podemos perder mercados em função dos incêndios e da destruição da Amazônia. Temos esse governo subsidiando interesses antirreforma agrária e tudo mais, mas no momento que for tido que precisamos restaurar o PAA, o total pode ser de 100% pela resposta anterior ter sido muito boa e de baixo custo de produção. Ao contrário do agronegócio, diante dessa crise absurda entre Ucrânia e Rússia. Vamos ter que fazer das tripas coração para ter os insumos, porque se o mercado internacional fechar é perigoso e não fechando o preço é complicado. Por isso, as políticas públicas precisam ser muito vivas, precisa ter gente em campo em todas as regiões para ter a logística de abastecer todo o Brasil como [fazem] hoje nos supermercados. O que mais tem é produto de soja, milho e arroz. São milhares de produtos industriais sem qualidade alguma. Então, a agroecologia vai precisar de uma nova visão, uma política pública ousada. 

Quando você diz que a agroecologia não é a mais a mesma dos anos 2000, como vê a evolução e perspectivas do movimento?

Produzimos cem vezes mais e ganhamos estrutura nesses vinte anos. O atual governo tinha uma habilidade fantástica: escondia as coisas de uma maneira e pisava no pescoço de outra. Quase todo mundo agonizando, aquele que resistia continuava ali esperando essa porcaria terminar. Mas organizar não é difícil, então é preciso fazer um chamamento e acenar com políticas públicas em vários setores: alimentação escolar, hospitais, maternidades, presídios etc. Não é comprar barrinha da Nestlé nem Pepsi Cola, tem que comprar alimentos saudáveis, de preferência entregues a até 30 km do local. Aquela parafernália e confusão que o [Sérgio] Moro gerou no Paraná [houve um episódio de acusação de corrupção ao PAA e a Conab] não tem mais espaço, o pessoal já está vacinado. Camponeses não se comportam como urbanos, são extremamente pragmáticos em relação à programação da produção, até por conta desse clima maluco que vivemos.                        

E como está a evolução da agroecologia na sua relação com o mercado?

Uma coisa importante a se ver hoje é que todo o povo brasileiro está consciente do risco e do perigo que é qualquer refeição diante de um agronegócio como esse. O nível de envenenamento é assustador em toda a América Latina. Então, hoje, temos o conhecimento de um perigo e queremos evitá-lo. Para o governo é excelente que tenhamos consciência dessa contaminação. Todos querem alimentos, mas o agroecológico não pode ser para uma elite privilegiada, temos como produzir. Durante a pandemia, todos os assentamentos aqui do Sul deram um exemplo de cidadania distribuindo alimentos quase gratuitamente aos favelados. Isso pode se transformar, de uma forma muito simples, numa política pública quase que emergencial diante da loucura que foram esses últimos anos.

Quando me referi ao mercado, lembrei dos mecanismos e métodos de comercialização e distribuição dos alimentos no Sul com a Rede Ecovida, que tem associações de consumidores e várias outras formas de venda.

Se fizermos uma análise com economistas para ver o que é a produção do agronegócio ocupando as terras no Mato Grosso, no MATOPIBA e em  outras regiões sem se preocupar com a qualidade do solo, o manejo da matéria orgânica ou a qualidade do produto, o governo tem elementos muito claros para dizer que assim não pode. A OMC não permite que se faça taxações, mas o ideal seria um estímulo a quem produz alimento de consumo direto através de medidas de proteção com qualidade. Óbvio que isso é difícil, a Cristina Kirchner tentou fazer em 2008 e a Cargill foi para cima dela com todos os canivetes e porretes. Ela criou uma taxa extra para políticas públicas direcionadas àqueles que não são da exportação de grãos. Estamos criando uma casta no Mato Grosso, cujos resultados foram vistos nas rodovias após as eleições, assim como no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Então, o valor da agroecologia é dizer que alimento é bom, limpo e para todos, de forma organizada com tecnologias e organizações para isso.  Tem muita gente jovem ativa em todo o país com técnicas no trabalho de campo para resolver todos esses problemas.

Qual política pública é prioritária para essa retomada da esquerda no poder? Crédito, fomento, assistência técnica etc?

Há trinta  anos falamos aqui no Sul que estamos na transição agroecológica. Aí, você lembra da Rita Lee naquela canção: “mamãe, estou ligeiramente grávida”, não existe isso! Você faz agroecologia ou não faz, é uma questão de posição política. Se a pessoa faz, não vamos esperar trinta anos para o solo dela ficar limpo ou melhorar. Tem que partir da organização e esse estímulo é educação, Paulo Freire… Existem mecanismos e muita gente fazendo isso de forma belíssima. Se estimular, o pessoal vai ter que se mover, não é difícil, aproveitar todo o empenho pressionado pela pequena diferença na votação. Aproveitar esse estímulo da agroecologia e mostrar os seus compromissos. Todos os agricultores me dizem que o melhor momento de todo o governo anterior [do Partido dos Trabalhadores] foi o PAA, porque a produção era programada e não havia descarte. Temos que partir para isso, ter qualidade sem descarte.

Mesmo com o Estado meio quebrado e um Congresso extremamente desfavorável?

Mesmo nessa condição, porque quem não quer comer com qualidade e barato? Com isso, a escala do agronegócio fica em terceiro plano, porque o custo de produção e privilégios que essas empresas têm são assustadores. Fazem o que querem, como e quando querem, e ainda têm subsídios. Não podemos permitir isso, e a agroecologia tem que ser articulada com os espaços de clima: recupera a destruição do solo, da depressão da água e todos os elementos, então reconstrói onde o sujeito é o camponês. Dá para criar mecanismos pedagógicos para isso, o ideal seria que todos os IFs [Institutos Federais de Educação] passassem a dar formação aos camponeses. Isso daria um resultado fantástico, o agricultor organizado tem que estudar, ter curso especializado, ser apoiado. Nas tribos indígenas no Amazonas estão fazendo cursos, mas sem os filhos, o revolucionário é ter todas as gerações aprendendo juntas. Isso não é custo porque tem a estrutura, isso é organização e desprendimento.

Como tem visto os índices de crescimento da fome na pandemia e as iniciativas de solidariedade dos movimentos para combatê-la?

Se não fossem os movimentos, a gente entraria numa catástrofe. Tudo é dito de uma forma e executado de outra, estamos lidando com camaleões e, nesse caso da fome, temos que começar bem rápido. Betinho já dizia há trinta anos que a fome não espera, e o pior é que ela desmoraliza, porque a pessoa não tem vontade de mais nada. Então, tem que recomeçar, nem que seja com o mínimo possível. Como existe [fome] num país de 9,5 milhões de quilômetros quadrados, onde você pode ter pelo menos 16 safras por ano? A produção do Nordeste, por exemplo, é bem pequena comparada a do Sul e lá tem muito solo e gente boa. O plano escola e fome é uma coisa só, saúde também, até segurança, porque parece mentira, mas estamos vendo as pessoas armadas como nunca se imaginou.

O Planapo [Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica] tinha várias ações envolvendo diversos ministérios de forma simultânea, mas foi interrompido.

Tem que retomar com pessoas articuladas, para mostrar a peculiaridade de cada estado e adequar a produção à realidade local. Temos assentamentos da reforma agrária muito bem organizados e, se colocar ali dentro pessoas estratégicas para fazer essa agroecologia, você tem planejamento. Não aquela coisa do burocrata, que senta em cima para não fazer, e tem muita juventude capaz disso em todo o país. O pessoal está envergonhado com o que está acontecendo, então a resposta será expressiva. O exemplo tem que vir de cima e ressoar embaixo para dar o start, se não é muito complicado. Não o Congresso, é coisa de movimento social mesmo.

Você acompanha há muitos anos os agrotóxicos de perto, e ocorreram muitos retrocessos nos últimos anos. Qual a expectativa?

O veneno segue a ordem da OMC, e ela diz que nenhuma nação pode intervir nos seus negócios. Nada é subordinado às grandes corporações, mas no momento que você enfrentar o agronegócio e proibir alguma coisa, enfrentará a ira das empresas. Trabalhei com os mexicanos há dois anos e o López Obrador [presidente do México] atendeu o pedido do ministro do meio ambiente, Victor Toledo, ao fazer uma análise da urina das crianças no país: 100% tinha resíduo de glifosato, do herbicida roundup. Menino que devia estar jogando futebol ou namorando estava fazendo hemodiálise. Então, eles deram três anos para proibir essa tecnologia e 39 presidentes da União Europeia (UE) se reuniram com o presidente [mexicano] e suspenderam esse processo no México. Aqui, o Bolsonaro liberou geral, que até a UE se assustou: liberou mais de 800 substâncias em três minutos e ria na televisão. A melhor maneira de enfrentar o veneno é mostrar um estímulo para não usá-lo, criar o fato de o veneno não ter status de privilégio. Ninguém gosta de usar veneno, o agricultor só precisa ter as alternativas disponíveis.

http://xapuri.info/lburdia-gabriel-aprovado-em-medicina-na-usp-fazia-faxina-para-pagar-cursinho/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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