A consciência racial impulsionou mudanças históricas nas eleições americanas

A consciência racial impulsionou mudanças históricas nas americanas

Por Juana Lucini

O sistema eleitoral americano é muito diferente do brasileiro, mantendo ainda as características de sua criação no momento da independência. O sistema eleitoral do é mais seguro e célere, e, como em muitas outras áreas, inclusive a bancária, mais tecnológico e inovador.

Alguns detalhes das eleições americana: o direito de votar pelo correio em alguns estados, o voto distrital, o voto indireto e o fato de o voto não ser universal. O direito ao voto não está estabelecido na Federal. Eles são prescritos, de maneira distinta, nas constituições estaduais. Neste sentido, os 13 estados originários, no momento da independência, limitavam o voto aos proprietários de terras. Os estados que foram sendo agregados posteriormente estabeleciam, então, suas condições de voto. Após a Civil, as 15. e 19. emendas estabeleceram que o voto não seria negado em função de raça e gênero, mas paradoxalmente não estabeleceram o direito ao voto. Hoje, muitos estados, por exemplo, não permitem o voto de uma pessoa que tenha condenação prévia, mesmo após cumprimento da sentença (o que afeta sobremaneira os negros).

O processo eleitoral deste ano só findará em dezembro, quando os delegados formalmente elegerão o novo presidente. Na que agora acompanhamos, a população apta a votar escolhe delegados eleitorais. O número de delegados está diretamente relacionado ao número de distritos e por isso varia entre cada . Adicionalmente, para cada estado, o partido que recebe mais votos, pega todas as cadeiras de delegados.

Essa digressão histórica explica por que que o sistema sempre foi distante da população, especialmente das em situação de vulnerabilidade. Não é simples, não é obrigatório ou universal. No entanto, alguns movimentos ativistas já vinham trabalhando para aumentar os registros eleitorais e restabelecer o direito ao voto. O Black Lives Matter, entre outros ativismos recentes, trouxe novo impulso para a população mais jovem dos EUA, que tende a quebrar o ciclo do voto conservador, ainda ligado às heranças históricas. Há agora mais consciência dos limites históricos e ideológicos do Partido Republicano, identificado com princípios mais conservadores.

Muitos dos chamados “swing states”, que tendem a historicamente variar o voto entre republicanos e democratas, votaram pelos últimos, sendo determinantes para a eleição de Biden e Harris. O destaque está na Geórgia, onde a ex- e ativista negra Stacey Abrams criou organizações não governamentais defendendo o direito ao voto e promovendo o registro eleitoral. Quando da candidatura de Abrams à governadora, o estado cancelou, às vésperas da eleição, 54 mil registros de votos (número exato pelo qual ela depois perdeu o pleito). Destaco que o estado está recontando os votos, mas a escolha pelos democratas é estatisticamente mais provável.

“Na última década, a população da Geórgia aumentou 18%. ‘A nova maioria americana’ – pessoas negras, jovens de 18 a 29 anos e mulheres solteiras – é uma parte significativa desse crescimento. Representa 62% da população em idade de votar na Geórgia, mas são apenas 53% dos eleitores registrados”, segundo o site do New Georgia Project.

Outro marco é o da democrata Cori Bush, que será a primeira ativista do movimento Black Lives Matter a chegar ao Congresso dos Estados Unidos. Ela também é a primeira negra a representar lá o estado do Missouri. Bush faz parte da ala mais progressista do Partido Democrata.

Já o democrata Ritchie Torres é o primeiro membro negro, latino e assumidamente gay a ser eleito ao Congresso, pelo estado de Nova York. A importância dos está clara para desalinhar os negros do conservadorismo e ir além de crenças religiosas.

Não posso tampouco deixar de destacar a eleição de Kamala Harris como vice-presidente, primeira mulher e pessoa negra a assumir o posto. Todos os dados e situações elencadas são um alento para a retirada de um misógino corrupto da presidência, Donald J. Trump. Ainda temos divergências políticas com a ala democrata que foi eleita, mas estamos em momento de consolidar forças para retirar o populismo de direita e todo o retrocesso que representam do poder. Todos os líderes mundiais desta tendência, que não tomaram medidas efetivas para bloquear a disseminação do entre a população, representam também retrocessos na legislação ao aborto e a escolhas individuais. Agora, no Brasil, vemos o absurdo de todo um estado ser deixado sem luz por incompetência administrativa. Além da privatização da subestação de energia do Amapá, que não tem alternativa, não são enviados suprimentos de emergência. Estamos no momento de dar voz às minorias, aos vulneráveis, aos historicamente marginalizados e impedir o retrocesso que líderes como Trump e Bolsonaro representam.

[smartslider3 slider=25]

 

 

 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA