A crise na Venezuela e a Amazônia Brasileira

A crise na Venezuela e a Amazônia Brasileira 

Por: Fábio Zuker/Amazônia Real 

Nas últimas semanas, os conflitos políticos entre o governo de Nicolás Maduro e seus opositores na Venezuela parecem ter mudado de patamar. Logo após a nova posse de Maduro, no dia 11 de janeiro de 2019, o deputado Juan Guaidó, eleito presidente da Assembleia Nacional venezuelana, de maioria oposicionista, passou a ser reconhecido pela Casa como presidente interino da república venezuelana.

A razão de a oposição não reconhecer o novo mandato de Maduro são as fortes suspeitas de fraudes que rondam a eleição de 2018, contestada internacionalmente por mais de cinquenta países e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Como afirmou o cientista político Sérgio Abranches, em coluna no jornal O Globo, “a Venezuela está presa em um labirinto sem heróis”.

Os governos bolivarianos de Hugo Chávez e Maduro não souberam se valer do momento de alta do petróleo para diversificar a economia Venezuelana, com investimentos na indústria e . Com a queda do valor de mercado do petróleo em 50% (de 112 dólares americanos em 2015 para 56 dólares, em meados de 2017), a economia venezuelana afogou-se em uma grave crise: hiperinflação, falta de remédios e alimentos tornaram a antes pujante economia sul-americana em um país marcado pela fome.

A oposição, por sua vez, em mais de uma ocasião se recusou a aceitar os resultados eleitorais, que elegeram e reelegeram Hugo Chávez ao longo dos anos, e chegaram inclusive a boicotar o processo eleitoral. Parte da oposição, ao apoiar o bloqueio econômico imposto pelos , tornou ainda mais miserável a vida dos venezuelanos, praticamente impossibilitando qualquer retomada econômica do país sob o governo Maduro.

A AJUDA HUMANITÁRIA E O HISTÓRICO DE INTERVENÇÕES NORTE-MERICANAS NA REGIÃO

O capítulo mais recente da crise teve início com o envio da ajuda humanitária por Estados Unidos, e Colômbia, no último dia 23 de fevereiro. Agências humanitárias, jornalistas e analistas políticos parecem não ter muitas dúvidas de que a ajuda de alimentos trata- -se de uma forma de ingerência estrangeira nos assuntos internos do país, com o objetivo de forçar a deserção de militares e favorecer a oposição, que então se encarregaria de distribuir toneladas de cestas básicas e remédios para uma população faminta.

O cálculo norte-americano era fortalecer a figura do oposicionista Guaidó e torná-lo reconhecido pelas forças armadas como presidente legítimo do país – o exército venezuelano permanece fiel a Maduro, pese o crescimento das deserções nos últimos dias, que podem ser calculadas em cerca de trezentos militares.

Para Elói Senhoras, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima (UFRR), estado brasileiro mais afetado pela crise do país vizinho, “a maneira como se manifestou a ajuda humanitária acabou sendo uma estratégia mal calculada. Houve o fechamento da fronteira com a Colômbia e com o Brasil. E isso acabou repercutindo.

A maneira, o momento no qual foi feito, de se fazer uma pressão ainda maior no regime do Maduro, acabou se tornando um tiro no pé”. Com a decisão de Maduro de fechar as fronteiras com Colômbia e Brasil, a ajuda humanitária foi repelida e não atingiu nem os seus objetivos humanitários, nem os seus objetivos políticos.

O governo Maduro recebeu duras críticas pelo desperdício de alimentos e medicamentos em momento tão delicado para a população, e a Cruz Vermelha também criticou o uso político da ajuda humanitária, que não segue o tripé “neutralidade, imparcialidade e independência” da instituição.

Para Elói Senhoras, “a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela é baixíssima frente a presença da China e da Rússia no Conselho de Segurança (da ONU)”. Rússia e China são os dois principais parceiros da Venezuela e financiadores da dívida venezuelana. Roraima depende hoje da energia que compra do país vizinho, e “o Brasil só conseguiu fazer o pagamento da energia venezuelana via bancos russos”, afirma Senhoras.

Apesar dos Estados Unidos em mais de uma ocasião terem afirmado que não descartam o uso da força militar na Venezuela, e da mudança de postura da Casa Branca, que tem se pronunciado abertamente pelo fi m do governo de Maduro, Senhoras considera pouco provável uma ação militar em solo venezuelano. Uma invasão da Venezuela “depende da aprovação do congresso americano. E a opinião pública norte-mericana não apoiaria, principalmente na América Latina. É um cenário improvável”, afirma o professor, referindo-se ao desgaste que ações prolongadas de guerras no Afeganistão e Iraque tiveram nos governos de George W. Bush e Barack Obama, frente a opinião pública norte-americana.

O histórico de intervenções militares norte-americanas na América Latina para desestabilizar governos que lhe eram desfavoráveis veio sempre acompanhado de , violação de direitos humanos e ditaduras. A tentativa de invasão da Baía dos Porcos em Cuba, por um grupo paramilitar cubano anticastrista com apoio norte-americano, em 1961; a invasão da República Dominicana em 1965 contra os crescentes movimentos de esquerda do país; o no Chile, que em 1973 derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende e que instaurou uma ditadura das mais violentas da América Latina, sob o mando do General Augusto Pinochet; em 1989, a invasão do Panamá para prender o General Noriega e assegurar a abertura do Canal do Panamá; são apenas algumas das ações realizadas diretamente ou com influência norte-americana no subcontinente.

VENEZUELADevido a esse histórico, e prevendo que uma ação militar na Venezuela possa gerar uma ampla guerra civil no país, com aumento do fluxo migratório e possíveis tensões na fronteira com países vizinhos como Brasil e Colômbia, o Grupo de Lima tem se oposto à ação militar. Formado por 14 países das Américas, “o grupo de Lima tenta demarcar uma posição internacional sobre o assunto. Dentro do próprio Grupo de Lima não existe consenso. México reconhece o governo de Maduro. Uruguai mantém uma neutralidade”, afirma Senhoras.

PRINCIPAIS IMPACTOS DA CRISE NA VENEZUELA PARA A AMAZÔNIA BRASILEIRA

Os principais impactos da crise venezuelana para a Amazônia brasileira têm sido o alto fluxo migratório em regiões com pouca capacidade de absorção e os apagões no estado de Roraima – o único que não está integrado no sistema de Tucuruí, e depende da compra de energia venezuelana, que tem se mostrado instável. Com o acirramento das tensões, todos os cenários apontam para a possibilidade de intensificação do fluxo migratório, seja devido ao recrudescimento do embargo econômico, seja devido a uma intervenção estrangeira no país. Dassuem Reis Nogueira é doutoranda em antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em Santarém (Pará), trabalhou como antropóloga na Casa de Acolhimento de Adultos e Famílias, da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social, com a chegada dos indígenas Warao da Venezuela. “Não conhecíamos os Warao, e ainda não os conhecemos, na verdade”, afirma.

Dassuem Nogueira relata o preconceito no tratamento com relação aos indígenas que chegam no país. “Querem fazer logo de imediato o teste de HIV”, sem que exista necessariamente correlação entre sintomas das doenças apresentadas pelos indígenas e a contaminação pelo vírus da Aids. Os trabalhadores do abrigo que recebe os Warao não falam espanhol, e muitos indígenas falam apenas a nativa, o que Dassuem Nogueiratorna o trabalho de recebimento e atendimento a essa população muito delicado.

Os Warao são caçadores, coletores e pescadores. E desde a década de 60 estão indo na cidade por danos ambientais às terras. Na Venezuela não tem de proteção a territórios indígenas. Esses grupos vão e vêm para a cidade, desde década de 60, procurar o que comer, formas de trabalho. Tem grupos que vêm direto das comunidades. Eles estão vindo para cá por fome mesmo”, afirma a pesquisadora.

Conforme Dassuem Nogueira, a região do Alto Orinoco é de difícil acesso e já na década de 1960 começaram projetos de desenvolvimento da região, e construíram estradas na região. “Começou um processo de desertificação e salinização das águas. Houve também a instalação de uma petroleira no delta do Orinoco, que gerou um grande impacto. Por isso os projetos de compensação e de assentamento em casas”. Alguns indígenas recebiam salários do governo, como forma de compensação, e viviam entre a cidade e suas comunidades. Entretanto, com a hiperinflação, não conseguiam mais aceder a bens básicos de consumo.

Os Warao vêm de grandes jornadas de andanças, pedindo caronas, em situações muito difíceis. Chegam no Brasil, e a situação de acolhimento não é legal, muitas vezes dormem na rua”, conclui a pesquisadora, afirmando que a maior preocupação do ponto de vista da saúde é com a tuberculose, e também dermatites de difícil tratamento e fácil contágio, como a escabiose.

Fábio Zuker –  Jornalista. Mestre em Ciências Sociais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales EHESS de Paris. Matéria publicada originalmente no site da agência Amazônia Real (http://amazoniareal.com.br/crise-na-venezuela–e-amazonia-brasileira), de quem é colaborador desde 2016. O texto original foi editado, por limitações de espaço. Matéria publicada originalmente no site Amazônia Real. 

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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