A falta de ar e o desvio do olhar

A falta de ar e o desvio do olhar

A falta de ar e o desvio do olhar

“Quem é essa
Que me olha
De tão longe
Com olhos que foram meus?”

– Helena Kolody

Por Antônio Carlos de Almeida Castro/via Grupo Prerrogativas

Hoje em dia, andar nas ruas das cidades grandes é um exercício constante de não olhar o que está ao seu redor. São olhos pedintes que te miram não só a gritar por socorro, como também a dizer: quem é você que passa ao largo da minha dor, da fome que me assola, do meu filho que está desfalecido nos meus braços? E, ao fim e ao cabo, quem somos nós que seguimos em frente?

Há um enorme vazio no nosso caminhar. Como se uma nuvem espessa nos apertasse e nos fizesse sentir uma tontura pela falta de ar. É difícil ser frio e seguir em frente, sabendo que a indiferença não resolverá a dureza da vida de quem está nas ruas. Imagine, então, a mãe ou o pai que continuarão nas ruas com o filho no colo depois que seus olhos passarem. A dor é real. A cena é verdadeira. E nós só tentamos desviar o olhar, como se, em um filme, pudéssemos dirigir aquele trágico momento. Contudo, na verdade, nem isso conseguimos. Não é fantasia, é a vida. Somos fantoches andando nas ruas cheias de misérias humanas e vazias de solidariedade.

E, quando nos escondemos e buscamos outra realidade, nós nos defrontamos com outra situação gravíssima: funcionários públicos matando um cidadão asfixiado dentro de uma viatura oficial. À luz do dia. Os representantes do Estado torturam e matam covardemente porque sabem que esse é o poder protegido pelo fascismo instalado.

Será que não percebemos que todos nós estamos morrendo nos braços daqueles pais famintos e impossibilitados de alimentarem o próprio filho? Ou com aquele asfixiado, sem ar e sem perspectiva, nos camburões da polícia que julga ter o direito sobre a vida?

Em meio a esse flagelo todo, o Presidente da República comemora a morte de 23 pessoas numa chacina carioca, por entender que todos eram bandidos.

Onde está o erro? Em quem mata deliberadamente e tem a ousadia de asfixiar um homem, dentro de um carro oficial, em plena luz do dia ou em cada um de nós que não olha de frente o nosso abismo?

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, advogado

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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