Pesquisar
Close this search box.
A mais linda abuela, por Ana Prestes

Ana Prestes: A mais linda abuela

A mais linda abuela

A gente pensa que para todo o sempre, do outro lado da linha do telefone memorizado desde a infância, digitado como se fosse a própria extensão das mãos, vai atender aquela mesma voz…

Por Ana Prestes/via Portal vermelho

Que por trás da porta do endereço mais amado de toda a vida vai estar aquele abraço único.
Que as janelas estarão sempre abertas e ventiladas, que no ambiente haverá música ou som da TV e que as estampas das roupas e das almofadas serão coloridas e sobrepostas.
Que o café da tarde será regado a risadas e pão quentinho. E de surpresa vai surgir uma torta da geladeira.
Que ela vai gritar que o banho tá demorado e que é pra apagar a luz pois não é sócia da light.
Que o plano pra manhã seguinte será o de partir para a praia sem hora pra voltar.
Que no almoço vai estar na mesa o melhor feijão do mundo.
Que a sobremesa vai ser uma bacia de mangas que ela vai descascando e picando enquanto conta histórias.
Que de tardezinha, depois do chá, vamos deitar na cama da abuela para ver a novela.
Que ela vai dormir antes do fim do capítulo e vai acordar antes do amanhecer ouvindo as notícias no radinho de pilha.
Que no café da manhã a gente vai ouvir as histórias da infância dela em Pernambuco. E vai rir, e vai chorar e se indignar.
Que ela não vai aceitar choro na despedida e vai encher nossa mala de presentes aleatórios.
Que um dia, sem motivo, vai chegar em casa uma caixa sortida com itens que vão da goiabada a livros e pares de meia.
Que nas eleições ela vai fazer campanha, vai torcer e acertar o resultado eleitoral.
Que não vai te deixar desistir, que vai te apoiar, que vai te dar bronca e perguntar quais os planos para as próximas férias, os próximos trabalhos e os próximos amores.
Que nunca vai haver Rio de Janeiro sem ela.
A mais linda abuela.
A gente pensa que é pra sempre.
Não estamos preparadas para o inverso, reverso e transverso da vida sem ela.


Block

Salve! Este site é mantido com a venda de nossas camisetas. Você pode apoiar nosso trabalho comprando um produto em nossa loja solidária (lojaxapuri.info) ou fazendo uma doação de qualquer valor via pix ( contato@xapuri.info). Gratidão!

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

0 0 votos
Avaliação do artigo
Se inscrever
Notificar de
guest
0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Parcerias

Ads2_parceiros_CNTE
Ads2_parceiros_Bancários
Ads2_parceiros_Sertão_Cerratense
Ads2_parceiros_Brasil_Popular
Ads2_parceiros_Entorno_Sul
Ads2_parceiros_Sinpro
Ads2_parceiros_Fenae
Ads2_parceiros_Inst.Altair
Ads2_parceiros_Fetec
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

REVISTA

REVISTA 113
REVISTA 112
REVISTA 111
REVISTA 110
REVISTA 109
REVISTA 108
REVISTA 107
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

CONTATO

logo xapuri

posts recentes