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A montanha pariu um Moro

A montanha pariu um Moro

Por Emir Sader no Brasil 247

A burguesia não tem heróis, nem líderes, nem partidos. Usa uns e outros, conforme lhe convêm.

No Brasil, foi liberal com a UDN e Carlos Lacerda contra o Getúlio. Depois, com a participação ativa de Lacerda, foi preparando uma mudança, que desembocou no golpe militar e na ditadura. Depois desta, se reconverteu para o liberalismo, econômico e político. Até que desembocou no Collor e no FHC. Esgotados estes, seguiu apostando nos tucanos, com nostalgia dos tempos, gloriosos para ela, do FHC, seu ídolo permanente.

Derrotada sistematicamente pelo sucesso da liderança do Lula e dos governos do PT, a burguesia se reciclou para o golpe, com a derrubada da Dilma, a eleição do Temer e os mecanismos que levaram à prisão, condenação do Lula e seu impedimento de concorrer. O que permitiu a operação monstruosa da mamadeira de piroca e a vitória do Bolsonaro.

Nada disso teria sido possível sem a operação Lava Jato e a atuação do novo queridinho da direita brasileira – o juiz Sergio Moro. Que possibilitou o sonho que nem os mais radicais da direita imaginavam ser possível: a prisão do Lula e o reforço da pecha de corrupto sobre ele, mesmo condenado sem provas e finalmente, saído da prisão. Mas a associação do Lula à ideia de condenado, de preso, pesou fortemente sobre o Lula, o PT e a esquerda.

O desastre do governo Temer, abertamente neoliberal, com todas as consequências negativas sobre a massa da população, levaram esse governo a um mínimo de apoio. E, apesar da forte campanha – que deixou marcas até hoje em setores da população de que a recessão e o desemprego foram responsabilidade da Dilma – explorando o início muito problemático do segundo mandato da Dilma, até porque em dezembro de 2014 a economia ainda crescia e o País chegava, pela primeira vez, ao pleno emprego, recompuseram no povo a imagem do governo do Lula. Mas a campanha da mídia tinha revertido o consenso, agora concentrado no ajuste fiscal e na culpa do PT pela herança recebida pelos governos posteriores.

A recuperação da imagem do Lula foi enorme, revelando como, apesar das acusações e de que alguns setores que optaria por ele até as aceitariam, a memória do seu governo e das mudanças positivas na vida das pessoas, se sobrepujava a tudo isso e Lula era favorito para triunfar no primeiro turno. A falta de uma liderança firme e com apoio popular também contribuiu para essa recuperação. FHC, Marina, Ciro Gomes, não revelaram estatura para se projetar como os líderes que o Brasil precisa neste momento.

 

A operação Bolsonaro foi possível pela conivência do Judiciário e pela militância ativa da mídia contra o retorno do PT, fechando os olhos  para a trajetória do Bolsonaro, para  as suas declarações estapafúrdias sobre a ditadura, a tortura, a pena de morte e mesmo a democracia. Fecharam os olhos para a operação da mamadeira, para sua recusa a participar dos debates – o que talvez fosse fatal para o candidato adotado pela direita – e todas as dúvidas sobre a tal facada.

Principalmente, a mídia não teve coragem de desmascarar a condenação sem provas do Lula e apoiou fortemente sua prisão, condenação e impedimento da sua candidatura, porque sabem que ele ganharia. E o Lula e os governos do PT são o desmentido mais formidável das teses econômicas e políticas da direita – do Consenso de Washington, do pensamento único, de todo o receituário neoliberal. Lula é o fenômeno maldito para a direita brasileira, que ela não consegue explicar, com quem não consegue debater e, por mais que reitere que seria uma carta fora do baralho, não consegue anular a presença do único líder político nacional com inquestionável liderança de massas.

Por todas essas razões, por ação e inação,  por acusações sem provas e por silêncio, a mídia tem as mãos sujas pela operação que levou Bolsonaro à presidência e aos desastres que o País vive hoje. Sem a mídia, a monstruosa operação que levou de pesquisas em que Haddad o superava no segundo turno, à sua vitória, que produziu os desastres para o País, que agora toda a mídia reconhece, não seria possível.

Mas a referência fundamental de toda essa operação foi a Lava Jato e Sergio Moro, o novo herói da direita brasileira e mesmo mundial.  Essa operação permitiu reverter radicalmente a imagem do PT, dos seus governos, do Lula e do próprio Brasil. De País que lutava consequentemente contra a fome, que fez do Lula o principal líder da esquerda e da luta contra a fome no mundo, o País passou a ser sinônimo de corrupção, com a reversão correspondente da imagem da Petrobras, de símbolo do sucesso de uma empresa estatal a antro de corruptos.

A palavra Lula, que se havia tornado mais popular como identificação positiva do Brasil, mais popular até do que o Pelé num certo momento, teve revertido seu sentido, com o PT sendo assimilado, até mesmo por setores de esquerda, a partido corrupto, que se corrompeu no poder. Sergio Moro passou a ser conhecido no mundo como o justiceiro que desmascarou a corrupção no Brasil, especialmente da esquerda. Era recebido como herói nos EUA, por ter conseguido o que eles sempre quiseram: tirar o PT do governo, desqualificado como corrupto, prender, condenar o Lula, impedi-lo de ser candidato e eleger um candidato neoliberal e de extrema direita.

A entrada do Moro no governo abalou um pouco sua imagem. As revelações da Vaza Jato ajudavam a compor uma visão, para os que começavam a duvidar do governo Bolsonaro, de que ele havia montado uma operação fajuta, para depois se beneficiar, indo para o governo. Mas grande parte continuava a identificá-lo como o herói da luta contra a corrupção, que servia como álibi para apoiar o Bolsonaro, para esconder seus verdadeiros interesses – o modelo neoliberal – e seu objetivo maior, diretamente associado à restauração desse modelo: impedir o retorno do PT ao governo, que segue sendo o fator mais importante para entender até mesmo o nível de apoio que o Bolsonaro continua a ter.

O conflito entre Bolsonaro e Moro chega em um momento de acentuada perda de apoio do governo, pela incapacidade de fazer a economia crescer e de diminuir o desemprego, pelos destemperos do Bolsonaro, pelas brigas políticas e perda de apoios dos que o haviam eleito, pelas denúncias cada vez mais claras contra os seus filhos, pela inação diante da pandemia, entre outros fatores. A direita se assanhou de novo, acreditando que voltavam a ter uma liderança de direita em quem acreditar.

A própria Globo, que havia aberto todas suas baterias contra o Bolsonaro – poupando sempre o Guedes e sua política econômica -, passou a promover abertamente, de novo, a imagem do Moro. Sua entrevista bateu todos os recordes de repetição no ar em todos os horários, assim como as supostas provas que ele teria adiantado à Globo.

Mas as provas sugeridas pelo Moro e, principalmente, as gravações mostradas à Globo, se mostraram pífias. As intervenções do presidente na PF podem ser indevidas, mas não são ilegais, nem configuram, por si sós, crimes de responsabilidade. Porque o Moro não tem coragem de revelar as reais intenções de Bolsonaro – ter as informações e poder interceder, através de um diretor da PF amigo da família, para proteger a seus filhos.

Isto sim configuraria crime de responsabilidade, intenção de obstruir a ação da Justiça e mesmo prevaricação. Mas se tocasse no tema, Moro revelaria sua complacência em todas as atitudes do Bolsonaro para proteger os seus filhos – que parece ser a sua maior e talvez única preocupação hoje num País afetado pela pandemia e pelo desemprego, entre outros males.

A direita se excitou, mas nem o tom da frágil da fala, com o som de taquara da sua voz, sua falta de clareza e de firmeza na sua fala, permitem que ela encontre nele seu líder e herói reencontrados. Bolsonaro, que é craque nessas coisas, retomou a ofensiva, fez revelações graves sobre o Moro – entre elas a troca de cargo no STF pela aceitação da troca do diretor da PF, que até hoje Moro não desmentiu, além das confusas gravações que apresentou à Globo -, da falta de apuração da facada, de ação contra atitudes violentas da PF, enquanto se desenvolvia campanha para sujar a imagem do Moro, ameaçando dossiê sobre sua mulher – incluindo a denúncia de desvio de dinheiro da Apae -, contra ele, ameaçando retomar sua atuação escandalosa no caso do Banestado, entre outros casos.

Ameaçando divulgar imagens que podem confirmar o que diz Bolsonaro no Moro, inclusive sua subserviência e adulação do Bolsonaro. Várias análises revelam como dificilmente Moro pode provar acusações ao Bolsonaro, sem ele mesmo, como membro do governo, se inculpar. (Além da torpe pedida de recursos para sua família.)

Salvo que as 8 horas de declarações `a PF tenham mudado radicalmente os termos das intervenções até aqui de Moto – o que parece difícil, porque ele mostrou seus carros chefes na coletiva e nas gravações dadas à Globo – Moro pode ter se metido numa encalacrada. Bolsonaro não perdoará qualquer novo tropeção dele, como já fez com as acusações com provas frágeis até agora, a ponto da reiteração do Bolsonaro de que o acusador tem o ônus da prova e que Moro tem que apresentar as provas ao STF.

A convocação do Moro para declarar no processo aceito pelo STF não é necessariamente favorável a ele, dependendo das provas que apresente e da habilidade que ele manifeste para não se auto incriminar. As previsões não são necessariamente favoráveis a ele e contrárias ao Bolsonaro. Sua imagem está em jogo e o processo pode ser fatal para ele.

As consequências imediatas não foram  boas para a direita, que esperava uma queda radical no apoio do Bolsonaro, que aconteceu, da ordem de 8% na imagem dele e menor do seu governo. No seu pior momento, Bolsonaro mantém 28% de apoio e um apoio maior o que o do como líderes políticos Moro. A falta de firmeza do Moro para encarar a feroz ofensiva da hostes do Bolsonaro contra ele, vai desgastando sua imagem pública como líder que a direita gostaria que ele fosse, firme, agressivo, ofensivo, convincente.

Bolsonaro perdeu um dos pilares do governo, que fiava sua suposta luta contra a corrupção. Conscientes do seu enfraquecimento, Bolsonaro abandonou a perspectiva de manter apoios originais e passou a se defender do impeachment com a conquista do centrão, pelo troca de cargos, que desmente outro pular do seu governo – a luta contra a velha política. Mas ele se dá que todo processo de impeachment teria que desembocar no Congresso e trata de se defender aí, mesmo com o desgaste com setores da sua base original de apoio.

E se vale, por outro lado, das debilidades da política de isolamento social, impossível para grande massa da população, que nem se protege em casa pelas condições precárias em que vive, nem pode deixar de sair às ruas, para buscar seu ganha-pão. Os cálculos de 62,1 milhões de pessoas em condições de fragilidade, da ideia das dimensões dessas pessoas vivendo na precariedade e que não podem se dar ao luxo de ficar em casa por meses, sem renda ou com a precária ajuda do governo, quando conseguem obtê-la.

Bolsonaro quer ceder aos interesse dos grandes empresários, que querem a retomada imediata e total das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, ceder às necessidades das pequenas e médias empresas, asfixiadas sem atividade econômica e da massa que precisa buscar seu ganha-pão nas ruas. As pesquisas indicam que Bolsonaro perdeu apoio nos setores de maior nível educacional, mas compensou em parte com apoios populares, provavelmente desses setores necessitados de sair às ruas, como se comprova com o movimento de pessoas nas favelas e nos bairros populares de todo o Brasil.

Não se trata de pregar as vantagens de saúde do isolamento como faz a mídia. A grande maioria que não  obedece o isolamento social, não é comportamento das madames que saem passear seus cachorrinhos, mas dessa massa pobre e majoritária da população. Se quiserem que se obedeça o isolamento social da massa da população, que se garanta a chegada a eles de um apoio financeiro sistemático e substancial.

O governo, por um lado, é incompetente para cumprir isso e, por outro, Bolsonaro a crise, acentuada e cada vez maior, dessa política de isolamento, que só pode ser obedecia por quem tem boas condições de habitação e renda garantia, isto é, a minoria. Por isso já hoje só metade da população obedece o isolamento e tende a ser cada vez pior, já na catástrofe sanitária e de condições de vida da maioria dos brasileiros.

A excitação da direita em torno do Moro tende a amainar. Já se decepcionaram com o grau muito menor de desgaste do apoio do Bolsonaro e com a capacidade de contraofensiva dos bolsonaristas contra o Moro e a impotência deste para se defender e retomar a ofensiva publicamente.

Os tradicionais colunistas empenhados obsessivamente no anti-petismo, os mesmos que diziam que o PT se preocupava com a imagem do Mandetta, apressadamente elevado a candidato da direita contra o PT, agora dizem que o PT prefere enfrentar o Bolsonaro do que o Moro. Doce ilusão das viúvas do FHC, dos tucanos, do Bolsonaro e agora, ao que tudo indica, do próprio Moro.

Caso Moro se desgaste nessa complexa situação em que se meteu, avaliando-a mal, restará à direita as alternativas que tinha antes desse episódio: militarização do governo ou a delicada operação de colocação do Mourão na presidência. Ou, o pânico que ela tem, de uma crise política de proporções, que deixa abertas as alternativas para o País, reabrindo as possibilidades do que ela mais tem: eleições e democracia. A montanha terá, mais uma vez, parido um rato, para a direita, na sua eterna busca do antipetista salvador.

Fonte originária desta matéria: Brasil 247

 


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