Agência vê pico de emissões até 2025, mas 1,5ºC ainda fora de alcance
Salto de 40% em renováveis desde 2020 mexe pouco no predomínio dos fósseis na matriz energética global; mundo segue no rumo de 2,4ºC de aquecimento.
Por Leila Salim, Priscila Pacheco e Claudio Angelo/ O Eco
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) publicou nesta terça-feira (24) seu aguardado relatório anual World Energy Outlook. O documento mostra que os investimentos em energia renovável aumentaram 40% desde 2020. No entanto, esse crescimento não será suficiente para conter a crise climática se a demanda por combustíveis fósseis não diminuir rapidamente.
Segundo a IEA, a participação dos combustíveis fósseis no fornecimento global de energia, que está estabilizada há décadas em cerca de 80%, diminui para 73% até 2030, sendo que as emissões globais de dióxido de carbono relacionadas à energia devem atingir o pico até 2025. O relatório aponta que, sem mudanças aceleradas no setor de fósseis, as emissões globais de poluentes vão permanecer altas o suficiente para aumentar as temperaturas médias globais em cerca de 2,4 °C neste século. O limite do Acordo de Paris é 1,5°C.
“A transição para a energia limpa está acontecendo em todo o mundo e é imparável. Não é uma questão de ‘se’, é apenas uma questão de ‘quando’ – e quanto mais cedo, melhor para todos nós”, disse Fatih Birol, diretor-executivo da IEA.
O documento ainda lembra que o mercado de combustíveis fósseis é instável por causa de conflitos, como a guerra entre Ucrânia e Rússia e os embates prolongados no Oriente Médio. “Levando em conta as tensões e a volatilidade contínuas nos mercados de energia tradicionais de hoje, as alegações de que o petróleo e o gás representam escolhas seguras para o futuro energético e climático do mundo parecem mais fracas do que nunca”, afirmou Birol.
A IEA propôs um plano de cinco pontos para manter viva a meta de 1,5°C e garantir o sucesso da COP28, a conferência do clima que começa daqui a um mês e uma semana em Dubai. Segundo o World Energy Outlook, será preciso:
1. triplicar a capacidade global de energias renováveis;
2. dobrar a taxa de melhorias na eficiência energética;
3. reduzir em 75% as emissões de metano das operações de combustíveis fósseis;
4. adotar mecanismos inovadores de financiamento em larga escala para triplicar os investimentos em energia limpa em economias emergentes e em desenvolvimento;
5. e medidas para garantir um declínio ordenado no uso de combustíveis fósseis, incluindo o fim da aprovação de novas usinas termelétricas a carvão sem captura de carbono.
O aumento em três vezes da capacidade instalada de renováveis vem sendo defendido por ONGs ambientalistas, que querem que a COP produza uma decisão para atingir 1,5 terawatt em solar, eólica e outras fontes até 2030. Só que os ambientalistas também demandam uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A IEA já havia dito, no mês passado, que nenhum projeto novo de fósseis poderia ser autorizado em nenhum lugar do mundo se a humanidade quisesse ter alguma chance de cumprir o objetivo de Paris. O novo relatório não repete o alerta, mas mostra como as políticas energéticas que os países já estão adotando mexeu os ponteiros e deslocou os fósseis pela primeira vez.
Até 2030, diz a agência, haverá quase dez vezes mais carros elétricos no mundo; painéis solares fotovoltaicos vão gerar mais eletricidade do que todo o sistema de energia dos EUA gera atualmente; a participação das energias renováveis na geração mundial de eletricidade se aproximará de 50%, contra 30% atualmente; bombas de calor e outros sistemas de aquecimento elétrico vão superar os boilers a óleo combustível e gás em todo o mundo; e haverá três vezes mais investimento em novos projetos de energia eólica offshore do que em novas usinas a carvão e gás.
Mas a dependência humana de combustíveis fósseis é tão imensa que, mesmo com essa revolução energética, a fatia de óleo, gás e carvão mineral na matriz global recua apenas sete pontos percentuais. O pico de emissões em 2025 é uma boa notícia, decerto, mas a física é implacável: para termos uma chance razoável de estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC, é preciso cortar as emissões em 43% até 2030. Por enquanto isso não está no horizonte.
Leila Salim – Jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ.
Priscila Pacheco – Jornalista independente.
Claudio Angelo – Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima (O ECO).
Foto: Otávio Almeida/Greenpeace Brasil.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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