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A chegada das águas: enfim, as primeiras chuvas!

É encantadora e muitíssimo bem-vinda a primeira chuva depois de prolongada estiagem do outono e inverno no Cerrado. Este ano, em toda a região Centro-Oeste, as primeiras águas demoraram pra chegar. Mais de 120 dias – quatro meses, portanto – na maioria dos lugares. De modo que, quando chegaram, já no finalzinho de setembro, o alívio foi bem maior.

Nas áreas urbanas, apanhadas de surpresa apesar da espera, a correria foi grande. Nas cidades de maior porte, o comércio estabelecido retirou os produtos à mostra nas calçadas e os ambulantes se apressaram a entulhar suas tralhas nos sacos e malas. Só os vendedores de guarda-chuvas tiveram a feira assegurada naquele dia.

Paradas cobertas do transporte público, bancas de revistas, lanchonetes e marquises de lojas, tudo virou abrigo a transeuntes que não queriam se molhar, com apertos de todos os lados. Mas, neste ano, esses ajuntamentos estavam mais bem-humorados que de costume, numa demonstração de alívio.

Nas ruas, os motoristas colocavam braços pra fora no afã de abraçar a chuva, na dúvida entre festejar o momento e maldizer o asfalto molhado, mais liso e perigoso. E as roupas sumiram de varais de casas, apartamentos e barracos como que num passe de mágica, antes que molhassem de novo.

Escolas de muitas localidades interromperam as aulas e outras atividades no horário da chuva, em reverência à sua chegada. Não faz parte de currículo, mas muitas delas aproveitam essas ocasiões pra ministrar aulas e promover debates sobre o clima e a biodiversidade do Cerrado.

No campo, a natureza se alvoroçou, com excitação. Os pássaros, sempre mais visíveis, piavam, gritavam, sacodiam as penas como que em comemoração. Outros bichos deixaram suas tocas, em igual felicidade. Os trovões mais pareciam foguetório de festas. Isso, nas áreas de vegetação nativa.

Nas áreas de agricultura e pecuária, entretanto, quem comemorou foram os produtores, uma parte deles preocupada com o atraso no plantio de grãos e as consequências disso na hora da colheita. Mas também nisso as chuvas trouxeram boas notícias, pois a perspectiva de bons preços da soja e do milho no mercado internacional, por exemplo, são motivos de sorrisos.

De quebra, além da água, veio também a alegria das cores no Cerrado. O verde logo apareceu em profusão e brotaram as flores, que dão um colorido ainda mais intenso às árvores e aos campos ressecados, com a promessa de muitas frutas em breve. Inclusive o esperado pequi.

É certo que poderíamos chamá-las de “novas” flores, ou a florada da vez, pois, como já observava o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que vasculhou os cerrados do Planalto Central no início do século XIX, o “Cerrado é um jardim permanentemente florido”. Talvez pela companhia das águas, porém, neste período elas ficam mais belas.

 

 

SEQUELAS

Aqui no Planalto Central, a umidade do ar abaixo de 20% se aproxima da do deserto do Saara, na África, onde a normal é de 13%, e qualquer gota cheira a oásis nas proximidades.

Ao mesmo tempo, contudo, chega a provocar breves distúrbios físicos e psicológicos nas pessoas. Afeta a fala, o raciocínio e causa mal-estar, uma certa prostração, semelhante ao cansaço por algum esforço exagerado.

Segundo o Inmet, em Brasília e Goiânia, por exemplo, a pouca chuva de setembro somou em torno de 8,5 mm, o que representa menos de um quinto da média mensal histórica daquele mês, que é de 50 mm. Sem contar que elas ficaram restritas aos três últimos dias e não espraiadas pelos seus 30 dias.

Ou seja, nem tudo transcorreu às mil maravilhas na chegada das chuvas. A começar pelo vento forte que veio junto, devastador em muitos lugares, que provocou danos e até mortes em várias cidades. Quedas de árvores foram as ocorrências mais registradas, inclusive em fotos e vídeos, atingindo casas, carros e a rede de eletricidade.

As ventanias mais fortes ocorreram no Mato Grosso do Sul, inclusive na Capital, Campo Grande, onde chegaram à espantosa marca dos 80 km/h, segundo os registros do Inmet. O aeroporto foi fechado e voos procedentes de outros estados tiveram que ser desviados, inclusive pra Brasília.

Houve, também, episódios curiosos. Foi o caso, por exemplo, de uma prolongada chuva de granizo nas proximidades da BR-060, em Goiás, entre os municípios de Alexânia e Abadiânia. Interrompeu o tráfego de veículos por um bom tempo, mas propiciou um belo cenário em que o gelo acumulado no próprio leito da rodovia se parecia com neve. Uma nevasca em pleno sertão goiano, pois.

Sorriso, no chamado Nortão do Mato Grosso, foi a primeira localidade a receber a chuva, em 27 de setembro. E o fez em alto estilo. Pouco antes do aguaceiro chegar, uma forte tempestade de areia tomou conta de toda a região, formando enormes redemoinhos e deixando um nevoeiro marrom sobre a cidade, um cenário ao mesmo tempo cinematográfico e amedrontador.

O retardamento da chuva provocou estragos, porém, em período bem anterior à sua chegada. Em todos os estados da região municípios foram colocados em situação de emergência pela falta de água, provocando o fechamento de torneiras em muitos deles.

O Distrito Federal já vinha passando por racionamento há mais de ano, mas nos estados da região a medida foi adotada agora. Em Tocantins, que já faz parte da Região Norte, 27 municípios foram colocados em emergência, e em Goiás a própria capital, Goiânia, teve que submeter ao contingenciamento.

A explicação oficial dos governos locais é de que os reservatórios já estavam em níveis muito abaixo do normal, situação que se agravou com a estiagem. Advertem, todavia, que não serão as primeiras chuvas que irão regularizar a situação, pois iria precisar de muito mais água do que isso.

No entanto, analistas do setor defendem que a ausência de ações preventivas é a causa predominante da escassez. Sérgio Koide, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), é um deles. Em entrevista à Agência Brasil, ele afirmou que a causa imediata da crise hídrica é o clima, mas a falta de planejamento faz com que a margem de segurança entre oferta e demanda seja muito pequena.

Grandes produtores rurais que utilizam sistemas de irrigação padecem do mesmo problema. Em tese, as culturas irrigadas poderiam ser tocadas normalmente enquanto a chuva não chegava, pois retiram o líquido diretamente de córregos e rios. O problema, porém, é que a maior parte desses cursos d’água também sofre com a estiagem e oferecem pouco ou nenhuma água.

Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde e os órgãos locais de água e saneamento logo alertaram quanto ao risco de as chuvas formarem depósitos que atraem o mosquito da dengue e outras doenças. Este acaba sendo, de todo modo, um problema mais facilmente contornável do que a estiagem prolongada.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Não faz tanto tempo, era possível marcar compromissos no Planalto Central brasileiro pra antes ou depois da chuva, sabendo em que datas iriam bater. Mesmo o “veranico de janeiro” era uma referência a quem quisesse fazer algo nas duas primeiras semanas do ano. Mas, isso é coisa do passado, os tempos mudaram.

O regime de chuvas mudou bastante no Brasil e neste ano foi a comprovação de que algo muito diferente, até estranho, está acontecendo. A primeira explicação que se tem dos órgãos oficiais, inclusive o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é o da mudança climática.

Vem ocorrendo substancial mudança no clima do mundo inteiro, é bem verdade. Essas alterações afetam uma variedade de aspectos, que incluem temperaturas, ventos, nebulosidade e também as precipitações. Elas têm causas externas, que vão desde a intensidade da luz solar, os raios cósmicos, aos ciclos de rotação da Terra, e as causas ditas internas, entrópicas, que têm muito a ver com a ação do homem.

O aspecto mais comentado é o do aquecimento global, que atinge os polos Norte e Sul, provocando o derretimento acentuado de geleiras. Isto já estaria provocando aumento do nível dos oceanos, sendo previsto pela Organização das Nações Unidas (ONU) o desaparecimento de ilhas e mesmo de territórios continentais em várias partes do globo terrestre.

Mas este é um assunto bastante polêmico e até politizado. Afinal, mudanças climáticas sempre ocorreram, desde muito antes da presença do ser humano na face da Terra e suas causas sempre foram naturais. E quem contesta a tese do aquecimento global usa argumentos consistentes. Por exemplo: os vulcões espalhados pelo mundo emitiriam mais gases do que os todos os automóveis.

Os modernos recursos de comunicação, a começar pela fotografia, existem há pouco mais de um século. Uma geleira se quebrando na região polar é filmada passo a passo e seu deslocamento é acompanhado via satélite, a cada fração de segundo. O impacto é outro.

Ressacas nos mares também sempre ocorreram, assim como tsunamis, terremotos, tempestades e outras manifestações tidas como catástrofes. Ademais, mudanças de grande vulto não se processam num piscar de olhos, pois a medição do tempo é muito outra, não cabe no calendário que repousa sobre nossas mesas.

Pelo sim, pelo não, a ciência busca a compreensão dos acontecimentos de longo, médio e curto prazos. Em nosso caso, pra falar dos fatos recentes, O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), tem explicações técnicas sobre as alterações que têm ocorrido no Atlântico Sul, atingindo o território brasileiro. Essas informações são divulgadas constantemente pela publicação InfoClima.

Sobre o ocorrido este ano, o órgão informa:

“A persistência da circulação atmosférica anticiclônica no Atlântico Sul, mais intensa que o normal, especialmente na primeira quinzena de setembro, favoreceu tanto a continuidade das chuvas acima da média histórica entre o litoral sul de Pernambuco e o leste da Bahia quanto a escassez das chuvas no oeste e sul do Brasil.”

Este seria o reflexo de mudanças nos climas regionais, provocadas em grande parte pelo tipo de atividade humana desenvolvida em cada parte do planeta. No caso do Brasil, centros independentes de pesquisa e acompanhamento climático, mantidos principalmente por universidades, revelam outras causas.

A principal delas, que é unanimidade, é a retirada da cobertura florestal de enormes áreas do Cerrado e da Amazônia, fator cujas dimensões têm crescido grandemente nos últimos tempos, com medidas liberalizantes por parte do governo federal. Em outras palavras, o desmatamento descontrolado, em especial da região amazônica, está provocando sentidas alterações climáticas, que atingem em primeiro lugar o regime de chuvas em todo o país.

ENERGIA ELÉTRICA

Há uma boa variedade de razões pra se alegrar com a chegada da chuva, como já vimos. Mas a questão econômica mexe com toda a cidadania, do empresariado à dona de casa, e aparece no final de cada mês, na conta de energia elétrica.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aponta uma redução no volume de chuvas nos reservatórios das hidrelétricas de todas as regiões brasileiras, menos a Norte, já a partir de setembro deste ano, comparado com os anos anteriores. Como o sistema de geração de energia é interligado, a tal bandeira vermelha já apareceu na conta de luz de outubro.

Só pra lembrar, esse esquema de bandeiras corresponde ao tipo de energia que está sendo entregue ao consumidor. Ou seja, quando as hidrelétricas não dão conta de atender a todos, por queda na sua produção, são ligadas usinas termelétricas, num processo que é bem mais caro. Essa diferença do preço é repassada ao usuário, que é avisado pelas bandeiras na conta de luz.

As usinas termelétricas produzem energia a partir da queima de óleo combustível, óleo diesel, carvão, gás natural, bagaço de plantas, restos de madeira ou urânio enriquecido. A maior parte delas fica desligada, aguardando situações de alguma emergência. Elas foram construídas justamente com essa finalidade, pra evitar os apagões que foram comuns no país, no passado.

Todas as pessoas já em idade adulta se lembram dos apagões e da enorme crise por que passou o setor elétrico brasileiro de 1998 até o início dos anos 2000. O racionamento e a falta de energia geravam insegurança nos lares, no comércio, na indústria e na agropecuária. E grande parte do país sequer tinha energia elétrica.

Em 2004, porém, foi implantado o Novo Modelo do Setor Elétrico, com uma série de regulagens no setor. Além de planejar a produção de energia, criou-se também o programa Luz Para Todos, que levou os fios mágicos para os mais remotos rincões do país. E milhares de quilômetros de linhas de transmissão redistribuem a energia entre as regiões

O sistema integrado, por sua vez, significa que toda energia produzida no país (exceto no estado de Roraima) é colocada em um mesmo pacote, seja ela de que fonte for. Ou seja, a eletricidade gerada no Pará, por exemplo, é consumida também no Rio Grande do Sul, e vice-versa.

A maior parte da energia elétrica consumida no Brasil ainda é gerada por usinas hidrelétricas, o que corresponde a cerca de 70% de toda a capacidade instalada do País. A segunda maior fonte de geração é a térmica, responsável por 29,5% da capacidade instalada no Brasil, sendo dividida por 11,1% gerados por gás; 8,3% por biomassa; 6,3% por óleo diesel e combustível; 2,2% por carvão mineral e 1,6% por fonte nuclear.

Por muito tempo, o barramento de rios pra implantar essas unidade era considerado como “fonte limpa” de energia. No entanto, hoje está mais que comprovado, o devastador impacto socioambiental delas desaconselha sua implantação.

A fonte eólica ainda é pouco aproveitada e corresponde a apenas 1,7% da capacidade instalada no Brasil, o que é inexplicável num país de muito vento. Mas dobrou sua participação na matriz desde 2011, o que demonstra sua entrada em definitivo no sistema.

O mesmo vem ocorrendo com a energia solar, pois o país dispõe de tecnologia pra isso e tem praticamente todo seu território ensolarado o ano inteiro.

 

 

O FOGO

Um fator altamente positivo da chegada das chuvas é o da contenção dos incêndios nas matas e campos do Cerrado e em áreas de floresta na Amazônia. É quase impossível contabilizar o número de focos de incêndio registrado nessas duas regiões de abril a setembro deste ano.

Segundo o Ibama, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Federal, boa parte deles foi de cunho criminoso, em áreas públicas de proteção ambiental e pra justificar desmatamentos ilegais. Quase sempre são grileiros, que ateiam fogo como forma combater as reservas ambientais e quem sabe tomar posse dessas áreas.

É o caso do Parque Nacional das Emas, no Sudoeste de Goiás, uma importante reserva de Cerrado, que já virou freguês desses crimes. Mal tinha se recuperado da queimada do ano passado, que atingiu cerca de 90% dos seus 132 mil hectares e matou centenas de animais, de novo em 2017 ele foi incendiado, e o fogo se alastrou por grande parte de sua área.

A Secretaria de Segurança do Estado sabe até quais são os fazendeiros responsáveis pelo fogo, mas alega que suas polícias não têm provas pra incriminá-los judicialmente. E nenhum foi preso por não ter sido apanhado em flagrante.

No entanto, nem os órgãos policiais, nem os apagadores de queimadas deram conta dos incêndios registrados em boa parte do território nacional. A tarefa ficou mesmo por conta das águas despencadas do céu.

É bem verdade que o fogo é um elemento integrante da vida no Cerrado, desde todos os tempos, inflamado de forma espontânea, no mais das vezes pelo reflexo dos raios do Sol no cascalho, que ateia fogo na vegetação ressecada. O ambiente, ali, é plenamente adaptado a esse elemento, o que é manifestado na reação da flora e da fauna ao trepidar das chamas nos períodos secos.

As árvores retorcidas, em geral, possuem cascas grossas que, mesmo aparentemente queimadas, protegem organismos vivos sob elas, e estas ressurgem logo em seguida. Os capins e gramíneas também rebrotam logo após serem aparentemente destruídas e a canela-de-ema, por exemplo, se dá ao luxo de só florescer no dia seguinte ao incêndio.

Algumas espécies animais também parecem depender do fogo pra viver. A perdiz é um caso, pois ela adora fazer seus ninhos em tufos de capim queimado, nas cinzas, talvez porque este seja um lugar mais macio, suave, propício ao nascimento de uma ninhada de filhotes espertos.

Isso, porém, não justifica queimadas provocadas pela mão humana, mesmo que seja na preparação de áreas de lavoura, que envolve aspectos culturais. Este é, contudo, um método condenado pelos órgãos de assistência e pesquisa agropecuária, como a Embrapa.

TEMPO DE CHUVAS

O fato, por fim, é que a região Centro-Oeste do país, em especial o Planalto Central, está em plena temporada de chuvas, com suas vantagens e desvantagens.

A chuva mudou alguns aspectos da rotina diária de cada um, causando problemas a muitos, mas sua chegada foi sem dúvidas muito bem-vinda por todos.

Por mais que sofra alterações na duração e na quantidade de chuvas de ano a ano, esta continuará sendo uma região de “clima tropical subúmido”, com duas estações bem definidas, uma de águas, outra de sequeiro.

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