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Ailton Krenak: os humanos serão despachados da terra por mau comportamento

Ailton Krenak: os humanos serão despachados da terra por mau comportamento

Ailton Krenak: os humanos serão despachados da terra por mau comportamento

Quando Ailton Krenak começa a falar, as pessoas param para prestar atenção. Desta vez, em Belém, ele não trouxe ideias para “adiar o fim do mundo”, mas um alerta urgente: “Os humanos serão despachados da Terra por mau comportamento. Porque não sabem sequer assistir aos astros, aos movimentos das estrelas, às chuvas. Os humanos estão perdendo de tal maneira o contato com a Mãe Terra, que daqui a pouco a Terra vai perder o contato com eles”….

Por Cicero Pedrosa Neto

A manifestação do pensador indígena Ailton Krenak ocorreu durante a entrega do relatório parcial do “Tribunal Internacional de Direitos da Natureza”, principal atividade do segundo dia da 10ª edição do Fórum Social Panamazônico (Fospa). Ele é um dos juízes desse tribunal, composto por outros representantes de movimentos sociais, indígenas, ambientalistas e pesquisadores do Brasil, Peru, da Colômbia, África do Sul e dos Estados Unidos.

O relatório, em fase de finalização, traz informações emergenciais sobre violências e outras formas de violações de direitos humanos e à natureza na Volta Grande do Xingu e no chamado Corredor Carajás – rota de escoamento de minérios e do agronegócio no Pará. 

Ailton destacou o papel dos povos indígenas e tradicionais na formulação de leis que tragam resoluções específicas com relação à natureza e sejam incorporadas às Constituições dos países latinoamericanos. Ele lembrou que Equador e Colômbia possuem em seus sistemas legais leis que resguardam a natureza e seus bens como sujeitos, baseando-se em conhecimentos indígenas dos povos andinos traduzidos como “bem-viver” (“sumak kawsay”, na língua quéchua).

Em entrevista à Amazônia Real, refletindo sobre os direitos da natureza, Krenak também afirmou que  “algumas nações dizem ter o privilégio de dominar a vida da Terra, e nós estamos dizendo que não, que a natureza tem os seus direitos e eles são anteriores a qualquer pretensão dos humanos. Porque nós, humanos, somos partes do corpo vivo da Terra”. 

Para Krenak, o Fospa permite não só discutir ideias, mas propagá-las para que mais pessoas se mobilizem em torno delas. “Precisamos fazer correr as palavras. Somos nós que temos que ter poder, a gente não tem que esperar o governo decidir nada. É a voz da Terra. Não somos administradores da Terra. No dia que ela se enjoar da gente, acabou! A Terra seguirá sem a gente.”

Ailton Krenak defende a importância da promoção de ideias que orientem a Humanidade sobre seus compromissos com “Gaia” ou “Mãe Terra”, como ele costuma denominar o planeta Terra – algo que ele já descreveu na recente obra, Ideias Para Adiar O Fim Do Mundo, publicada em 2019, pela editora Companhia das Letras.

“Anunciar esse compromisso com o direito da natureza amplamente difunde uma uma nova epistemologia sobre a cultura do homem, do humano e da natureza pra gente ‘desmisturar’ ou misturar essa coisa numa perspectiva diferente da mentalidade ocidental”, resume o pensador indígena, referindo-se ao trabalho realizado pelo tribunal. 

Os resultados preliminares do relatório apontam para o cenário de crise enfrentado historicamente pelo bioma Amazônia nos nove países onde ele está presente. Ele  ressalta de que maneira as diferentes formas de destruição da natureza e da biodiversidade estão conectadas com a destruição dos povos originários e seus modos de vida tradicionais, que não só habitam ancestralmente os territórios amazônicos, mas são os responsáveis por manejá-lo de forma não predatória.

Ana Carolina Alfinito, advogada, pesquisadora da Rede Justiça Climática, destacou que o trabalho realizado pelo “Tribunal Internacional de Direitos da Natureza” é reunir informações e reflexões que indiquem a urgência de se pensar em uma “agenda transnacional de defesa dos direitos da natureza”.

Ela, que também é uma das juízas que estiveram na comitiva que percorreu as cidades de Altamira, Anapu, Marabá, Parauapebas e Canaã dos Carajás, entre os dias 18 e 27 de julho, frisou que a base das indicações propostas pelo relatório é fruto das próprias vivências dos povos originários e tradicionais, que preconizam o respeito aos rios, às matas e aos seres humanos e não humanos que constituem os ecossistemas. As cidades visitadas pela comitiva sofrem há décadas os efeitos de hidrelétricas, da mineração e do agronegócio.

Também estiveram presentes na cerimônia de lançamento do relatório Blanca Chancosa, liderança indígena do Equador; Cormac Cullinan, advogado ambiental e diretor da Wild Law Institute, da África do Sul; lideranças do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Comissão Pastoral da Terra e Justiça nos Trilhos.

O documento apresentado pelo “Tribunal Internacional de Direitos da Natureza” resgata questões como o fato de que a Amazônia vive um ciclo de “ecogenocídio”. O termo foi usado no relatório para definir os crimes cometidos contra a natureza e os seres vivos que nela habitam, e estão “imersos em uma atmosfera constante de destruição”. As recomendações e o veredito, presentes no relatório, foram lidos pela advogada Ana Alfinito.

“São violações que atingem as paisagens, mundos, modos de vida. Roubos de terras públicas pelo capital em conluio com o Estado. Tudo é superlativo e delirante nesses territórios, inclusive as formas de violências e destruições”, pontuou Alfinito. Ela também elencou os danos ambientais e as violações de direitos praticados pela mineradora Vale na região de Carajás, aos povos indígenas, quilombolas e campesinos.

Felício Pontes, procurador da República e coordenador da delegação de juízes do Tribunal Internacional dos Direitos da Natureza, lembrou das discussões que cercam a mineradora canadense Belo Sun, no Rio Xingu. A mineradora, que promete ser a maior planta minerária a céu aberto do Brasil, com foco na exploração de ouro, briga na Justiça pelo direito de se instalar entre as Terras Indígenas dos povos Arara e Jurunas.

“Só a bacia de rejeitos que eles pretendem construir é várias vezes maior que aquela que vitimou Mariana”, lembrou Pontes, destacando os prováveis efeitos do empreendimento na região oeste do Pará. 

O procurador fez questão de pontuar sobre as consequências da hidrelétrica de Belo Monte, que barrou o Rio Xingu, comprometendo sua vazão e a qualidade da água, além de interferir na reprodução de peixes. Esses recursos são fundamentais para a reprodução da vida das populações indígenas e ribeirinhas que deles dependem.

Segundo o documento, a Amazônia foi transformada em uma “zona de sacrifício global”, ou seja, um local onde a morte e a destruição são permitidas, conforme explica a professora e pesquisadora Edna Castro, diretora do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA).

Castro e outros pesquisadores latino-americanos têm formulado e discutido essa categoria sociológica chamada de “zona de sacrifício”, aplicada ao contexto dos grandes empreendimentos e do modelo econômico desenvolvimentista que desde a década de 1960 influencia as tomadas de decisões dos governos na América Latina. 

“A exemplo da mineração, as empresas estabelecem formalmente, em seus estudos de risco, quantos quilômetros e quantas comunidades poderão ser devastadas por suas operações. Eles sabem a quem e ao que eles podem matar. São crimes que se acumulam contra a humanidade e contra a natureza”, define a professora.

Segundo ela, este é um cenário que tem evoluído na Amazônia e nos países conectados ao bioma. “Essa também é uma decisão de Estado. É o Estado que permite e avaliza esse tipo de ação criminosa de mineradoras, do agronegócio e de tantos outros projetos de ‘desenvolvimento’”, conclui Edna Castro, fazendo questão de aspear a palavra “desenvolvimento”.

 

Cícero Pedrosa Neto – Repórter multimídia e colaborador da agência Amazônia Real desde 2018. Atua em temas relacionados ao meio-ambiente, impactos socioambientais da mineração, populações quilombolas, populações indígenas e conflitos agrários. É fotógrafo, documentarista, roteirista, podcaster e mestrando em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Pará. (pedrosaneto@amazoniareal.com.br). Matéria publicada originalmente no site Amazônia Real https://amazoniareal.com.br/tribunal-internacional-direitos-natureza/.

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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