Nota sobre o novo Ministro da Educação

NOTA SOBRE A INDICAÇÃO DO NOVO MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Por Aloizio Mercadante

Desempenhei muitas funções na vida pública, mas seguramente a mais nobre e gratificante, a mais complexa e desafiadora, foi a de ser ministro da do Brasil. Quero expressar com humildade, mas com franqueza, minhas preocupações com o da educação no governo Bolsonaro.

A escolha do teólogo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez para ocupar o cargo de ministro da Educação causa imensa preocupação na comunidade acadêmica e educacional. Diferente de outros nomes de caráter técnico que vinham sendo ventilados e que foram vetados pela bancada evangélica e conservadora, Rodríguez, apesar de professor com erudição, títulos de mestrado e doutorado e intimidade com escolas militares, representa a opção ideológica religiosa e de ultradireita. Ele parece não possuir qualquer relação ou histórico de formulação, acompanhamento ou contribuição para o MEC, ou sobre a política educacional brasileira e seus imensos desafios.

A primeira grande preocupação é seu alinhado incondicional ao movimento “Escola Sem Partido”, que sob o falso dogma da verdade e da neutralidade desrespeita frontalmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), porque atenta contra o livre exercício do magistério, a liberdade de cátedra e tenta acabar com a pluralidade de ideias na aprendizagem. A escola deve, acima de tudo, ensinar as crianças e jovens a aprenderem a estudar e a pensarem. A censura seguramente não é o melhor caminho. Um movimento que estimula que alunos delatem professoras e professores, não pode ser o futuro da educação. Uma iniciativa que viola o princípio da autonomia didático-científico das universidades, assegurado pelo art. 205 da Constituição, não pode ter amparo legal. As aulas estão protegidas pelo direito autoral e as professoras e os professores não podem ser amordaçados.

Uma segunda grande preocupação é que o futuro ministro do governo Bolsonaro já deu mostras do modelo autoritário e obscurantista que pretende impor ao sistema educacional brasileiro. Simpático da monarquia, regime rechaçado pelo povo brasileiro no plebiscito de 1993, Rodríguez declarou que ““todas as escolas deveriam ter Conselhos de Ética que zelassem pela reta educação moral dos alunos”. E “reta educação” definida por quem? Toda orientação pedagógica do MEC tem sido marcada, historicamente no período democrático, pela pluralidade, diversidade e respeito às opões dos professores e professoras em sala de aula. Todas as iniciativas do MEC respeitam as redes municipais e estaduais e procuraram assegurar a mais ampla liberdade no processo de aprendizagem dos estudantes brasileiros. A escola deve ser um espaço de convivência, de respeito integral aos direitos humanos, que precisa valorizar uma cultura de paz e de respeito ao outro, aberto ao das ideias, procurando dialogar com as mais diversas correntes do pensamento. A convivência educacional deve ser inclusiva, plural, laica, republicana, respeitosa e democrática.

A terceira preocupação é que as declarações iniciais do futuro ministro rompem com um processo histórico iniciado desde a transição democrática de conceber a política educacional como uma política de , na qual cada gestão procura aprimorar, corrigir, agregar, inovar, mas dando continuidade e consolidando os avanços dos períodos anteriores. Ele parece vir para dividir, ideologizar, atacar concepções teóricas, políticas e pedagógica, quando sinaliza que tentará impor de forma autoritária, como ocorreu no período da , uma visão conservadora e fundamentalista na educação.

Ao querer impor os didáticos que deverão ser utilizados por todas as escolas do país, como defende o ‘Escola Sem Partido’, ou rever o debate histórico para que os estudantes celebrem a ditadura militar como sugerem alguns de seus pares, Rodríguez demonstra total desconhecimento sobre o sistema educacional brasileiro. A LDB garante a autonomia administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino, dos estados e municípios, além da autonomia universitária. Assegura também a construção de projetos pedagógicos em que as escolas promovam o debate e a formação crítica de seus estudantes. Ou seja, as professoras e os professores escolhem entre uma série de livros didáticos recomendados pelo Ministério, por comissões formadas por professores e pesquisadores independentes, com base na pluralidade pedagógica, em sintonia com as bases curriculares elaboradas a partir de diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.

A imposição de um debate unicamente ideológico afasta o país do debate real em torno dos imensos desafios da educação.
A quarta preocupação é que o ministro deveria iniciar suas declarações afirmando que sua bússola será o Plano Nacional de Educação, aprovado como lei complementar por todos parlamentares do país em 2014. É um imenso desafio, mas as macrometas e estratégias são as diretrizes fundamentais de uma política de Estado para a educação brasileira, em todos os níveis. Conhecendo e se comprometendo com o PNE, o ministro deveria estar verdadeiramente preocupado com a meta 20, ou seja, com o financiamento público para a educação, da qual dependem quase todas as outras.

Seria importante uma manifestação contra a PEC 95, que impõem um teto declinante para os gastos públicos para os próximos vinte anos, ou ainda, contra o fim do piso constitucional que vinculava as receitas fiscais para a educação, ou pelo menos, contra o desmonte das vinculações dos royalties do petróleo e do fundo social do pre-sal para a educação. Esse posicionamento é indispensável para a aprovação do novo Fundeb, que distribui recursos para os estados e municípios e que terá que ser votado em 2019. Igualmente determinante para a manutenção do piso salarial dos professores, que muitos municípios e estados não cumprem.

O futuro ministro deveria se opor ao fim da política de cotas para as universidades púbicas, defendida por seu candidato a presidente, porque os estudantes das escolas públicas representam 87% das matrículas no ensino médio. O ministro deveria alertar seu presidente que defender o acesso diferenciado nas universidades públicas para as famílias de baixa renda, negros e é indispensável para superar o verdadeiro apartheid educacional que tivemos ao longo da do Brasil. Na nossa perspectiva, o ministro deveria ter como absoluta prioridade a valorização e aprimoramento da formação inicial e continuada das professoras e dos professores e ter como eixo estruturante de todas as ações a melhoria da qualidade da educação brasileira, das creches à pós-graduação. Deveria estar estudando como aprimorar o processo de alfabetização e fortalecer o Pacto Nacional pela Alfabetização. Deveria se debruçar sobre os imensos desafios de melhorar o desempenho dos estudantes no Ideb, no Pisa e no Sinaes, um sistema avançado de avaliação de desempenho. Resgatar o Pronatec e fortalecer a educação técnica e profissionalizante. O ministro deveria estar defendendo o Enem, que foi a grande porta de oportunidades para o acesso dos estudantes da escola pública ao Fies, ao Prouni, às Cotas e às Universidades Públicas.

O problema da educação brasileira não é reforçar o preconceito e estimular a discriminação aos diferentes, não está em tentar impor uma ideologia aos professores e estudantes, qualquer que ela seja, mas fortalecer a democracia nas escolas e uma cultura de aprendizagem, valorizando os professores e professoras. O trabalho do MEC está em aprimorar as políticas de inclusão, de acesso, de permanência e, principalmente e acima de tudo, trabalhar incansavelmente pela melhoria de qualidade da educação brasileira.

Futuro ministro, uma humilde sugestão, ponha os pés no chão das salas de aula, conheça a realidade das escolas e suas dificuldades, converse e dialogue com os diretores e diretoras, com as professoras e professores, com todo tipo de estudantes, inclusive as pessoas LGBTS+, porque elas também estudam, muitas vezes sofrendo bullying e discriminações. Ministro esteja aberto e conheça o dia a dia da escola, porque com todas as limitações e desafios, todos podem aprender, inclusive os ministros, e falo por conhecimento próprio. E na educação, não seria melhor: “respeito acima de tudo e democracia acima de todos”?

 

Aloizio Mercadante é ex-ministro da Educação. 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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