Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.
Cidades inviáveis

Cidades inviáveis

Cidades inviáveis

Petrópolis segue contando cadáveres: 204 mortos e 54 desaparecidos. Grande parte soterrada pelo derretimento de encostas. Em seis horas, desabaram 260 mm de chuva, mais do que a média para todo o mês de fevereiro, provocando a maior catástrofe da sua história…

Por Márcio Santilli/via Mídia Ninja

Será impossível esquecer a cena das pessoas cavando a lama e os destroços trazidos pelas avalanches com as próprias mãos, à procura de uma esperança de vida, ou, pelo menos, dos corpos dos seus entes queridos.

Tecnicamente, ocorre uma “zona de convergência do Atlântico Sul”, um corredor de umidade da até o oceano. Os cientistas apontam, há tempos, que a concentração de chuvas em curtos períodos é uma das consequências das globais. Quem paga o pato são os que vivem em áreas de risco, mas toda a cidade chora.

Quantas vezes você ouviu notícias sobre cidades destruídas pelas chuvas só neste verão? Ilhéus e todo o sul da Bahia, Minas Gerais inteira, litoral do Espírito Santo, Franco da Rocha a Grande São Paulo… Onde será a próxima tragédia?

É bem provável que o impacto do grande volume de água teria sido menor caso as bacias hidrográficas atingidas estivessem mais florestadas, especialmente nas áreas mais próximas aos cursos d’água. No entanto, a sucessão de catástrofes demonstra que as normas de proteção, que vêm sendo descumpridas e duramente afetadas por sucessivas alterações, são insuficientes para proteger as cidades e suas populações.

Na contramão

Não se trata de complacência diante da tragédia, mas de atuação persistente no sentido de agravar a situação. Por exemplo, o acaba de promulgar uma alteração no Código Florestal – a quarta após a sua reforma em 2015 – para excluir da sua aplicação os remanescentes florestais e áreas de em zonas urbanas, deixando a sua proteção, ou destruição, a cargo dos planos diretores dos municípios – mais sujeitos às pressões do setor imobiliário. Essa medida representa uma ampla anistia a ocupações irregulares e um forte estímulo ao agravamento da ocupação de encostas e beiras de rios, potencializando futuras tragédias.

Apesar do aumento do e das florestais na Amazônia e em outros biomas, a bancada ruralista aprovou, na Câmara dos Deputados, vários projetos de lei que, se também passarem no Senado, vão agravar o problema, como o incentivo à grilagem de extensões ainda maiores de terras públicas e a redução dos processos de licenciamento ambiental de obras e projetos econômicos a procedimentos meramente declaratórios e burocráticos. Esses retrocessos legislativos estão na boca da caçapa e, nem mesmo a evidência de que vão piorar os problemas climáticos e os desgastes políticos do país pode conter a sanha devastadora do governo e dos representantes dos grandes proprietários de terras.

Como se não bastasse, os mesmos grupos políticos querem aprovar uma emenda à para transferir para os municípios os “terrenos de Marinha”, aqueles situados ao longo do litoral, nas ilhas, manguezais, margens de rios federais, veredas e igapós. Da mesma forma, os planos diretores poderiam dispor dessas áreas para regularizar ocupações ilegais e favorecer novas edificações. A comprovação científica de que o aumenta o nível dos oceanos, a potência das ressacas, os ciclones e os riscos de inundação não é considerada.

São os interesses da especulação imobiliária que estão dando as cartas na administração pública, determinando os investimentos, multiplicando lucros imediatos, empurrando os pobres para áreas de risco e transferindo os custos humanos e materiais das tragédias para o conjunto da população. Não é preciso ser profeta, nem fazer doutorado, para saber que estamos transformando as cidades em verdadeiros infernos.

Adaptação e reurbanização

Sugiro o óbvio: que o governo federal disponha de um robusto Programa de Adaptação Urbana, para viabilizar projetos e investimentos no replanejamento das cidades brasileiras, a partir de prioridades definidas por critérios de avaliação de riscos compatíveis com o cenário das mudanças climáticas. E que, ao mesmo , constitua um sistema nacional de defesa civil, com gente, equipamento, treinamento e mobilidade para antecipar ou responder rapidamente às ocorrências climáticas extremas.

Sugiro, ainda, que o Congresso Nacional considere alterar a Constituição para um fim mais nobre e urgente: possibilitar a indenização, através de títulos públicos, para as áreas urbanas, ou rurais, cuja desapropriação seja necessária para reassentar pessoas e realocar empreendimentos situados em áreas de risco, segundo este programa.

É evidente que essas sugestões dependem da existência de um governo efetivo, que hoje não temos. Ainda bem que vêm aí eleições gerais. E também é evidente – haja vista as atuais prioridades das bancadas predatórias – que só uma forte campanha pública poderia construir uma correlação de forças favorável no Congresso para uma emenda nesse sentido. Subordinar a especulação imobiliária à necessidade de sobrevivência da população diante das ameaças climáticas é um objetivo central dos novos tempos em que vivemos.

O custo da execução de um tal programa seria enorme. Porém, não seria – nem de longe – comparável com o custo atual e futuro das tragédias em curso. Mas a gradação das prioridades de investimento e o recurso aos títulos públicos permitiria distribuir esse custo no tempo, enquanto as cidades se adaptam aos desafios do .

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA