Árvore: um poema de Manoel de Barros

Atualizada:

Árvore

Um poema de Manoel de Barros

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.

Manoel de Barros BARROS, M. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
 

Biografia de Manoel de Barros

Por Dilva Frazão/EBiografia

Manoel Wenceslau Leite de Barros (1916-2014) nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1916. Estudou em colégio interno em Campo Grande. Publicou seu primeiro livro de poesias, “Poemas Concebidos Sem Pecados”, em 1937. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou bacharel em Direito, em 1941.

Manoel de Barros foi um poeta espontâneo, um tanto primitivo, que extraía seus versos da realidade imediata que o cercava, sobretudo a natureza. Mostrava-se distante do rótulo de “Jeca Tatu do Pantanal”, que lhe tentaram impingir. Na verdade, ele tinha uma formação cosmopolita, pois viveu no Rio de Janeiro, viajou para a Bolívia e o Peru, conheceu Nova York e era familiarizado com a poesia modernista francesa.

A partir de 1960 passou a se dedicar a sua fazenda no pantanal, onde criava gado. Sua consagração como poeta se deu ao longo das décadas de 1980 e 1990. Recebeu o Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, pela obra “O Guardador de Águas”.

 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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