As coisas acontecem
De quê viver?
O que sentir?
O que fazer?
Por Eduardo Meirelles
Do que viver quando seus planos falharam?
Ou pior!
O que fazer quando eles deram certo?
O que sentir quando você está completo, ou quando ainda falta algo?
O que fazer? seguir? viver? sentir?
E se nada for como a gente pensa que é.
E se tudo for, simplesmente, o que tem que ser, e percebemos que não somos os diretores ou roteiristas do nosso espetáculo do viver.
E se formos apenas (quando muito) protagonistas, (quando menos), coadjuvantes, de um espetáculo que surge ao acaso.
E se o acaso for fruto de casos (ou descasos) que causamos a nós?
Por sorte, ou azar, as coisas acontecem.
Toda ação tem um retorno?
Haveria de fato uma lei do retorno?
Quem tem boca vai a Roma.
Você sabe o que fazer quando chegar em Roma?
Ou seria o percurso a melhor parte do trajeto?
Nesse caso, quem tem boca, vaia Roma?
Será que chegamos, de fato, em nosso destino, ou o que vemos são apenas mirações de oásis quando estamos no delírio de sede e sol no deserto?
E se crescer for se domesticar?
Se domesticar e controlar seus instintos selvagens para fazer parte do jogo.
Mas o que fazer quando se é um bicho solto?
Ir embora?
a vida é uma aberração
causada pelo absurdo das distâncias
e abstratos são seus contornos
(nenhuma luz está perto
porque toda luz está dentro)
agora pagamos o preço, e com muito gosto.
Foto de capa: Reprodução/Instagram/@susanocorreia
https://xapuri.info/e-quando-falha-a-memoria/
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!