Em 1 de abril de 1964, militares depuseram um presidente eleito democraticamente para proteger os interesses da elite econômica, com resultados desastrosos. A história não perdoa

Por Revista Focus Brasil 

Na manhã de 31 de março de 1964, um obscuro comandante de Infantaria em Minas Gerais botou a tropa em marcha para percorrer os quilômetros entre  a cidade de Juiz de Fora e o Rio de Janeiro. O gesto do general Olímpio Mourão Filho precipitou a adesão de outros chefes militares ao que ficou conhecido como Golpe Militar de 1964 e resultou numa longa noite de mais de duas décadas de terror, arbítrio e exceção.

Ainda neste mesmo dia de março, o general Arthur da Costa e Silva declarou-se ministro da Guerra (Exército). O que os militares então chamavam com o nome de “revolução”, nome que perdurou como justificativa e desculpa para os golpistas, nada mais era do que uma conspiração urdida pela elite militar e econômica para impedir, sobretudo, que o então presidente João Goulart implantasse uma série de medidas, as chamadas Reformas de Base, que procuravam atender reivindicações de trabalhadores urbanos e rurais.  

No ano de 1964, a sociedade brasileira estava, como se diz hoje, extremamente “polarizada”. De um lado, o governo de Jango, do Partido Trabalhista Brasileiro, que tendia a ampliar os direitos estabelecidos no governo de Getúlio Vargas, e demais partidos de centro-esquerda, com as centrais sindicais e governadores progressistas, como Miguel Arraes, de Pernambuco, e Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul.  De outro, a oposição, representada no Congresso pela União Democrática Nacional e pelos setores mais conservadores das oligarquias, sobretudo as do Sudeste, que tinham apoio das Forças Armadas.

O clima político foi subindo de tom ao longo de todo o mês de março. Jango seguia radicalizando a trilha nacionalista, criando a Eletrobrás, primeira estatal para geração e distribuição de energia elétrica, e restringindo a remessa de lucros de empresas estrangeiras para o exterior. Em 13 de março de 1964, no Comício da Central do Brasil, ao qual estima-se que compareceram 300 mil pessoas, ele assina decretos de encampação de refinarias, tabelamento de aluguéis e desapropriação das margens de rodovias para a reforma agrária. O troco da oposição foi a organização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na qual senhoras e senhores católicos foram às ruas de São Paulo pedir a deposição do governo “comunista”. Qualquer semelhança com os anos bolsonaristas não será mera coincidência. 

Em 25 de março, o ministro da Marinha, na tentativa de reprimir a realização de uma assembleia de marinheiros e fuzileiros navais, criou um motim. A tropa de fuzileiros que foi destacada para ir prender os líderes da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros acabou aderindo aos colegas rebelados. Jango anistiou os marinheiros, o que foi considerado quebra de hierarquia militar.

A tensão do então presidente com as Forças Armadas atingiu seu ápice na noite de 30 de março, antevéspera do golpe, quando Jango, querendo angariar apoio entre oficiais de baixa patente, denunciou as articulações golpistas em discurso na Associação dos Sargentos e Suboficiais da Guanabara (como então chamava-se o estado do Rio de Janeiro).

Quando, no dia seguinte, os generais do Exército começaram a se movimentar, o golpe militar já estava francamente em curso e só faltava o epílogo institucional, que veio na forma da declaração falsa de que a Presidência da República estaria vaga, pois o presidente já teria fugido do país. O arroubo golpista foi então presidente do Senado, Auro Moura Andrade. Tancredo Neves, que acompanhava a sessão, esbravejou: “Canalha”. Jango, de fato, acabou indo exilar-se no Uruguai.

A repressão aos movimentos populares começou logo em abril de 1964. Prisões arbitrárias, violência à luz do dia, como a sofrida pelo líder comunista e ex-deputado Gregório Bezerra. Ele foi amarrado a um jipe do exército e arrastado pelas ruas do Recife. Houve ainda a perseguição à imprensa livre, aos sindicalistas e militantes de esquerda. Esses ou entraram na clandestinidade ou partiram para o exílio. Políticos progressistas e ligados ao governo de João Goulart buscaram asilo em embaixadas.

Em 9 de abril, os ministros militares se auto intitularam o Comando Supremo da Revolução e editaram o primeiro dos vários atos institucionais, que instalaram a exceção e permitiram a quebra da democracia. O Ato Institucional Nº 1 suspendeu as garantias constitucionais, determinou a eleição indireta via Congresso  do presidente para completar o mandato de João Goulart (até janeiro de 1966) e poderes para mudar a Constituição. Junto com o AI-1, a primeira e vasta lista de cidadãos oficialmente perseguidos pelo governo militar. Parlamentares, militares “legalistas”, sindicalistas e intelectuais tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos.

As cassações manietaram o Congresso, que entregou a Presidência ao general Castelo Branco no dia 15 de abril de 1964. Outros atos institucionais viriam logo em seguida, um deles para quebrar a promessa do AI-1 de novas eleições em 1965 — Castelo Branco ficaria no poder até 1967. Sob o governo de seu sucessor, Emílio Garrastazu Médici, armou-se a fase mais violenta do regime, com a decretação do AI-5 em 1968 e a organização do aparato repressivo, que prendeu, torturou, assassinou e fez desaparecer milhares de brasileiros.

A Ditadura Militar instaurada em 1964 só veria as primeiras luzes da democracia 21 anos depois, quando Tancredo Neves, do partido de oposição consentida, o MDB, foi eleito indiretamente. Tancredo nunca assumiria, pois morreu antes da posse. Em seu lugar, o vice José Sarney tornou-se presidente. O prego final no caixão da ditadura institucional só viria com as eleições diretas em 1989 e com o fim do bipartidarismo.

A sociedade civil demoraria ainda a se recuperar do golpe. Além do rastro de sangue da repressão política — centenas de milhares de pessoas foram presas, dezenas de milhares torturadas,  mais de 400 brasileiros foram mortos, dos quais muitos deles são considerados desaparecidos até hoje —, o golpe deixou os ricos mais ricos, e os pobres mais pobres, aumentando a desigualdade histórica. A cultura, as artes, a ciência sofreram censura explícita e velada. Direitos de reunião, manifestação, de associação e de expressão foram suprimidos, atrasando os processos políticos populares por anos.

No entanto, a população brasileira resistiu como pode aos anos da ditadura e não ficou calada. A reconquista das liberdades democráticas e dos direitos tomados do povo foi fruto de muita luta, muita reinvenção política e, sobretudo, da consciência de que a democracia é uma construção coletiva e permanente.