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Pequi: o fruto do amor de Tainá-Racan e Maluá

Pequi: o fruto do amor de Tainá-Racan e Maluá 

Conta uma lenda indígena que Tainá-Racan era uma linda jovem indígena da Amazônia brasileira. Tinha os olhos cor de noite estrelada e seus cabelos eram como fios de seda negra. O andar, elegante como o de uma deusa passeando por entre as flores.

Por Laurenice Noleto Alves 

Um jovem e formoso guerreiro de uma aldeia vizinha – Maluá -, assim que a viu, sentiu forte fogo no corpo e o coração saltando no peito: “Ela é linda como a estrela da manhã. Hei de amá-la enquanto durar a minha vida!”. Pouco tempo depois, estavam casados.

A vida deles era bela e alegre como o ipê florido. Todas as manhãs, Maluá saía para caçar e pescar, enquanto Tainá-Racan sentava-se na porta de sua oca, tecendo colares e esteiras, moqueando o peixe e preparando o calugi, para ofertar ao seu amado, quando voltasse.

Ao seu lado, sempre se deitava um jacaré, lhe fazendo companhia e conversando, pois, nessa época, os bichos também falavam.

O tempo foi passando…. Caíram as flores. Os cajueiros arcaram de fartura e beleza seus galhos com frutos vermelhos. As castanhas escondiam-se no seio da terra boa. As cigarras enchiam as matas com sua forte sinfonia.

Após três anos de casamento, numa noite bonita, deitados numa pedra grande à beira do rio calmo, Maluá encostou a cabeça no peito de Tainá-Racan e apertou-a com ternura.

– Está triste, amado meu?

– Sim. Você sabe que eu estou triste e você também está. Nossa dor é a mesma.

– Onde está nosso filho, que Cananxiué não quer mandar? – disse Tainá-racan.

Maluá alisou com carinho o ventre da formosa esposa, dizendo: “E o nosso filho não vem”, murmurou.

Dois pequeninos rios de lágrimas deslizaram pelas faces coradas de Tainá-Racan. Um vento forte fez balançar as árvores da floresta e arrepiou as águas do rio. Uma nuvem escura cobriu a lua. Trovões reboaram ao longe. Maluá abraçou Tainá-racan e amou-a.

– Nosso filho virá, sim. Cananxiué também o quer – disse ele.

Luas depois, quando os ipês voltaram a florir, numa madrugada alegre, nasceu Uadi, o Arco-Íris. Era lindo, gordinho, tinha os olhos cor de noite estrelada, como os da mãe, e era forte como o pai.

Mas havia nele algo diferente, que espantou o pai, a mãe, a aldeia inteira: Uadi tinha os cabelos dourados como as flores do ipê amarelo.

Ainda assim, Maluá recebeu o nascimento do filho com alegria. E, para explicar a sua diferença, espalhou pela aldeia que Uadi era filho de Cananxiué.

Mas os próprios índios de sua aldeia zombavam-no, dizendo que Uadi era filho do jacaré.

Alheio às piadas maldosas, o menino crescia cheio de encanto, alegria, e com uma inteligência incomum. Fascinava a mãe, o pai, a aldeia toda.

Com rapidez incrível, aprendeu o nome das coisas e dos bichos. Com sua mãe, aprendeu a cantar as baladas tristes e alegres de seu povo. Era a alegria da aldeia.

Um dia, Maluá, com outros guerreiros, foi chamado para uma guerra. Os olhos pretos de Tainá-Racan encheram-se de lágrimas. O rostinho alegre de Uadi se entristeceu.

À despedida, seus bracinhos agarram-se ao pescoço do pai, e ele falou: “Papai, também estou indo embora. Vou pra casa de minha mãe, lá no céu”. E, com o dedinho, apontou para o alto.

O corpo do guerreiro se estremeceu. Seus lábios moveram-se, mas as palavras não saíam. Ele apertou o menino nos braços, com força, e, por fim, falou: “Que é isso, filhinho, você não vai a lugar nenhum. Ninguém arrancará você de mim. A sua casa é aqui na Terra. Se for preciso, não partirei para a guerra. Ficarei com vocês”.

Nesse momento, Cananxuié, o senhor de todas as matas, de todos os animais, de todos os montes, de todas as águas e de todas as flores, desceu do céu sob a forma de Andrerura – a arara vermelha – e gritou um grito forte: “Vim buscar meu filho!”, e o agarrou e o levou pelos ares.

Tainá-Racan e Maluá caíram de joelhos. O guerreiro abriu os braços gritando: “O filho é nosso, sua casa é a de sua mãe, Tainá-racan, aqui na Terra!

Devolve meu filho!” O grito de Maluá ecoou pela mata, ferindo de dor o silêncio. O peito do guerreiro sofria como uma aroeira ferida pelo machado.

O velho chefe guerreiro aproximou-se, bateu-lhe no ombro e bradou: “Maior que sua dor é sua honra de guerreiro e a glória de nossa aldeia! Cananxiué buscou o que você disse que era dele. Muitos outros filhos ele vai lhe dar. Tainá-racan é jovem. Você é jovem. Vai, guerreiro, não deixe a dor matar sua coragem!”

Maluá partiu. Tainá-Racan chorou três dias e três noites na sua oca. E o jacaré, seu amigo, que veio da mata ao escutar os seus gritos de dor, ficava deitado à sua porta, dia e noite, tomando conta dela.

Uma noite, o jacaré implorou a Cananxiué que tivesse piedade dela, prometendo ir embora para sempre, nunca mais falar com os humanos e morar somente nas margens dos rios, se a fizesse novamente feliz.

Ouvindo-o, Cananxiué tomou novamente o corpo de uma arara vermelha e voltou à Terra, dizendo a Tainá-Racan:

Das suas lágrimas nascerá uma planta, que crescerá como uma árvore copada. Ela dará flores cheirosas que as pacas, veados, capivaras e os lobos virão comer nas noites de luar.

Depois, nascerão frutos. Dentro da casca verde, os frutos serão dourados como os cabelos de Uadi. Mas a semente será cheia de espinhos, como os espinhos da dor de seu coração de mãe.

Seu aroma será tão tentador e inesquecível, como você o será sempre para o seu amigo jacaré. E aquele que o provar, jamais o esquecerá.

Tainá-racan ergue o olhar e lhe pergunta:

– Cananxiué, meu deus, e como se chamará esse fruto, cujo coração são os espinhos de minha dor, cuja cor são os cabelos de ouro de Uadi e cujo aroma é inesquecível como o cheiro dessa mata, onde brinquei com o jacaré e meu filhinho?

– Chamar-se-á Tamauó, minha filha.

Tainá-racan sorriu. E imediatamente viu nascer uma planta, que chamou de Tamauó. A mesma que os indígenas Mehinako, do Xingu, conhecem como Akain; e que os homens brancos, do Norte, Nordeste e Centro-Oeste chamam de Pequi.

E, quando Maluá voltou, encontrou uma linda, grande e frondosa árvore, cheia de frutos, chamada de pequizeiro. Ele pegou alguns no chão, partiu, tirou os caroços dourados e os comeu, com farinha, junto com Tainá-Racan. E depois, se amaram muito, ali mesmo à sombra do pequizeiro.

Assim foi que, durante muitos anos a seguir, sempre que os ipês e os cajueiros voltavam a florir nas matas e os pequizeiros também deixavam seus frutos maduros cair na terra, servindo de alimento para todos, Tainá-Racan e Maluá eram abençoados com mais filhos. E, a cada filho que nascia, plantavam mais um pequizeiro. E eles tiveram muitos filhos. E viveram felizes para sempre.

O FRUTO DO AMOR

Ainda hoje, muitos indígenas plantam mudas de pequizeiros ao nascimento de cada bebê; e fazem também grande festa na época da colheita dos frutos – Mapulawache, a Festa do Pequi, cheia de brincadeiras provocativas e que despertam a sexualidade entre jovens indígenas, homens e mulheres. E, muito alegres e brincalhões, dizem que o cheiro do pequi lembra o sexo das mulheres indígenas, por isso, quem os come, se enche de amor e tem muitos filhos.

Mantendo a tradição da lenda indígena, também os jovens brancos que moram nos sertões goiano e tocantinense gostam de passear nas matas do Cerrado, depois que começam as chuvas, levando uma cuia com farinha, pra comer com o pequi maduro que colhem do chão, dizendo que, se o fruto for tirado ainda verde, fica amargo. E, nove meses depois, muitas crianças nascem no sertão, criando uma nova lenda do poder afrodisíaco do fruto do amor.

Laurenice Noleto – Escritora e Jornalista. Texto adaptado com base no conto “Os Frutos Dourados do Pequizeiro”, de Marieta Teles Machado, Editora UCG, 1986; no filme Mapulawache: Festa do Pequi, dirigido pelo indígena xinguano Aiuruá; nas lendas dos índios Mehinako, do Alto Xingu; e nos costumes e lendas dos povos do Cerrado. matéria publicada originalmente em 23 de novembro de 2021.

pequi-chico-santannaFoto: Chico Sant´Anna

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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Maria

Pelo poder de São Cipriano que (nome de uma pessoa) possa se afastar de (nome de outra pessoa) definitivamente.

Que (nome de uma pessoa) não queira mais vê-lo(a), falar com ele(a), e que (nome de uma pessoa) sinta nojo de (nome de outra pessoa) e não queira mais vê-la(o), e que nenhum mais queira saber um do outro.

Que se odeiem para sempre, que (nome de uma pessoa) não freqüente mais a casa nem procure ninguém mais da família de (nome de outra pessoa).

Que os dois não consigam mais nem se falarem pro resto da vida e que nada nem ninguém faça eles reatarem essa(e) amizade/namoro/casamento.

São Cipriano, confio nos seus poderes e divulgo 4 vezes para que os dois comecem a brigar agora. Tenho muita fé que o mais rápido possível meu pedido vai ser atendido.

Que (nome de uma pessoa) comece odiar (nome de outra pessoa) agora mesmo. Que se odeiem para sempre. Desde já agradeço.

Maria

Pelo poder de São Cipriano que (nome de uma pessoa) possa se afastar de (nome de outra pessoa) definitivamente.

Que (nome de uma pessoa) não queira mais vê-lo(a), falar com ele(a), e que (nome de uma pessoa) sinta nojo de (nome de outra pessoa) e não queira mais vê-la(o), e que nenhum mais queira saber um do outro.

Que se odeiem para sempre, que (nome de uma pessoa) não freqüente mais a casa nem procure ninguém mais da família de (nome de outra pessoa
Que os dois não consigam mais nem se falarem pro resto da vida e que nada nem ninguém faça eles reatarem essa(e) amizade/namoro/casamento.

São Cipriano, confio nos seus poderes e divulgo 4 vezes para que os dois comecem a brigar agora. Tenho muita fé que o mais rápido possível meu pedido vai ser atendido.

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