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Agrotóxicos: Tem veneno na água que a gente bebe

Agrotóxicos: Tem veneno na água que a gente bebe

O sistema nacional de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de substâncias nocivas

Por Richard Pearshouse e João Guilherme Bieber 

No mês passado, visitamos uma pequena comunidade rural no norte do Brasil para ver como os agrotóxicos afetam as pessoas no campo. O Brasil, uma potência em agricultura industrial, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Culturas como a de soja, de milho, de algodão e de cana-de-açúcar são cultivadas com enormes quantidades de agrotóxicos: cerca de 400 mil toneladas por ano. Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 4 são proibidos na Europa, indicando quão prejudiciais são considerados para alguns padrões.

Moradores que conhecemos temem os danos que podem decorrer dos agrotóxicos e a retaliação que podem sofrer caso denunciem essa situação. Pediram-nos inclusive para não publicar o nome da comunidade – disseram que um fazendeiro, dono da plantação nas redondezas, havia ameaçado um membro da comunidade por organizar um abaixo-assinado pela redução da pulverização de agrotóxicos. A plantação do fazendeiro alcança casas, seus pequenos jardins e um pequeno campo de ; e a área termina a apenas cinco metros do poço utilizado pela comunidade para obter água potável.

O responsável por manter o poço nos contou que estava preocupado com a possibilidade de que os agrotóxicos pulverizados nas plantações de soja afetem o abastecimento de água da comunidade. Ele não sabe se sua preocupação é fundada, porque o governo não fez testes com a água desde que o poço foi instalado há três anos. “Estamos preocupados com a pulverização de agrotóxicos, mas também nos preocupamos com as ameaças, por isso não queremos falar muito sobre isso”, ele disse com um riso sem jeito. “Isso é o que enfrentamos aqui”.

Hoje é o Dia Mundial da Água. Água potável segura é um direito humano, incluindo o direito das pessoas saberem o que tem na água que estão bebendo. Sabemos que os resíduos de agrotóxicos podem escoar com a água da chuva pela superfície e atingir aquíferos que são muitas vezes fonte de água potável.

Alguns países testam regularmente o abastecimento de água potável para verificar a presença de agrotóxicos e disponibilizam os resultados para a população. No , na prática, isso não ocorre. Fizemos um pedido com base na lei de acesso à para obter os resultados dos testes nacionais de resíduos de agrotóxicos na água potável realizados entre 2014 a 2017. Descobrimos que, apesar das obrigações legais, sistemas de abastecimento de água raramente são testados.

Por lei, os fornecedores de água – sejam eles empresas estatais, privadas ou governos municipais – são responsáveis por testar 27 agrotóxicos específicos, a cada seis meses, nos sistemas de água que gerenciam e devem relatar esses resultados ao governo federal. Mas, a cada ano, uma média de 67% dos municípios em todo o país não envia nenhuma informação ao governo federal – e isso em um país que é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do . O governo federal não tem ideia de quão contaminada pode estar a água potável no Brasil, ou mesmo sobre os males que pode estar causando a sua população.

Mesmo nos municípios que enviam as informações, a maioria dos testes está incompleta. Dos resultados apresentados em 2014, apenas 18% refletiam testes completos, realizados duas vezes por ano para detectar todos os 27 agrotóxicos, conforme exigido por lei.

Simplificando: o sistema brasileiro de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de perigosos agrotóxicos.

Mesmo com este sistema mal estruturado, as autoridades brasileiras conseguem identificar alguns municípios onde a água potável contém resíduos de agrotóxicos acima dos limites legais. Na verdade, 15% do pequeno número de municípios que apresentaram os resultados dos testes durante este período de quatro anos encontraram pelo menos uma substância acima do limite legal.

Que tipo de substâncias são encontradas? Os agrotóxicos mais comuns não têm nomes muito conhecidos – aldrin, dieldrina, clordano e endrina –, mas todos são danosos à saúde humana. Essa vasta gama de inseticidas foi banida no Brasil na década de 1990, mas são tão persistentes que aparecem na água potável mesmo depois de décadas.

Quem se preocupa com o que está na água conta com poucas opções. Sem um sistema de teste abrangente, a melhor informação vem de estudos acadêmicos. Em 2016, pesquisadores publicaram o primeiro levantamento nacional brasileiro de contaminantes emergentes na água potável. Depois de cafeína – substância que indica a existência de esgoto não tratado –, o segundo contaminante mais comumente encontrado na água foi o herbicida atrazina, presente em 75% das amostras de todo o país.

A atrazina é legalmente permitida no Brasil. Seus níveis residuais na água estavam bem abaixo do limite legal, mas estudos recentes em animais mostram que, mesmo em baixas doses durante longos períodos, a atrazina pode ser um disruptor endócrino, interferindo nas funções reprodutiva, neural e de imunidade.

Pesquisadores detectaram a atrazina acima do limite permitido na água potável em dois municípios rurais no de Mato Grosso – Lucas do Rio Verde e Campo Verde. E o carbofurano, outro componente químico perigoso para a saúde humana, foi encontrado acima dos níveis permitidos em amostras de poços de água em Quitéria, uma área rural perto de Rio Grande, uma cidade no sul do país.

O que tudo isso significa? O Brasil usa grandes quantidades de agrotóxicos que comprometem o meio ambiente de seus cidadãos, e as autoridades têm fracassado em garantir que o abastecimento de água potável não esteja contaminado com níveis prejudiciais desses agrotóxicos. E isso é perigoso. O Brasil precisa adotar um sistema de monitoramento eficaz de água potável para garantir que seu abastecimento seja devidamente testado contra agrotóxicos e que os resultados sejam disponibilizados ao público.

 Publicado originalmente no brasil.elpais.com – Por RICHARD PEARSHOUSE E JOÃO GUILHERME BIEBER


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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