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Carlos Marighella: comunista e poeta de todas as horas

Carlos Marighella: comunista e poeta de todas as horas

Carlos Marighella: comunista e poeta de todas as horas, reúne textos, poemas e fotos de Carlos Marighella sobre as prisões que sofreu por motivação política nos anos de 1932, 1936, 1939 e 1964. 

Por Gilney VianaIara Xavier Pereira

São textos de Marighella denunciando arbitrariedades, torturas e violações aos direitos humanos e responsabilizando os regimes políticos que as produziram, particularmente, a ditadura de Getúlio Vargas nos anos 1930 e 1940 e a ditadura militar instalada com o golpe de 1º de abril de 1964.

Carlos Marighella iniciou sua militância política quando estudante do Ginásio da Bahia, em Salvador, onde concluiu o curso em 1929 e continuou estudando para se bacharelar como professor do ensino ginasial em março de 1931. No ginásio, ficou conhecido como ativista
cultural e poeta, rebelde diante dos costumes conservadores e contestador da ordem vigente. Sua militância libertária vai ser enriquecida nas lides universitárias da Escola Politécnica da Bahia, onde se propunha estudar engenharia desde abril de 1931.

Em 1932 sofre sua primeira prisão em manifestação contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas e a seguir filia-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Sua vida, a partir de 1934, será determinada pela evolução da conjuntura política, pela orientação do partido e finalmente, pela sua capacidade intelectual e disposição de lutar pela utopia da revolução socialista. Perseguido pela direção da Escola Politécnica, que lhe valeu suspensão,

Viveu a primeira onda repressiva desencadeada pelo regime varguista contra os comunistas após o fracasso do levante militar da Aliança Nacional Libertadora (ANL) que tentou a tomada do poder, ao final de 1935. Sofreu a sua segunda prisão, em 1936, no Rio de Janeiro. Libertado em 1937, foi deslocado pelo PCB para São Paulo, onde foi preso em 1939, atingido pela  segunda onda repressiva liderada pela ditadura varguista sob o pretexto de se defender de uma tentativa de golpe dos comunistas.

Condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) a 2 anos e 6 meses de reclusão em 25 de agosto de 1937 e a 5 anos, em 06 de março de 1940, totalizando uma pena de 7 anos e 6 meses dos quais cumpriu 7 anos, 1 mês e 20 dias. Durante sua longa vida de preso político durante a ditadura varguista, Marighella permaneceu quase seis anos em presídios nas ilhas de Fernando deNoronha no meio do Oceano Atlântico e da Ilha Grande,na zona costeira do estado do Rio de Janeiro, de onde foi libertado, juntamente com todos os presos políticos,
com a anistia política de 18 de abril de 1945.

Em ambiente de liberdades democráticas, com seus dirigentes e militantes livres das prisões ou da clandestinidade, o PCB emergiu com força nas ruas, sindicatos de trabalhadores, movimentos populares e universidades. Nas eleições à Assembleia Nacional Constituinte
de 1946 elegeu quatorze deputados federais e um senador; e mais três deputados federais comunistas nas eleições suplementares de 19 de janeiro de 1947, por outras legendas. O ambiente nacional tinha se tornado mais favorável às ideias comunistas em função do papel principal desempenhado pela União Soviética na derrota da Alemanha nazista e do reconhecimento popular pela firme oposição do PCB à ditadura Vargas, tendo à frente Luís Carlos Prestes que era ao mesmo tempo quadro dirigente e forte liderança política de massa.

O período da legalidade do PCB foi curto e importante para a vida política de Carlos Marighella que passou rapidamente de preso político a deputado federal; e para sua vida pessoal ao sair da reclusão forçada para uma vida social aberta, como não tivera antes. Dado o foco
deste livro, vale ressaltar que sua condição de deputado lhe possibilitou um acerto de contas com o passado,como bem se pode observar nos debates parlamentares com o Deputado Juracy Magalhães (que ordenarasua prisão , quando exercia o cargo de Interventor da Bahia, em 1932) e no seu depoimento à Comissão Especial de Inquérito sobre Atos Delituosos da Ditadura onde denunciou os crimes de lesa-humanidade praticados pela ditadura Vargas Interessante registrar que a proposta de instauração desta única “comissão da verdade” sobre a ditadura varguista foi encabeçada pelo deputado Euclides Figueiredo, ex-preso político de direita, eleito pela UDN e pai do general João Batista Figueiredo que no exercício
da presidência da República durante a ditadura militar, propôs a anistia política de 1979, depois de exercer a função de chefe do Serviço Nacional de Informações(SNI). Essa comissão era um incômodo para o presidente da República general Eurico Gaspar Dutra e vários  deputados, senadores e ministros, remanescentes do regime varguista. Os comunistas se apressaram a fazer seus depoimentos prevendo que a maioria direitista da Câmara dos Deputados logo trataria de encerrá-la, sem apresentar relatório, como de fato aconteceu em fins de 1947.

A democracia dos tempos do general Eurico Gaspar Dutra foi um pouco mais ampla no início, tolerando a existência do Partido Comunista, liberdade de imprensa, atuação de sindicatos dos trabalhadores urbanos e a existência de algumas ligas camponesas, para aos poucos restringir as liberdades democráticas e as garantias individuais, ao ponto do deputado Carlos Marighella caracterizar o governo Dutra como uma nova ditadura.

De repente a disputa geopolítica entre o bloco liderado pelos Estados Unidos e o bloco liderado pela União Soviética degenerou em “guerra fria”, com os Estados Unidos patrocinando uma onda anticomunista internacional que apoiou o golpe branco de 1947-1948 no
Brasil. Começou com a interdição de jornais esquerdistas e de organizações como a União da Juventude Comunista, passou para a fase judicial com a cassação do registro do PCB em 07 de maio de 1947, seguida pela fase parlamentar com a cassação de todos os mandatos eleitos pela legenda do PCB em 07 de janeiro de 1948; e finalmente, pela repressão policial aos sindicatos, ligas camponesas, ligas femininas, movimentos estudantis e intelectuais.

O PCB e seus dirigentes, inclusive Marighella, voltaram à clandestinidade. Em movimento autocrítico, o PCB deu uma guinada à esquerda se propondo a organizar a luta revolucionária das massas e denunciando os governos de Dutra e depois o de Getúlio como subservientes ao imperialismo em sucessivas resoluções de 1948 e 1950, reafirmadas pelo seu IV Congresso em 1954. Contudo em 1955 o PCB apoiou Juscelino Kubitschek, que prometeu e não cumpriu apoiar a sua legalização, mas também não o reprimiu.

A partir de 1958 o PCB dá um giro à direita afirmando o caminho pacífico e a aliança com a burguesia nacional para combater o imperialismo e o latifúndio, linha reafirmada pelo V Congresso do PCB, realizado abertamente na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, em agosto de 1960. Nesta época, o PCB praticava a tática da “legalidade de fato”, com suas sedes funcionando abertamente, geralmente nas sucursais do jornal Novos Rumos, ao tempo em que requereu seu registro alterando sutilmente o nome para Partido Comunista Brasileiro, mas conservando a velha sigla PCB e a denominação vulgar de “Partidão”.

Marighella voltou à atividade pública. Neste período o PCB foi influenciado pelas discussões do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) de fevereiro de 1956, que denunciou os crimes políticos de Stalin, desencadeou o combate ao “culto à personalidade” e afirmou a tese da coexistência pacífica entre os dois sistemas capitalista e socialista. De forma simplificada pode-se dizer que no PCB formou-se uma maioria a favor e uma minoria contrária às decisões do XX Congresso do PCUS. Marighella se identificava com a minoria no que diz respeito a não aceitação da tese do caminho pacífico para a revolução brasileira, mas não a acompanhou quando, depois da exclusão de suas principais lideranças, promoveu a organização do Partido Comunista do Brasil, com a sigla PC do B, em 1962.

Nas eleições gerais de 1960 o povo elegeu Jânio Quadros presidente e João Goulart vice-presidente da República, mostrando equilíbrio de forças entre a corrente trabalhista e a corrente conservadora que disputavam o imaginário popular. Este equilíbrio foi rompido pela renúncia do presidente Jânio em 25 de agosto de 1961 e a subsequente tentativa de golpe militar, barrada pela resistência popular. João Goulart foi empossado na presidência da República no dia 07 de setembro de 1961, inicialmente com poderes limitados pelo parlamentarismo imposto pelos militares e a seguir com plenos poderes presidenciais, restituídos pelo referendo popular de 06 de janeiro de 1963.

Trata-se de um período de acirramento da luta de classes e formação de entidades e movimentos populares nacionais como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG),e o revigoramento da União Nacional dos Estudantes (UNE) e, naturalmente de protagonismo do PCB, tendo à sua esquerda e em menor escala, o PC do B, a Ação Popular (AP), a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) e o Partido Operário Revolucionário Trotskista, (PORT). Neste contexto Marighella passou à atividade política aberta, até o golpe de 1º de abril de 1964, como atestam livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a sua vida política. A sua vida privada, revelada pelo jornalista Mário Magalhães se dividia entre São Paulo e Rio de Janeiro.

O golpe de 1º de abril de 1964 e a subsequente ditadura militar desencadeou uma repressão policial e militar em larga escala, prendendo milhares de ativistas sociais e militantes políticos, preferencialmente os de esquerda distribuídos pelo PCB, PC do B, POLOP, AP, PORT e
segmentos do Partido Socialista Brasileiro (PSB), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e de outros partidos legais, acusados indistintamente de subversão e comunismo. O golpe desorganizou o movimento sindical urbano e o movimento estudantil e desestruturou o nascente movimento camponês, perseguindo a ferro e fogo suas lideranças.

Marighella foi localizado e seguido pela polícia política. No dia 9 de maio de 1964, tentando fugir adentrou em um cinema no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro; cercado, resistiu; ferido foi preso; protestou aos gritos: “Abaixo a ditadura militar fascista!”, conforme o noticiário da época e o primeiro capítulo do seu livro Por que resisti à prisão reproduzido nesta seleção.
O golpe de 1º de abril de 1964 e a instalação da ditadura militar gerou uma crise profunda em toda a esquerda cujo desfecho foi sua dispersão em dezenas de novos partidos e organizações revolucionárias.

O PCB entrou em crise: de um lado tinha que retomar sua organização e o trabalho de massa, em condições de severa clandestinidade; e de outro organizar a discussão interna, que logo se transformou em luta interna, com a formação de uma corrente revolucionária e uma
corrente reformista que dividiu o partido desde seu Comitê Central até as Organizações de Base. Marighella estava entre os líderes da corrente revolucionária e desde logo se diferenciou na teoria e na prática. Identificava a revolução brasileira como de libertação
nacional sob a hegemonia do proletariado e ao mesmo tempo negava a teoria das duas etapas: a etapa democrático-burguesa sucedida pela etapa socialista.

Sua estratégia revolucionária se aproximava da experiência cubana de foco guerrilheiro e se diferenciava da estratégia chinesa de guerra popular a partir da mobilização de bases camponesas. E se afastava de ambas porque invertia a orientação estratégica de Mao Tsé-Tung
de desencadear a guerra no campo para cercar as cidades, ao propor iniciar a guerra nas cidades e depois no campo e em terceiro movimento estratégico coordenar essas duas iniciativas para tomar o poder nas cidades.

O partido não seria eficaz para efetivar essa estratégia de uma organização revolucionária não burocrática, com um comando organizado e planejado e estruturas políticas e militares com autonomia tática. E assim, surgiu uma rede de organizações regionais que
seguiam a orientação e o plano de Marighella. Essas organizações gozavam de autonomia e algumas delas se integraram à Ação Libertadora Nacional (ALN), sob comando de Carlos Marighella. Em contraponto ao teoricismo de alguns segmentos da esquerda brasileira e ao burocratismo de outros, Marighella propunha ação; ao distanciamento entre direção e base, propunha comando presencial. Para o enfrentamento da ditadura militar propunha a guerrilha. E assim Marighella se tornou o inimigo nº 1 da ditadura militar segundo a imprensa e o “guerrilheiro que incendiou o mundo”, no dizer de Mário Magalhães, seu biógrafo. Ou, “comandante e poeta de todas as horas”,
parodiando manchete do jornal de 1936.

À sua companheira Zilda Xavier Pereira, de clandestinidade e de comando da ALN, tinha prometido não mais ser preso, não “cair” vivo. A assim aconteceu, embora não exatamente como previra. No dia 04 de novembro de 1964, na Alameda Casa Branca, na cidade de São
Paulo, Marighella foi cercado pelas forças policiais que não lhe deram a opção de fuga ou resistência, de prisão ou autoimolação, simplesmente o fuzilaram. Eliminaram o homem, o deputado, o dirigente partidário, o comandante guerrilheiro, o poeta de todas as
horas. Ficaram suas palavras de esperança e o seu exemplo de luta.

Excerto do Livro com Edição para xapuriinfo.dream.press por Iêda Vilas Bôas

Carlos Marighella: comunista e poeta de todas as horas – Escrito por Gilney Viana e Iara Xavier Pereira
Fotos: Vladimir Sacchetta e Brás Bezerra AJB
Revisão de Texto: Iêda Vilas-Bôas
Produção: Janaína Faustino
Arte Final: Emir Bocchino – Xapuri Socioambiental
Capa e diagramação: Emir Bocchino

Editora Xapuri

Publicado originalmente em 1 de novembro de 2021


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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