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Carlos Travassos

CARLOS TRAVASSOS FALA SOBRE OS ÍNDIOS ISOLADOS

Carlos Travassos fala sobre os índios isolados

O geógrafo Carlos Lisboa Travassos, Coordenador-Geral de e Recém-Contatados da Funai (GGIIRC), recebeu a Xapuri, na sede da Funai em , na semana seguinte ao último contato com os Korubo, para uma entrevista sobre esse assunto tão distante da vida da maioria dos brasileiros e brasileiras.

Por Eduardo Pereira

Xapuri – Quem são, quantos são os “povos indígenas isolados”, e qual a política da Funai para eles?

Travassos – A denominação “povos indígenas isolados” refere-se especificamente a grupos indígenas com de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não índios, seja com outros povos indígenas. A Funai possui uma metodologia para sistematizar as informações de presença de índios isolados, que hoje somam 104 registros, localizados em todos os estados da Legal, sendo 26 povos indígenas isolados confirmados.

Xapuri – Em que consiste essa metodologia?

Travassos – Começamos por qualificar as informações sobre a presença de índios isolados em determinado local, o que pode ser feito por cruzamento de informações etno-históricas, levantamentos de campo e entrevistas de fontes, além de análises de imagens de satélite e investigações topográficas. A partir daí, podem ser realizados sobrevoos de localização e/ou expedições de localização de índios isolados. Essas expedições têm por objetivo levantar e sistematizar dados que comprovem a existência do grupo, suas características culturais, seus hábitos e sua forma de ocupação territorial. A política da Funai é deixá-los em isolamento, enquanto assim preferirem.

Xapuri – Uma vez identificado um grupo de índios isolados em uma área, o que é feito?

Travassos – Para proteger e monitorar um grupo indígena isolado é necessário, após demarcar minimamente o território de ocupação do grupo, reconhecer a área como terra indígena. Como muitas vezes o processo administrativo é moroso, cheio de percalços e judicializações, é necessário interditar áreas quando a presença de índios isolados encontra-se em situação de alta vulnerabilidade. Até que as equipes de campo possam estudar o grupo indígena sem realizar o contato, a região de ocupação do grupo indígena passa a ser uma Restrição de Uso.

Xapuri – Depois que a área passa a ser uma Restrição de Uso, qual o próximo passo?

Travassos – As equipes das Frentes de Proteção Etnoambiental passam então, sistematicamente, a realizar ações de vigilância, fiscalização e acompanhamento da movimentação e ocupação do grupo indígena. Essa dupla ação permite que sejam direcionadas as ações de proteção ao grupo, após identificadas as principais ameaças. De uma forma mais ampla, a proteção territorial é a base fundamental para a proteção de povos indígenas isolados, onde, garantindo-se o usufruto exclusivo dos recursos naturais, garantem-se as condições necessárias à reprodução física e cultural desses povos.

Xapuri – O que é feito com relação ao entorno da área?

Travassos – Como parte da política de proteção, são realizadas ações voltadas para a população do entorno da área de ocupação de povos indígenas isolados. A comunicação fluida com as populações vizinhas é essencial para um melhor monitoramento dos grupos isolados, assim como para estabelecer parcerias e apoio junto a elas, para da região, e ainda para melhorias na saúde e no próprio monitoramento da ocupação dos índios isolados.

Xapuri – Como é o acompanhamento das áreas de índios isolados?

Travassos – Existe uma política pública de proteção de índios isolados e de recente contato executada pela Funai, denominada Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, definida no Plano Plurianual – PPA 2011-2015. A Coordenação Geral de Índios Isolados, subordinada à Diretoria de Proteção Etnoambiental – DPT – da Funai, coordena atividades e projetos de localização e monitoramento de índios isolados, ações de vigilância e fiscalização, além das ações voltadas para a promoção dos direitos dos povos indígenas de recente contato. Os projetos e atividades são executados pelas 12 Frentes de Proteção Etnoambiental dispostas na .

Xapuri – E os “povos indígenas de recente contato”?

Travassos – A Funai considera “de recente contato” aqueles povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia. Atualmente, a Funai coordena e apoia ações de proteção e promoção em 19 Terras Indígenas habitadas por grupos de povos indígenas de “recente contato”.

Xapuri – O contato estabelecido com os Korubo em 1996 foi uma decisão da Funai. Desta vez, quem decidiu pela aproximação foi o próprio grupo. Qual a razão?

citacao-carlos-travassoTravassos – Não sabemos ainda. No caso dos Korubo, sabemos que passam por uma dinâmica sazonal de dos recursos naturais fora de seus territórios para a pesca do purakê (o peixe elétrico) e coleta de ovos de tracajá. Por outro lado, os povos contatados, que moram nas áreas mais altas, ao se movimentarem, cruzam os territórios onde vivem os isolados. Até recentemente, os contatos eram evitados por todos. Nos últimos anos, há maior incidência de índios isolados chamando a atenção das pessoas que circulam pelos rios, muitas vezes solicitando objetos industrializados.

Xapuri – Então os índios não vivem 100% isolados? O que faz a Funai para protegê-los?

Travassos – Correto em parte. A maioria deles optou voluntariamente por não fazer contato ou não conviver com ou como outros povos. Continuam vivendo isolados mas, no caso dos Korubo, fazem acenos e querem facão, panela e até mesmo roupa e comida, principalmente farinha. Eles a conhecem, por entrarem nas roças dos contatados ou por terem encontrado farinha em acampamentos abandonados. Os contatados costumam arremessar presentes para os isolados desde suas canoas. A Funai tenta impedir isso, para evitar que doenças infecto-contagiosas sejam repassadas.

Xapuri – E funciona?

Travassos – Funciona um pouco, mas não o suficiente. Há necessidade real de objetos industrializados por parte dos isolados. Então, mesmo a população do entorno colaborando, os isolados continuam querendo esses produtos. Por intermédio de intérpretes, tentamos manter contatos seletivos, explicando a eles que podem pegar doenças dos povos que passam nas canoas. Como entre os Korubo não existe o conceito de doença, pedimos aos intérpretes que expliquem os sintomas. Alguns relatam já terem sentido febres e diarreias. Nas áreas mais críticas, sobrevoamos os roçados deles e arremessamos facão (por alguma razão gostam mais de facão pequeno) e machado.

Xapuri – Como são feitos os contatos?

Travassos – Os contatos entre grupos indígenas isolados e a sociedade nacional podem ocorrer por iniciativa do grupo ou por uma ação externa em que haja aceitação ou rejeição por parte deles. O próprio Estado brasileiro pode realizar um contato quando existe alguma situação que coloque o grupo em situação de ameaça à vida.

Cada contato possui um contexto próprio, mas deve ser acompanhado de ações que visem minimizar os impactos do contato, com especial atenção aos aspectos de atendimento à saúde do grupo e à comunicação. Os contatos, quando possível, devem ser previstos e devem possuir planejamento anterior para uma ação de contingência. A Funai e a Sesai devem agir conjuntamente nessas situações, pois um trabalho integrado permite que uma equipe multidisciplinar atue com indigenistas, intérpretes, médicos, mateiros, barqueiros.

Xapuri – Uma vez feito o contato, quais as providências?

Travassos – Feito o contato, a é repassada à Frente de Proteção mais próxima, em geral via rádio. De imediato, acionamos o Plano de Contingência para o contato com índios isolados, que começa pela mobilização da equipe do Polo Sanitário Indígena da área, vinculado à Sesai, para o início das ações multidisciplinares de cuidado e proteção, nos moldes de uma política de recente contato, baseada em um diálogo intercultural respeitoso. São profissionais que passam por um processo de qualificação que inclui o aprendizado das faladas na região.

Carlos Travassos

Xapuri – Quais os principais desafios da Funai nesses casos?

Travassos – Os principais desafios são com relação à saúde e à comunicação. No caso do Javari, os grupos já contatados passam por uma epidemia de hepatite, além da malária e da tuberculose. E mesmo sendo tomados todos os cuidados possíveis, dificilmente as doenças ficam de fora em um processo de contato recente. Outro desafio grande é o trato humano, a introdução de novos usos e costumes, com uma relação respeitosa por parte da equipe e das pessoas com quem passam a manter contato.

Xapuri – Como começaram os contatos na região?

Travassos – Na década de 1970 ocorreram diversos contatos no contexto de abertura da estrada Perimetral Norte, que cortaria territórios de grupos isolados na região. Foi estabelecido contato com os Matis (1975), com os Maya (1978), que voltaram logo depois à condição de isolamento, e houve tentativas de contato com grupos Korubo isolados, entretanto todas infrutíferas, ocorrendo inclusive conflitos e morte de servidores da Funai durante as tentativas de atração.

Xapuri – Quais as principais características dos Korubo, o último grupo contatado?

Travassos – Os Matis dão aos Korubo a denominação de índios caceteiros, por conta de suas bordunas. Os Korubo são o grupo indígena que mais combateu e mais resistiu à exploração madeireira na região. Os Korubo nunca deixaram que seus territórios fossem explorados por madeireiros. O processo de contato entre os Korubo e agentes da sociedade nacional é marcado pela . Inúmeros conflitos ocorreram durante as décadas de 70, 80 e 90 entre os isolados e os invasores, sobretudo madeireiros. A última tentativa da Funai de contato com os Korubo isolados foi em 1982, e essa tentativa resultou na morte de dois servidores.

Xapuri – Como se deu primeiro o contato com os Korubo?

Travassos – Só em 1995 a Funai voltaria a desencadear um processo de contato com um grupo Korubo, que estava sendo dizimado por sucessivos massacres desferidos por não indígenas do entorno (madeireiros, pescadores). Em 1996, ocorre então o contato com 14 pessoas. Esse pequeno grupo Korubo era parte de um maior, que continuou em situação de isolamento.

Xapuri – Onde vivem os Korubo ainda isolados?

Travassos – Os Korubo isolados têm em seu entorno outros povos indígenas que já estabelecem contato intenso e permanente com a sociedade nacional, tais como os Matis e Kanamary. Outro aspecto importante de nota é o fato de o território dos Korubo estar localizado no médio rio Ituí e baixo Itaquaí, ou seja, o local é a porta de entrada, o escudo da Terra Indígena.

Nos altos rios moram povos contatados, os Kanamary, Marubo e Matis. Geralmente essa lógica é inversa, os povos isolados vivem nos altos cursos, nas regiões mais inacessíveis, enquanto os outros povos vivem nos baixos cursos, tal como acontece no Acre, por exemplo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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