Carta de Xapuri 2021 reafirma compromisso na defesa dos territórios e da vida
Por Bruno Pacífico/Cobertura Colaborativa Semana Chico Mendes
A programação da Semana Chico Mendes nesta sexta-feira, 17 de dezembro de 2021, foi marcada pela leitura da Carta de Xapuri – documento construído coletivamente por mais de 200 lideranças e organizações sociais e populares do Brasil e da Bolívia.
Val Souza, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, e Val Munduruku, liderança jovem da Região do Vale do Tapajós fizeram a leitura da carta. Ambas são moradoras da maior floresta tropical do mundo, que nos últimos anos vem sofrendo com os desmontes das políticas públicas socioambientais da Amazônia.
A Carta de Xapuri 2021 foi produzida durante o Encontro Amazônico: Terra, Território e Mudança Climática, que reafirma o compromisso dos povos com o Legado do ambientalista Chico Mendes na defesa da Amazônia e da Aliança dos Povos das Florestas. O documento marca o forte posicionamento diante das ameaças contra os territórios e dos povos amazônicos.
“Esse ato e a nossa carta é o nosso posicionamento em defesa dos nossos territórios e da vida como um todo, que estão ameaçadas, e nós estamos sem um governo que nos ajude, estamos vendo nos noticiários a nossa Reserva Extrativista Chico Mendes com altos índices de desmatamentos e o poder público que tem o dever de nos ajudar estão por muitas vezes, usando a polícia para nos ameaçar, por isso, a carta é a necessidade de reafirmar a nossa luta”, afirmou o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativista, Júlio Barbosa.
A presidenta do Comitê Chico Mendes e filha de Chico, Angela Mendes, também destacou a importância do momento e documento. “Nós, hoje, como alguns companheiros que estiveram ao lado do meu pai, Chico Mendes, e novos protagonistas da defesa dos territórios, estamos fazendo a leitura da Carta Xapuri reafirmando a nossa Aliança dos Povos das Florestas, num compromisso de seguir na defesa do legado de Chico e no compromisso da defesa dos territórios e da vida”, disse.
Confira a Carta de Xapuri na íntegra:
CARTA DE XAPURI
Defesa dos territórios e do Bem Viver nas Amazônias
Nós indígenas, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras rurais, campesinos e campesinas, reunidos no Encontro Amazônico: Terra, Território e Mudança Climática, em Xapuri, no Acre, nos dias 16, 17 e 18 de dezembro de 2021, com a participação de 200 líderes de organizações sociais e populares do Brasil e da Bolívia, reafirmamos o Legado de Chico Mendes de defesa da Amazônia e a Aliança dos Povos das Florestas.
Manifestamos nossos posicionamentos frente ao contexto de ameaças aos territórios de uso coletivo, que para nós povos da Amazônia é sagrado, são espaços de construção e manutenção das nossas identidades, saberes, fazeres, das raízes de nossa ancestralidade, territórios de luta, por isso, afirmamos:
1. Estamos vivenciando ações de retrocessos governamentais no Brasil e em outros países Amazônicos, de pressão à terra, ao território, à biodiversidade e aos modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem nas e das florestas. Os retrocessos atuam para a flexibilização das legislações socioambientais, o desmonte das políticas que garantem o direito e à posse da terra e do território a povos e comunidades indígenas, tradicionais, camponesas e quilombolas, obrigando-as, em muitos casos, a vender ou fugir para as periferias das áreas urbanas. Também estabelecem medidas públicas favoráveis à mineração e ao desmatamento na região amazônica, para o agronegócio e a extração ilegal da madeira, com impactos sociais, ambientais, culturais e a vida de todos, e principalmente de quem vive nas florestas.
2. Os efeitos dessas ações governamentais contribuem para a crise climática, afetando diretamente mulheres, juventude, crianças e toda a humanidade. Exigimos dos governos políticas e ações mais eficazes, adequadas para combater os efeitos das mudanças climáticas, com medidas de adaptação, mitigação e respeito à ancestralidade de povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas.
3. Por isso, defendemos à terra, o território, o fortalecimento de políticas públicas para a agricultura familiar e a produção da sociobiodiversidade na Amazônia, para que povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas possam ter uma vida digna para usufruir o bem-viver na Pan-Amazônica.
4. Reafirmamos o Legado de Chico Mendes e nos comprometemos em continuar a cuidar da nossa vida e da vida das florestas e da biodiversidade.
5. O protagonismo das mulheres amazônidas, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres ribeirinhas, mulheres extrativistas, historicamente silenciadas e invisibilizadas, temos um marco no processo de luta e resistência na garantia ao direito a terra e ao território. Nosso propósito é garantir vida justa para todas. Exigimos espaço e o fim da violência e de toda opressão. Lutamos por nossa terra livre para semear, queremos o bem viver.
6. A juventude em diálogo com as lideranças do passado que lutaram e garantiram os territórios, segue articuladas na luta pois os direitos conquistados não são garantidos, é necessário seguir alerta. Os jovens não são jovens do futuro, somos jovens do presente e queremos espaço para atuar em defesa da nossa casa maior, nossa mãe Terra.
7. Reafirmamos que nossa ALIANÇA DOS POVOS DAS FLORESTAS segue unificada, além da nossa articulação com organizações indígenas, camponesas, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas, bem como com as instituições, academia e atores sociais de todos os países amazônicos, para fortalecer a nossa luta em defensas das florestas e das vidas.
“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade” (Chico Mendes).
VIVA A AMAZÔNIA E A ALIANÇA DOS POVOS DAS FLORESTAS!!!
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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