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“Cartas pra Elis”, do Henfil e do Ivan, o filho do Henfil: Uma mesma denúncia, uma mesma esperança, uma mesma rebeldia

De volta, o Henfil!

Não o Henfil da “Graúna” que fez a cabeça de muitas de nós feministas nos anos 1980. Não o Henfil das “Cartas da Mãe”, da à ditadura, da militância nas Diretas Já, do apoio ao e dos versos de alento depois da fragorosa derrota do PT na  primeira campanha eleitoral  “…se  não houver frutos, valeu a intenção da semente…”. Nenhum Bode Orelhana no pedaço, mas o Henfil está de volta, mais atual do que nunca!

E não é que o Henfil voltou firme e forte nas “Cartas do Pai”, que o filho dele, o Ivan, deu de publicar com certa frequência? Pois então, o Ivan, com seus recados pro pai dele, acaba trazendo o Henfil pra mais perto do  espaço físico desse nosso mundo presente.  Prova disso (como se precisasse de prova, só força de expressão mesmo) é a “ do Pai” que o Ivan escreveu agora em janeiro, lembrando  da “Carta pra Elis”, que o Henfil publicou na revista Isto É uma semana depois da morte dela, em 19 de janeiro de 1982.

Ainda hoje me lembro do quanto chorei na primeira vez que li a Carta, no calor da comoção da perda da Elis. Contundente, aquela  página de revista (naquela época era em papel mesmo)  foi  um soco no estômago da misoginia e do machismo, foi uma lapada contra os golpes de morte que abatiam e abatem nossas , nossos negros, nossos homosexuais, nossas maiorias fragilizadas e oprimidas.  Foi ali que um indignado Henfil abriu as comportas do labirinto: “E você só queria namorar nós homens. Mas nós homens não conseguimos namorar uma livre.”

Agora vem essa carta do Ivan  pra Elis, trazendo um  outro grito de alerta contra  o mesmo machismo e a mesma misoginina que, depois dessas décadas todas, continua fazendo o mesmo que fez com “a Elis Regina, com a Ângela Diniz, com a Daniela Perez, Marielle, e tantas outras…” É um chamado à reflexão sobre essa sociedade onde “Nós idolatramos uma mulher que fala em uma solenidade porque o marido deixou. Mas quando ela é a protagonista, nós a xingamos. Nós jogamos pedra na Geni!”

Pois bem, o danado do Ivan, que eu não conheço mas espero um dia ter o prazer de conhecer, traz nossa existência  de volta pro radar do Henfil. E essa é uma notícia danada de boa porque as “Cartas do Pai”,  que o filho do Henfil generosamente compartilha conosco,  botam a gente pra pensar que, talvez, sabe-se lá como, o traço rebelde do Henfil, traduzido no verbo rebelde do Ivan,  possa uma hora dessas retornar às nossas gargantas aquele mesmo grito de sonho: “Tô vendo uma .”

Elis noticiasaomundo.com .br

A CARTA DE IVAN, O  FILHO DO HENFIL

Rio de Janeiro, 15 de Janeiro de 2019.

Pai,

Esta semana lembrei daquele nosso jantar. Aquele, com a Elis!

Eu tinha 11 anos e já era fã dela. Sabia todas as músicas do “Falso Brilhante” de cor.

A gente saiu e você não me contou nada, até ela entrar no carro.

Ela foi tão bacana que o meu nervosismo passou rápido. Lembro que não sabia se comia ou ficava olhando pra ela!

E pra terminar, ainda voltei pra casa com um LP do “Bêbado e a Equilibrista”, que ela me deu, e guardo com carinho, até hoje!

Só não me lembrei de pedir uma dedicatória, mas era o de menos pra mim.

Alguns meses depois ela se foi, e fiquei com a recordação daquele único encontro.

Fizeram um sobre ela, que virou série. Foi ao ar esta semana, por isso a lembrança!

Colocaram cenas novas na série, entrevistas e imagens de algumas pessoas, inclusive suas.

No final. Depois que conta sobre a morte dela. Passaram cenas dela, enquanto era lida aquela carta que você escreveu pra ela. Uma Carta da Mãe, que desta vez foi pra Elis!

Incrível como ela está atual, pai! A pressão sobre as mulheres continua a mesma hoje em dia.
Até hoje não aceitam que uma mulher seja livre, forte e independente!

Até hoje elas têm que trabalhar, cuidar da casa, das e de nós, homens.

Nós idolatramos uma mulher que fala em uma solenidade porque o marido deixou. Mas quando ela é a protagonista, nós a xingamos. Nós jogamos pedra na Geni!

O novo governo pensa exatamente como aquele outro pensava. “Mulher nasce pra ser mãe”, disse a nova ministra.

Mulher até hoje não pode ser protagonista!

As que se atrevem a vir aqui pra fora, nós fazemos o que fizemos com a Elis Regina, com a Ângela Diniz, com a Daniela Perez, Marielle, e tantas outras…

Tanta gente chorou com a sua carta, pai!

Um beijo do seu filho,

Ivan

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Ivan Cosenza – Produtor cultural, presidente do Instituto Henfil, filho e curador da obra de Henfil

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A CARTA DO HENFIL 

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Elis,

Tudo bem. Nenhuma pista sobre tua morte. Tipo crime perfeito. Precisa ver. Os perplexos seguem as pegadas duma tal fama assassina que devora seus filhos. Os nascidos nos anos 40 já acham que tá é passando um flautista, convocando a geração “da gente” (Ri! Ri! Ri!). Os legistas shibatam tuas vísceras à cata de comprimidos e tóxicos.

Tu despistou todo mundo.
Mas eu, eu encontrei a caixa-preta. E vou abrir:
Nós homens te matamos, mulher.
Você dobrou tua voz e venceu. Dobrou teus negócios e venceu. Dobrou tua consciência e venceu.

Quis ser mulher livre e perdeu…

Nós homens te exigimos alta, linda e gostosa. Nós homens te espancamos a murros e pontapés uma, duas, de dez vezes. Nós homens te obrigamos a lavar roupa e cozinhar pra nos sustentar. Nós homens te forçamos a se humilhar diante do teu , cantando de joelhos o hino nacional. Aí, nós homens, sem perguntar, te enterramos no cemitério dos mortos-vivos do Caboco. Mamadô. Nós homens te exibimos em churrascarias. Nós homens te vestimos de azul, vermelho, branco, roxo, amarelo, preto e cortamos teu cabelo curtim feito Joana d”Arc.

E você só queria namorar nós homens.
Mas nós homens não conseguimos namorar uma mulher livre.
Perplexos, quarentões e médicos-legistas!
Podem suspender as diligências.
Tá na caixa-preta: fomos nós, homens.

Henfil Sreet
27.1.1982

ANOTE:

Imagens:

Elis, essa mulher: reproduçãopublicada na revista Fórum: https://www.revistaforum.com.br/cartas-do-pai-carta-pra-elis/

Carta do Henfil, reprodução publicada no Portal Vermelho em 30/11/2108  http://www.vermelho.org.br/noticia/294153-1

Fotos da Elis:

Capa: Agência O Globo – Elis Regina em julho de 1981:  Último Segundo – IG: https://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/geniosa-exigente-e-kamikaze-elis-regina-morria-ha-30-anos/n1597581838345.html

Foto interna: www.noticiasaominuto.com.br 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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