Sérgio Medeiros: A Cerimônia do Adeus e o luto de Lula

A Cerimônia do Adeus e o luto de Lula

“Isso se vive, e é tudo” – Simone de Beauvoir

A Cerimônia do Adeus não se resume a um ato que se dá em meio a um silêncio entrecortado por rezas, ela serve para engrandecer a imagem e a trajetória dos indivíduos em sua despedida do convívio dos homens. Quem tem algo a dizer e sabe a melhor forma de fazê-lo, perpetua a figura pranteada não somente na memória dos presentes, mas na história, esta imensa memória coletiva.

Simone de Beauvoir, se dedicou, após a morte de Jean Paul Sartre, não somente a prestar uma breve homenagem, mas a escrever um livro, onde descrevia os últimos anos de vida dele. A este livro foi dado o nome de “A Cerimônia do Adeus”.

Nele descrevia com minúcias os últimos dez anos de vida de Sartre, a decadência física, e as limitações dela decorrentes, que se estendiam também a parte intelectual, e para mostrar a imensidade da participação dele na história, acresce ao texto uma série de entrevistas e reportagens que tem o condão de ampliar sua imagem e possibilitar que outros conhecessem mais sua vida e suas ideias.

Em seu prefácio, ela menciona como se sentiu em relação a esta tarefa, e de como tentou diminuir ao máximo sua participação neste relato, e, ainda, como é o dia a dia após a morte de um companheiro de toda uma vida.

A esses questionamentos responde de forma direta e simples: “Primeiro (em relação a reduzida auto-menção no livro), porque não é esse meu tema; e depois, conforme observava ao responder a amigos que me perguntavam como aceitava as coisas: “Isso não pode ser dito, isso não pode ser escrito, isso não pode ser pensado; isso se vive, e é tudo.”

Simone de Beauvoir viveu seu luto escrevendo um livro, promovendo a vida e obra de seu companheiro.

Lula, começa a viver seu luto, homenageando Marisa, com o seu melhor, descreve a trajetória de Marisa, que se confunde com a sua, por sua intensa e intima relação, de uma forma lírica, bons momentos, momentos em família, momentos de luta e lugares de decisões, que revelam o testemunho de uma vida voltada para a coletividade, para o bem comum.

Quando Lula faz seu discurso, nesse momento, mais que em todos outros, ele o faz com a alma aberta e livre, e traz para junto de si e de Marisa, todas as pessoas que fizeram parte de sua trajetória de luta, e sua fala diz muito sobre a importância de todas estas pessoas na sua construção enquanto parte de um coletivo, eram ele, Marisa, sua família, seus companheiros sindicalistas, seus companheiros de partido, e depois, todo o povo brasileiro, depois todas as mulheres e homens, em qualquer parte do planeta, era a vida que importava, digna e livre.

O que importa são estas pessoas, todas as pessoas, as quais um dia ele aprendeu a amar e a querer bem, nelas ele e Marisa viveram, nelas ele e Marisa sempre viverão.

Marisa e Lula, sabiam, que o melhor que eles poderiam fazer para seus filhos não se resumia a esfera familiar, mas sim estender esta forma solidária de viver, a todas as pessoas, para que tivessem a possibilidade de ter uma existência plena.

Lula, na cerimônia de passagem de Dona Marisa, simplesmente relembra alguns dos momentos vividos, que continham o significado das suas vidas, dos propósitos e da união indissolúvel entretida por eles durante mais de 40 anos, onde cada um fazia a sua parte sabendo e fortalecendo o outro mesmo quando não estavam fisicamente juntos.

Valoriza cada gesto de sua companheira em manter a família unida em diversos momentos de turbulência.

Tece reminiscências, lembrando a importância e o simbolismo do gesto de Marisa, ao abrir as portas de sua casa para as reuniões do Sindicato, quando a ditadura fechou a sede, e depois, quando com um tecido vermelho e uns retalhos, fez a primeira bandeira do partido dos Trabalhadores, e, a seguir, num folego só, fala sobre o importância dela em sua trajetória pessoal, em sua vida em família, ela era o porto seguro, o esteio, era pai, mãe, tia… companheira (http://jornalggn.com.br/fora-pauta/uma-bandeira-marisa-e-lula-vida-em-mo…).

Ao final, como testemunha, descreve os efeitos em Marisa, da tentativa de destruí-lo politicamente, centra nesse ponto, o aspecto mais covarde deste movimento, que para desestabilizá-lo psicologicamente, ataca sua família, num ato bárbaro e desumano.

Informa que este ataque teve consequências sérias para Marisa, que não resistiu a tamanha vilania e como qualquer ser humano feito de ossos músculos e sentimentos, foi atingida em sua alma e teve interrompida sua vida terrena.

É nesse ponto que Lula deixa de falar propriamente em Marisa, ainda que a ela se refira e seu ato e sua narrativa tenham como suporte estas condutas praticadas contra ela.

Lula, neste momento, num gesto de amor, fala de forma carinhosa, mas ao mesmo tempo forte e decidida, apesar de nitidamente conter o choro e a emoção:.. Marisa, teu Lulinha paz e amor, vai lutar até o fim, para limpar esta mancha que estes facínoras tentam colocar em tua vida.

E, assim ao final de sua fala, demonstra claramente.

Lula vai viver seu luto, como ele e Marisa fizeram a vida inteira, lutando…

ANOTE AÍ:

Esta matéria de Sérgio Medeiros foi originalmente publicada no JORNAL GGN http://jornalggn.com.br.

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