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Cerrado: Sertão do Brasil Central

Cerrado: Sertão do Brasil Central

Cerrado é senhor velho

De profunda sabedoria

Onde resiste a flor valente

Sempre-viva na estia

Por Keyane Dias

Veredas, chapadões
Sertão do Brasil Central
Céu do tamanho do mundo
Não tem princípio, nem final

Morada de berço d’água
Clima seco, ora chuvoso
Foi lá que disse o Rosa
“Viver é muito perigoso”

Quem diz que o Cerrado
É mata morta, sem feitio
Não conhece a sua cultura
Nem o povo que a pariu
Entre calango e carcará
De pé, em movimento
Se embrenha a sua gente
Na feitura do seu tempo
Benzedeiras, foliões
Divino, Reis vão louvar
Lundu e curralera
Só vê quem lá está

Buriti dá tudo um pouco
Sabor, beleza, proteção
Pequi, único gosto
Do tingui se faz sabão

Sozinha, vendo tudo
Caliandra sempre está
Barbatimão, forte remédio
Da medicina popular

Cura do mato, tradicional
Senhora erveira sabe usar
Vão das Almas, dos Buracos
Quilombo também tem lá

A essência dessa terra
É como aboio do vaqueiro
Tá na alma desse povo
Cerratense, brasileiro.

Keyane Dias – Poeta e jornalista, especializada em comunicação cultural. É também pesquisadora e articuladora social junto a movimentos e projetos voltados para a sustentabilidade e valorização dos saberes tradicionais e de tradição oral. A poesia “Sertão do Brasil Central” teve como inspiração a travessia do projeto “O Caminho do Sertão” pelo norte e noroeste mineiro.

Mais poesias em alemdasparedes.wordpress.com

ANOTE AÍ:

Sobre o Cerrado, veja matéria do Altair Sales Barbosa, também publicada na Xapuri:brasil_central_3

Cerrado – Um bioma em extinção

Dos ambientes recentes do planeta Terra, o Cerrado é o mais antigo. A história recente da Terra começou há 70 milhões de anos, quando a vida foi extinta em mais de 99%. A partir de então, o planeta começou a se refazer. Os primeiros sinais de vida, principalmente de vegetação, que ressurgem na Terra, se deram no que hoje constitui o Cerrado.

No mínimo, o Cerrado começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos. O Cerrado é um tipo de ambiente em que vários elementos vivem intimamente interligados uns aos outros. A vegetação depende do solo, que é oligotrófico (com nível muito baixo de nutrientes). O solo depende de um tipo de clima especial, que é o tropical subúmido com duas estações, uma seca e outra chuvosa.

Vários outros fatores, incluindo o fogo, influenciaram na formação do bioma – o fogo é um elemento extremamente importante porque é ele que quebra a dormência da maioria das plantas com sementes que existem no Cerrado.

Assim, é um ambiente que depende de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção.

Uma comunidade vegetal é medida não por um determinado tipo de planta ou outro, mas, sim, por comunidades e populações de plantas. E já não se encontram mais populações de plantas nativas do Cerrado. Podemos encontrar uma ou outra espécie isolada, mas rever todas essas populações é algo praticamente impossível.

Outra questão: o solo do Cerrado foi degradado por meio da ocupação intensiva. Retiraram a gramínea nativa para a implantação de espécies exóticas, vindas da África e da Austrália. A introdução dessas gramíneas, para o pastoreio, modificou radicalmente a estrutura do solo. Isso significa que naquelas áreas, já modificadas, a maioria das plantas não conseguirá brotar mais.

Quando se retira a vegetação nativa dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja, o algodão ou qualquer outro tipo de cultura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando os aquíferos, que ficam menores a cada ano.

Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.

Em média, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada porque há uma pequena reserva nos aquíferos. Mas, daqui a cinco anos, não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao Cerrado a partir dos anos 1970: entraram nas áreas de recarga dos aquíferos e, quando vêm as chuvas, as águas não conseguem infiltrar como antes e, como consequência, o nível desses aquíferos vai caindo a cada ano.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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