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Cestaria e Pintura Krikati: a socialização através da arte

Cestaria e Pintura Corporal dos Krikati: a socialização através da

Entre os Krikati, a capacidade de produzir objetos artísticos é inerente a qualquer indivíduo. Porém, esta acha-se subordinada à divisão sexual do e à aptidão inata. Se alguém nasce para cantar nos rituais, ao longo do seu crescimento vai sentir dentro de si essa vontade e vai procurar um chefe de ritos que o inicie. Se pretende dominar os padrões e técnicas próprios da cestaria, deve pedir orientação a um homem mais velho, geralmente ao pai.

Por Maria Mirtes dos Santos Barros

A arte nessa está inserida em dois grandes campos que se interpenetram: um vinculado ao cotidiano e outro aos rituais. A cestaria, em princípio, é a técnica utilizada para a produção de utensílios de uso doméstico , para a colheita de frutos silvestres e cultiváveis. Esse trabalho é executado por homens, que também coletam a matéria prima necessária para fazer esses utensílios.

Do pecíolo da folha de (Mauritia viníferá) eles extraem taliscas com as quais confeccionam cestos. Os padrões geométricos são variados: sarjado, losango com diamante, listras inclinadas, listras em zigue-zague, transversais e verticais.

A quantidade de talas envolvidas em cada padrão e a maneira de sobrepor ou intercalar é que define a forma. Mesmo assim, não raro o artista reveste os pecíolos, uns com carvão e outros com urucum, possibilitando uma harmonia por contraste, enfatizando cada padrão.

Para o “estrangeiro” essas são formas abstratas, mas para o artista e o público Krikati, são representações da : pele de diferentes tipos de cobra, jacaré, peixes etc.

O homem caçador, ao produzir os cestos, está associando a fauna à flora: simbolicamente esses cestos são peles de animais que não precisaram morrer para estar ali, pois foram feitos com elementos da flora.  A pintura corporal é um item que também faz parte do cotidiano, mas durante os rituais se reveste de maior importância.

Ela apresenta um grau de complexidade não apenas no que concerne ao tema e à forma, mas também ao uso. Sabemos que a pintura sobre o corpo está presente em quase todas as sociedades brasileiras e que ela, a exemplo do que ocorre com os artefatos, também tem seus aspectos particulares. Assim, embora os pigmentos sejam os mesmos, as pinturas variam na forma.

Contudo, devemos considerar alguns pontos da pintura corporal que lhe são próprios: existe uma pintura de uso cotidiano e existe uma outra destinada às festas. Essas últimas estão direcionadas aos ritos, principalmente os de iniciação. Cada indivíduo, ao nascer, herda, juntamente com o nome, o seu espaço dentro dos rituais.

Ali, ele está representando a sua metade ritual – Wakmeyê ou Katmeyê -, seu grupo ritual específico e reverenciando a pessoa que lhe deu o nome (seu “kamaoront”) e aquele que se tornou seu “amigo formal” (seu “pemchui”). Permanecer fiel ao seu grupo é demonstração de respeito a essas pessoas com as quais o indivíduo estabelece relações de parentesco não consanguíneo (formal).

A metade Wakmeyê está relacionada ao dia (claridade) e ao período seco, enquanto que a metade Katmeyê está associada à noite (escuro) e à estação chuvosa. No que concerne a ornamentação do corpo, os indivíduos da metade Wakmeyê pintam o corpo com listras verticais e, para a emplumação, quer do corpo ou das esteiras, usam plumas de
periquito.

Os membros da metade Katmeyê usam listras horizontais na pintura corporal e usam plumas de gavião para a emplumação. A produção artística, assim como as demais atividades, acha-se disciplinada pela divisão do trabalho. Os objetos de uso feminino, como o cesto e as esteiras para sentar, são confeccionados pelo homem (pai, irmão ou marido).

O “kaypó” (espécie de bolsa usada pelo homem para transportar tabaco, munições etc.) é também feito pelo homem. A cestaria, em geral, é uma atividade masculina, à exceção de um tipo em que se reproduz em miniatura panelas, chapéus e cestos para fins comerciais, que é feito pela .

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Em termos de arte, compete à mulher tecer, com fios de algodão, a faixa ritual feminina (Caxyc) e seu equivalente masculino (Rohcyh). A primeira é entregue ao homem durante o ritual do Wu’tú, para que ele cante. Simbolicamente representa a lua, sendo que a maioria das cantorias e danças são realizadas durante a noite. O segundo simboliza o sol e é usado, de dia, pelas durante o ritual. Esses dois objetos simbolizam a inversão de papéis sexuais que acontece durante o ritual. O chefe dos ritos não participa dessa inversão pois ele é a pessoa que coordena os rituais.

Na sociedade Krikati a produção de objetos de arte não se divorcia das demais atividades do cotidiano. A faculdade que o artista tem de produzir objetos belos não o isenta do trabalho na lavoura e de participar das atividades de caça. Ele é apenas um caçador que se compraz em compor na superfície do corpo, ou dos cestos, formas harmoniosas.

Assim, sendo o Krikati um povo coletor, caçador e agricultor de , a arte é a expressão de seu modo de ser, sua postura frente à natureza e ao mundo sobrenatural.

Maria Mirtes dos Santos Barros – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – 14800-901 – Araraquara (SP); Profa. Assistente UFMA, Dep. De Artes.

Fonte: Periódicos Unesp Edição Xapuri


 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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