Demais de linda esta “Tua Cantiga”, Chico Buarque!
Passando os olhos pelo Facebook neste final de semana, encontro dois textos primorosos sobre o trabalho mais recente de Chico Buarque, “Tua Cantiga.”
Por Zezé Weiss
Um, de Marcílio Godoi, nos guia rumo a uma compreensão mais profunda dessa lindeza de presente que a gente ganha, uma vez mais, do Chico. O outro, do Marcos Bagno, expressa o sentimento de muita gente, incluindo o meu, com respeito às críticas e aos preconceitos dessa “gente hipócrita que não merece o biscoito fino” que o Chico fabrica. Compartilho, com você que me lê, os textos e o link para mais esta bela “Cantiga” do Chico Buarque de Holanda:
Voltando à ode ao ritmo angolano trazido pelos escravos, as características lascivas e humorísticas, geralmente com uma dançadora no centro da dança, é remontada aqui pelo gênio criativo de Chico em um elogio radical à mulher. Lembramos que, até o final do império, o lundu fazia sucesso nos salões da corte brasileira. Feita em forma de elogio eterno à amada, remontando ao lirismo popular reinante naqueles tempos, o estilo romântico-parnasiano é demarcado na cantiga como sofisticada referência temporal à história da lírica brasileira.
O que mais fascina, no entanto, na misteriosa junção do batuque transfigurado pelo arranjo de Luiz Cláudio Ramos à letra é a forma com que as rimas vão sendo dispostas de forma a criar essa atmosfera de envolvimento sonoro e sensual da palavra com o ritmo e o sentido construído na jura de amor.
Deste modo, sempre ricas, as rimas suspiro / ligeiro; nome / perfume; rainha / manhã; lenço / alcanço de modo consoante vão se alinhavando internamente às estrofes e não demarcadas em seu final, como seria o usual. Também de modo aliterante, alvoroçar / afora; capricho / exigir, entre outras vão somando estranhezas e afeições em suas infinitas camadas de significação. Até findarmos com os versos “lembra-te minha nega / dessa cantiga que fiz pra ti”, que em seu jogo sonoro de espelhos resumem toda a prosódia da simples, genial e como sempre inovadora proposta musical de Chico.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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