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Demais de linda esta “Tua Cantiga”, Chico Buarque!

Demais de linda esta “Tua Cantiga”, Chico Buarque!

Por Zezé Weiss

 Marcílio Godoi:  Encantado com a maravilha de “Tua Cantiga”, a mais recente canção de amor de Chico Buarque, primeira faixa divulgada do álbum “Caravanas”, resolvi revolver, mergulhado em suas vertiginosas peripécias rítmicas, os meandros líricos desse sinistro “tipo um lundu” de Cristóvão Bastos. Afinal, o gênero, proibido por Dom Manoel em Portugal por ser “contrário aos bons costumes” parece ainda afligir a nossa sociedade, haja vista o estarrecimento de legiões de reacionários com o verso “largo mulher e filhos”, o que atende aos anseios da nova onda moralista que atinge o país nesses tempos em que não só o medo, mas o temer nos é enfiado goela abaixo.

Voltando à ode ao ritmo angolano trazido pelos escravos, as características lascivas e humorísticas, geralmente com uma dançadora no centro da dança, é remontada aqui pelo gênio criativo de Chico em um elogio radical à mulher. Lembramos que, até o final do império, o lundu fazia sucesso nos salões da corte brasileira. Feita em forma de elogio eterno à amada, remontando ao lirismo popular reinante naqueles tempos, o estilo romântico-parnasiano é demarcado na cantiga como sofisticada referência temporal à história da lírica brasileira.

O que mais fascina, no entanto, na misteriosa junção do batuque transfigurado pelo arranjo de Luiz Cláudio Ramos à letra é a forma com que as rimas vão sendo dispostas de forma a criar essa atmosfera de envolvimento sonoro e sensual da palavra com o ritmo e o sentido construído na jura de amor.

Deste modo, sempre ricas, as rimas suspiro / ligeiro; nome / perfume; rainha / manhã; lenço / alcanço de modo consoante vão se alinhavando internamente às estrofes e não demarcadas em seu final, como seria o usual. Também de modo aliterante, alvoroçar / afora; capricho / exigir, entre outras vão somando estranhezas e afeições em suas infinitas camadas de significação. Até findarmos com os versos “lembra-te minha nega / dessa cantiga que fiz pra ti”, que em seu jogo sonoro de espelhos resumem toda a prosódia da simples, genial e como sempre inovadora proposta musical de Chico.

Chico Buarque – “Tua Cantiga” (Clipe Oficial) “Tua Cantiga”, novo single de Chico Buarque, está disponível a partir de hoje em todas as plataformas digitais. A canção, que integra o álbum “Caravanas”, te…
Marcos Bagno:  Chico Buarque é dos maiores poetas jamais havidos e por haver em língua portuguesa. Sua recente “Tua cantiga” é uma aula completa de poesia lírica, na antiquíssima tradição que remonta à Galiza do século XIII. Como se não bastasse ser o poeta que é, ainda compõe música, reunindo as duas artes que, desde Homero, sempre estiveram juntas. Rimar “talvez” com “feliz” e “nega” com “cantiga”, alternando as vogais, é de uma inteligência decerto sublime demais para uma época doentia como a que estamos vivendo nesse país que caminha a passos rápidos rumo ao fascismo mais rasteiro. Perdão, Chico! Siga o conselho do velho Dante: “Non ragionam di lor, ma guarda e passa”. Essa gente hipócrita e irremediavelmente burra não merece o biscoito fino que você fabrica. Mas continue fabricando, por favor!
 
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
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