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O legado de Chico Mendes… no cinema

O legado de Chico Mendes… no cinema

A morte de Chico Mendes teve um efeito multiplicador imprevisto. Havia, no Acre, uma campanha contra ele movida pela imprensa, pela polícia federal, por políticos e por juízes. Por causa das consequências de sua ação no sentido de bloquear o financiamento da estrada até que ela atendesse requisitos de equidade social e ambiental, Chico era descrito como inimigo do progresso e vendido aos gringos norte-americanos…

Por Mauro Barbosa de Almeida 

Mas, depois que o New York Times anunciou o verdadeiro repto de Chico Mendes, isto é, a exigência de que estradas financiadas por dinheiro dos países ricos respeitassem o ambiente e os povos indígenas e tradicionais da Amazônia, ele saiu da obscuridade e virou pauta da TV Globo e dos principais jornais brasileiros.

Esse é o ambiente que os filmes Chico Mendes: Eu Quero Viver  e As Crianças da Amazônia  – exibidos durante a Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental – mostram e que explica um fato extraordinário: foram criadas, apenas em 1990, quatro reservas extrativistas com área de cerca de dois milhões de hectares, destinadas a povos e comunidades extrativistas – seringueiros e castanheiros – no Acre, em Rondônia e no Amapá. A Reserva Extrativista do Cachoeira, o estopim de sua morte, media cerca de trinta mil hectares. Vemos essa vitória no primeiro filme.

O seringal Cachoeira, cuja transformação em Reserva Extrativista foi o motivo imediato para a vingança de Darly, executada por seu filho, tornou-se um pedaço da grande Reserva Extrativista Chico Mendes, com um milhão de hectares, decretada em 14 de março de 1990, um ano e três meses após seu assassinato.

No outro extremo do Estado do Acre já havia sido criada, em 15 de janeiro, a Reserva Extrativista do Alto Juruá, com meio milhão de hectares, libertando quase mil famílias do sistema de barracões e formando um território contínuo de um milhão e meio de hectares, somadas as terras indígenas e os parques nacionais contíguos.

Outras reservas foram criadas em Rondônia, onde seringueiros e indígenas sofriam o impacto direto da estrada BR-364 e da colonização programada, e no Amapá, onde moradores da floresta eram esbulhados por um megaprojeto de plantações.

Trinta anos depois de sua morte, 94 reservas extrativistas integram o sistema nacional de Unidades de Conservação, abrangendo um território total de 15 milhões e 400 mil hectares, além de 381 Assentamentos Extrativistas no âmbito do INCRA, que somam cerca de 10 milhões de hectares. A morte de Chico não foi em vão.

Agora, vamos aos filmes!

O filme de Adrian Cowell é um episódio da série sobre os anos de 1980 – A Década da Destruição – dedicado à história de Chico Mendes. Começa com a repercussão do assassinato de Chico na capital dos Estados Unidos, cujo efeito foi trazer a figura do seringueiro para as manchetes de jornais e cadeias de televisão no Brasil.

Mas, como se deu que Chico fosse mais conhecido no estrangeiro do que no seu país? A explicação está na narrativa cronológica de Chico Mendes: Eu Quero Viver. Enquanto os vários episódios de A Década da Destruição narram os efeitos desastrosos da estrada BR 364 sobre a floresta amazônica, os povos indígenase o drama dos migrantes atraídos pela esperança de ganhar um lote de terra numa fronteira inóspita, o filme mostra que os habitantes invisibilizados dessa “terra sem gente” resistiam à destruição das florestas e de suas formas de vida. Mais que isso, conceberam uma alternativa à destruição.

Chico Mendes foi o porta-voz dessa alternativa para a floresta e seus povos. Como ninguém é profeta em sua terra, sua mensagem de importância universal foi violentamente combatida em seu estado natal, e ignorada em seu país – mas foi ouvida no mundo científico e nas discussões internacionais sobre os efeitos ambientais globais do “desenvolvimentismo” sem consideração pelo meio ambiente e pelos povos tradicionais.

“Quero viver” – pois Chico sabia que sua atuação no Acre para defender os modos de vida de seringueiros e de índios contra a derrubada de riquíssimas florestas em que viviam seringueiros e castanheiros e muitos povos indígenas trazia sobre ele uma sentença de morte. Como um protagonista de tragédia, Chico abrigava em si o conflito insanável entre duas forças opostas: o desejo de viver sua própria vida e a missão pública de salvar o direito de todos à vida.

As imagens de Chico Mendes mostram a alegria dele em sua vida familiar, e seu entusiasmo pela mensagem de uma alternativa para a Amazônia, e, ao mesmo tempo, sua clara consciência da conspiração para assassiná-lo.

Isso não é esforço de imaginação, porque acompanhei a trajetória de Chico Mendes na segunda metade da década de 1980 e no último ano de sua existência. Na última vez em que estive com ele em vida, em outubro de 1988, ele recebeu a notícia de mais um assassinato de um sindicalista seringueiro no Acre.

Sabia também de inúmeros indícios do plano em curso para assassiná-lo, que envolviam não só a família de Darly, cuja história pregressa de crimes no Paraná havia sido denunciada por Chico, mas também a polícia federal, juízes e empresários. Além disso, Darly e seu clã haviam sido diretamente atingidos pela criação da Reserva Extrativista de Cachoeira do seringal, por eles grilada.  Muitos desses detalhes permanecem ocultos do público sob segredo de justiça, mesmo após a condenação criminal de Darly. Chico recusou os conselhos para afastar-se temporariamente do Acre e salvaguardar sua vida.

A importância do documentário de Cowell é a descrição didática da conexão entre o extraordinário e imprevisível papel de um humilde seringueiro nos mais remotos confins da Amazônia e a paralisação do financiamento por parte do Banco Interamericano de Desenvolvimento – o BIRD – para estradas que visavam interligar o Atlântico ao Pacífico e que envolviam interesses de empreiteiras e de políticos com a geopolítica militar obcecada pela ocupação da Amazônia.

A resistência liderada por Chico Mendes é comparável à de Gandhi e à de Martin Luther King, em cujas táticas ele talvez tenha se inspirado. Suas táticas eram a ação pacífica de resistência contra a injustiça – o que no Acre chamam de empates. Essa palavra não tem o significado que tem no futebol. Ela vem do verbo empatar, que significa impedir uma atividade.

No caso, o empate é a ação que impede a derrubada de árvores por peões (diz-se no Acre: “empatar um namoro”, “empatar meu trabalho”);  os empates eram ações diretas de desobediência civil coletiva contra desmatamentos autorizados ilegalmente. Pacificamente, colunas de dezenas ou centenas de seringueiros dirigiam-se aos peões armados de motosserras e os convenciam a paralisar a derrubada das árvores centenárias que eram a fonte de vida para todos. O resultado do empate era – como no caso das ações de Gandhi e de Luther King – prisões e, nesse caso, também a apreensão dos instrumentos de trabalho e de caça dos seringueiros.

No outro extremo do Estado do Acre, a 600 quilômetros de distância do município de Xapuri, onde Chico Mendes conduzia seus empates, testemunhei, na mesma década de 1980, movimentos igualmente pacíficos de seringueiros contra abusos de patrões – que lá não visavam expulsá-los para criar gado, mas para explorar madeira ou para obrigá-los a pagar dívidas absurdas tomando suas pequenas economias na forma de uma vaca de leite ou de uma máquina de costura. Lá, um líder nessas revoltas contra a injustiça era Chico Ginu, neto de indígenas que, como dona Rita, mal falava o português.

Eis o traço extraordinário de Chico Mendes: conectar o desejo de vida e de felicidade de povos indígenas e de comunidades longamente adaptadas à vida na floresta a questões globais. Em 1988, tratava-se da conservação das florestas tropicais; em 2018, a conservação das florestas tropicais combina-se à mitigação das mudanças climáticas globais e ao futuro da biodiversidade e da diversidade de culturas e modos de vida.

Há personalidades que ocorrem raramente, mas que têm papel determinante no curso dos eventos. Chico Mendes não era apenas o ativista que conseguia conectar desejos locais de povos atingidos pela destruição com preocupações universais. Como traduzir essa visão em mudanças na legislação e nas ações políticas? Nisso, ele foi, como Gandhi e Luther King, um gênio político.

Antes de uma ação de resistência pacífica (e.g. contra impostos extorsivos ou contra o apartheid), tanto Gandhi como King mobilizavam correligionários dispostos a ir para a prisão e a imprensa para documentar o fato. Assisti pessoalmente Chico Mendes fazer o mesmo procedimento, no “empate da Bordon”, em 1986.

O papel da Bordon – proprietária de terras e de negócios de exportação de carne – aparece no filme de Cowell. O que falta dizer é o exemplo da tática criativa de Mendes: mobilizar seringueiros, mas também intelectuais urbanos, a imprensa, a igreja e os políticos para testemunhar a violência empregada contra moradores da floresta em um momento de perigo.

Chico Mendes entra em uma reunião em Rio Branco, capital do estado do Acre, e convoca os presentes para participar de um “empate de alto nível” – isto é, um empate no qual, além de seringueiros, estariam também jornalistas, acadêmicos, técnicos e intelectuais. Um grupo de pessoas contadas nos dedos de uma mão atenderam ao chamado de Chico, e se dirigiram ao local do “empate da Bordon”. Havia: um agrônomo, duas funcionárias do IBAMA, um fotógrafo, uma professora-sindicalista, um antropólogo… talvez mais.

Depois de muitos dias de caminhada por terrenos devastados por queimada, de encontros com moradores (alguns dos quais haviam vendido suas “posses” aos invasores, legitimando a destruição), e de encontros com grupos de peões com motosserras, as colunas do empate foram cercadas por tropas da polícia federal e conduzidas em fila indiana para Xapuri, sob a mira de fuzis.

Ao chegar a Xapuri, os dois grupos principais dirigiram-se ao IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – , órgão que havia autorizado o desmatamento. A coluna da qual eu participava foi proposta por Marina Silva. Chico Mendes estava em outra, com Osmarino e outros líderes, de modo que não sei se houve uma estratégia combinada. O fato é que os seringueiros conduzidos coercitivamente a Xapuri de fato ocuparam a sede do IBDF. Lá, os agrônomos que participaram do empate puderam constatar a ilegalidade da autorização para o desmatamento.

Havia talvez quarenta seringueiros e aliados urbanos na sede do IBDF. Como a ocupação era ilegal, esperava-se a ação da polícia. Chico Mendes, então, informa jornalistas, eclesiásticos e políticos da capital que eles eram 200 a ocupar a sede do instituto em Xapuri, ameaçados pelo cerco da Polícia Federal. Simultaneamente, envia um grupo de sindicalistas para o interior, para convocar seringueiros participantes de empates para afluir ao IBDF e completar o número anunciado.

No dia seguinte, de fato o IBDF estava cercado pela Polícia Federal e, de fato, havia o número anunciado de seringueiros – enquanto a cúpula religiosa, parlamentar e jornalística se reunia, num momento de tensão, no espaço da igreja. A conclusão desse evento: o desmatamento da Bordon foi neutralizado. O fato acima narrado ocorreu em 1986. Entretanto, o evento mais importante liderado por Chico Mendes seria a campanha para transformar a grilagem da Bordon – transferida para a criminosa família de Darly Alves – em uma Reserva Extrativista. Essa seria uma das ações que conduziria Chico à sua sentença de morte.

Não era só isso. Em Washington, a convite de Stephen Schwartzman, aliado de Mary Allegretti, o seringueiro denunciou junto a senadores o fato de que dinheiro público era utilizado para implantar caminhos de destruição da Amazônia e de povos indígenas e tradicionais. Chico hospedou-se em meu apartamento quarto-e-sala, na rua Veiga Filho, ao pernoitar em São Paulo antes de tomar o voo até Miami e Washington: sozinho, sem falar inglês, sem roupa para o começo do inverno e sem um tostão. Por pouco não foi devolvido ao Brasil, salvo por uma carta-convite do importante senador.

A consequência improvável dessa visita foi a suspensão do empréstimo do BIRD, até que fossem tomadas medidas de proteção ao meio ambiente e aos povos atingidos. Essa conexão dava a Chico importância internacional, ao mesmo tempo em que, no Estado do Acre, ele passava a ter como inimigos não só os fazendeiros bandidos da família de Darly, mas interesses maiores na estrada e na valorização das terras que elas representavam.

Enquanto a figura de Chico Mendes ganhava relevo no exterior como defensor das florestas e de seus habitantes, no Acre, fechava-se o cerco em torno dele,  cerco que acabaria com seu fim trágico na cozinha de sua humilde casa, na presença da família.

O filme de Cowell, na conclusão de seu triste retrato da década de 1980, adota um tom otimista. Em outubro de 1989, Collor ganhara as eleições presidenciais, derrotando Lula. Logo após tomar posse em 15 de março, Collor nomeou Adolf Lutzenberger, agrônomo amplamente conhecido na época como defensor radical do meio ambiente, como Secretário do Meio Ambiente. Lutzemberger anunciou, em agosto de 1992, que seriam criadas 20 milhões de hectares de reservas extrativistas nos cinco anos seguintes.

As imagens de Lutzemberger em encontros com Chico Mendes dão o tom final do documentário: “Depois de 10 anos, a maior destruição de matéria viva que o homem jamais perpetrou, esse parece o fim da Década da Destruição”. Lutzemberger foi demitido em 1992 e Collor renunciou ao mandato em dezembro do mesmo ano para escapar ao impeachment.

A Década da Destruição não terminou com Collor, mas a campanha internacional de Chico contribuiu para a preocupação mundial com a Amazônia e seus povos, expressa na Rio 92 e em acordos que se seguiram, incluindo apoios financeiros para a implementação das Reservas Extrativistas.

Crianças da Amazônia

Diferentemente da série de Adrian Cowell, que parte de eventos mundiais e trata da floresta vista do alto, por assim dizer, o filme de Denise Zmekhol vê a floresta de dentro e pelos olhos de crianças e da própria diretora.

Há o olhar de gente até agora invisível: índios e seringueiros, crianças e velhos.  Chico Mendes aparece à janela com sua esposa, Ilzamar (ao lado), e o filho Sandino (no destaque deste post) – que, na época, convém lembrar, necessitava de alimento especial, não encontrado em Xapuri. Ela tinha o encargo de apoiar a família nas ausências do marido.

No interior das remotas florestas do alto rio Juruá em 1981 – convertidas em Reserva Extrativista em 1990 – , ouviam-se gritos no escuro da noite. Eram seringueiros que percorriam, na madrugada, estradas de seringa; os gritos eram para espantar o medo na escuridão da selva.

Meninos e meninas já eram seringueiros e seringueiras aos dez anos de idade, e suas brincadeiras incluíam construir casas no quintal, caçar e pescar, fazer comida e tomar conta das crianças menores. Eles não falavam. Espiavam os estranhos. Não cruzavam a sala enquanto adultos conversavam. Denise se interessou pela timidez dessas crianças, cheias de curiosidade pelos visitantes. Lembro-me bem de que, enquanto eu mudava de roupa, havia sempre crianças a lançar olhares curiosos através dos vãos do assoalho de pranchas de cascas da palmeira paxiúba; eu as podia ver, lá embaixo, junto dos animais que pastavam o solo.

O filme de Denise é intimista e melancólico. Ele me lembra o livro do antropólogo Claude Lévi-Strauss, cujo título – Tristes Trópicos – é atravessado pela nota de entropia –  a perda progressiva e inevitável da diversidade natural e social. Os encontros das expedições de Rondon são dramáticos exemplos: o contato entre brancos e indígenas abre fluxos de machados, panelas e roupas entre esferas antes separadas, resultando, em primeiro lugar, na difusão de doenças para as quais os indígenas não possuíam imunidade. São preciosas as imagens de brancos entregando facões, espelhos e botas a índios Suruí sorridentes. Estes presentes traziam sarampo e outras doenças que matavam mais do que balas, e começavam pelos mais velhos e seus ensinamentos preciosos.

Os índios Suruí foram estuprados pela estrada, é o que nos diz hoje Júlio Barbosa, que na época era sindicalista sob orientação de Chico Mendes.

Às imagens do contato dos ameríndios – receptivos à diferença, como os tupinambás que receberam Cabral – seguem-se as consequências: a destruição biológica, a invasão de territórios ancestrais e a degradação de sistemas sociais e de modos de pensar únicos.

Na década de 1970, os índios tinham visibilidade, mas eram vistos como povos condenados à extinção no futuro próximo. Eram chamados de “vítimas do milagre”, título do impactante livro de um antropólogo norte-americano. Essa visão mudou na década de 1980, e um dos eventos que fez a diferença foi a Aliança dos Povos da Floresta, fruto do encontro de Chico Mendes e de Ailton Krenak. Desse encontro resultou uma visão positiva e esperançosa para o futuro da Amazônia e de outros ambientes habitados por “índios, seringueiros, ribeirinhos e mais um monte de gente sob uma só bandeira, um espaço acolhedor para a prática da parceria e da solidariedade”, nas palavras do próprio Aílton Krenak, em entrevista de julho de 2017.

Volto a Chico Mendes e a sua morte anunciada. Chico sabia que as lutas contra o desmatamento para criar o seringal Cachoeira teriam custo em sangue e que ele era o principal alvo. Em outubro de 1988, multiplicavam-se os indícios do complô para assassiná-lo. Denise conta que Chico, em outubro de 1988, lhe pediu para que filmasse seu enterro.

Em 22 de dezembro recebi, por telefone, quando estava de férias no nordeste, a notícia de que Chico havia sido assassinado. Ainda pude assistir ao funeral, cujo clima de tristeza e de revolta é captado nos filmes de Adrian Cowell e de Denise Zmekhol, que se utilizam dos mesmos registros da época. Ambos os filmes retratam bem a tristeza e a indignação com a estúpida morte anunciada.

Assista ao trailler do filme Crianças da Amazônia, abaixo:

ANOTE AÍ:

Mauro W. Barbosa de Almeida é Ph.D. em Antropologia Social pela Cambridge University. É Professor-colaborador (aposentado) no Departamento de Antropologia Social da UNICAMP. Participou da criação da reserva extrativista do Alto Juruá e é autor de A Enciclopedia da Floresta – O Alto Juruá: prática e conhecimentos das populações, em co-autoria com Manuela Carneiro da Cunha.

*Texto publicado originariamente no site da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental

Criada pela ONG Ecofalante em 2003, a mostra é o ponto de partida para seus projetos educacionais como o Programa Ecofalante Universidades, a Mostra Escola, exibições com debates e atividades de formação em Etecs, CEUs, Fábricas de Cultura, entre outras instituições culturais. Todos são desenvolvidos por meio de uma rede de parcerias com instituições que atuam nas áreas de meio ambiente, educação, cultura e mídia.
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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