Ciência e Tecnologia x Frentes Econômicas na Amazônia: Quem ganha?
No ano passado, o Ministério da Saúde destinou 17,2 bilhões de reais para o programa que financia “práticas integrativas e complementares” no Sistema Único de Saúde, o SUS. Recentemente, foram incluídas 10 novas dessas práticas, como bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, imposição de mãos, entre outras que não foram validadas por testes baseados em evidências científicas, segundo dados do Conselho Federal de Medicina. Esse valor é quatro vezes mais do que o orçamento de todo o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. O que sobra para aplicar em toda Amazônia não chega a meio bilhão de reais.
Por Lúcio Flávio Pinto
Considerando que a região abriga a maior floresta tropical do planeta, sua maior bacia hidrográfica, a maior fonte de biodiversidade e 5% da superfície da Terra, é o bastante para concluir que a ciência nunca acompanhará a expansão das frentes econômicas. Sempre virá depois que os pioneiros se instalam em pontos avançados da fronteira.
O maior programa científico em curso resulta do Fundo Amazônia. Em agosto, ele fará 10 anos. Até o final de 2016 (conforme o último relatório divulgado; o atraso já é uma informação crítica), o fundo recebeu 2,9 bilhões de reais, dos quais 97,4% são doações do governo da Noruega, a fundo perdido, sem retorno. Não há nada parecido na Amazônia. Talvez nem no Brasil.
Até o final do ano passado, os 96 projetos aprovados representavam um comprometimento de R$ 1,6 bilhão, mas apenas R$ 890 milhões foram liberados. O dinheiro está disponível, mas a gestão do projeto, a cargo do BNDES, é lenta, e faltam mais iniciativas.
A Noruega tomou a dianteira em favor de um fundo destinado a captar doações para investimentos não reembolsáveis “em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”. Também apoia “o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais”.
Todos esses bons propósitos foram manchados pelo comportamento de uma das maiores empresas norueguesas e europeias. Fica no Pará o maior investimento fora da Europa da Hydro, empresa na qual o governo da Noruega possui mais de um terço das ações. O investimento inclui uma mineradora de bauxita, uma refinaria de alumina e uma metalurgia de alumínio.
No dia 17 de fevereiro, num dos muitos dias de chuva forte desse período, as águas das drenagens do município de Barcarena foram tingidas de vermelho. Logo se constatou serem vazamentos de rejeitos da lavagem de bauxita. As investigações levaram à descoberta de pelo menos três canais de drenagem clandestinos de resíduos industriais contendo inclusive metais pesados, como o chumbo.
A Hydro negou tudo a princípio, mas teve que ir admitindo progressivamente que, de fato, era a lama vermelha tóxica (principalmente pelo uso de soda cáustica), que houve contaminação, que havia outras formas de drenagem e que os canais de despejo eram realmente ilegais. Só sustentou que a contaminação fora localizada e de baixo impacto.
A empresa se comprometeu a adotar um sistema de monitoramento e controle novo e completo, com investimento equivalente à verba federal anual de ciência e tecnologia na Amazônia e a mais da metade de tudo que o Projeto Amazônia já liberou para quase 100 projetos aprovados em 10 anos.
Afinal, só a Alunorte, a maior fábrica de alumina do mundo, onde aconteceu o acidente, faturou R$ 7,7 bilhões no ano passado. O valor equivale à renúncia fiscal aprovada pelo governo do Estado para beneficiar as atividades da empresa por uma década e meia. O apurar dos resultados dessa aritmética leva a um novo questionamento sobre quem tira mais vantagens nessa história toda.
ANOTE AÍ:
Lúcio Flávio Pinto – Jornalista. Sociólogo. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Matéria publicada originalmente no site Amazônia Real: http://amazoniareal.com.br/quem-ganha/