Conceição Evaristo: Cada vez mais o racismo brasileiro sai do armário

Conceição Evaristo: Cada vez mais o brasileiro sai do armário

“Cada vez mais o racismo brasileiro sai do armário”, diz

Ela é uma das grandes vozes da afro-brasileira contemporânea. Romancista e poeta, Conceição Evaristo lança em Paris Poèmes de la mémoire et autres mouvements ( de memória e outros movimentos, em tradução livre) e conversou com a RFI sobre racismo e a condição da negra na sociedade.

Por: Maria Paula Carvalho na RFI
A nova coletânea bilíngue publicada na França (Édition des Femmes, 2019) convida o leitor a uma profunda reflexão sobre o poder da transmissão, uma poesia que se baseia na escrita da , daquilo vivido pela autora. Um conceito que Conceição Evaristo utiliza como uma memória coletiva, no caso do , formada por séculos de escravidão, racismo e misoginia.

“Tudo o que eu escrevo, seja , poesia ou crítica literária, é sempre através da minha condição de mulher negra na sociedade brasileira. Uma condição que busca essa história coletiva. Essa experiência de ser uma pessoa descendente de povos escravizados no Brasil”, explica a autora.

Sucesso depois dos 70

Nascida em 1946 em uma favela de Belo Horizonte (MG), segunda de uma família de nove filhos, Conceição Evaristo começou a trabalhar muito cedo, aos 8 anos de idade, e só conseguiu terminar a escola com muito esforço.

Em seguida, ela se mudou para o Rio de Janeiro, onde fez carreira como professora. Os primeiros escritos da autora foram publicados na década de 1990. Em 2011, Conceição Evaristo concluiu o doutorado em Literatura Comparada.

“Na verdade, é quase aos 70 anos que os meus escritos passam a receber mais atenção. O primeiro lugar de recepção da minha obra foi o movimento social negro, militantes como eu que levaram esses textos para as escolas e pesquisas acadêmicas. E hoje o meu trabalho ganhou uma amplitude grande”, comemora.

As obras da escritora trabalham pela diversidade e igualdade, tanto na literatura quanto na sociedade, desconstruindo o mito da diversidade racial brasileira. “Pela nossa longa experiência, a racial no Brasil é um mito. Os negros sabem muito bem o cotidiano da falácia desse discurso”, afirma.

Uma das raras mulheres escritoras negras no Brasil, Conceição Evaristo lembra, por exemplo, que a porcentagem de negros no ensino superior é a metade dos brancos.

“Esses assuntos são tratados no Brasil por alguns segmentos sociais de maneira agressiva. Nós recebemos uma resposta por sermos negros conscientes. Nós temos dito que, cada vez mais, o racismo brasileiro sai do armário. Hoje há uma certa permissividade na sociedade para agredir o diferente ou as chamadas minorias. Os negros, mulheres, homossexuais têm sofrido ataques explícitos”, denuncia.

Racismo estrutural

“Nós temos um racismo estrutural nas instituições brasileiras”, diz Conceição Evaristo. E dá exemplos: “as mulheres negras são as que mais morrem de parto no Brasil, tem também os assassinatos de jovens negros, a maneira como a polícia trata as pessoas negras, isso tudo é explícito”, ressalva. “Mas passa, também, pelo racismo velado, ou seja, a maneira como você é olhada, ou se eu chego em um lugar para assinar um documento e me perguntam se eu sei escrever”, conta a autora de vários .

Os romances da autora já receberam inúmeros prêmios e são vendidos em dezenas de milhares de cópias no Brasil e no exterior. Seus livros foram traduzidos para diversos idiomas. Seu primeiro romance publicado na França foi L’Histoire de Poncia, em 2015, traduzido também para inglês e espanhol. Depois veio Banzo, mémoires de la favela, em 2016, e Insoumises, em 2018.

A violência urbana, a injustiça social e a miséria fazem parte do leque de assuntos abordados pela autora.

“É um papel de vanguarda e eu sempre chamo atenção para isso. Quando nós negros temos um papel diferenciado na sociedade, nós nos tornamos quase mitos. A exceção confirma a regra. Quando nós somos exceções em determinados espaços, podemos até nos sentir rejubilados, mas temos de perguntar que regras são essas na sociedade brasileira, através das quais os negros são exceções, ” pergunta.

Encontro com os leitores

Poemas de memória e outros movimentos é o primeiro livro de poesias de Conceição Evaristo em francês. A tradução foi feita por Rose Mary Osorio e Pierre Grouix. O prefácio da obra é assinado por Izabella Borges.

A autora estará na Maison de la Poesie, em Paris, no dia 3 de abril, às 19 horas. “Eu espero que tenha um público consistente. Eu espero que a gente possa falar sobre a poesia brasileira e essa poesia que tem essa especificidade, que nasce num lugar social diferenciado e que vem da experiência como mulher negra”, conclui.

Fonte: https://www.geledes.org.br/cada-vez-mais-o-racismo-brasileiro-sai-do-armario-diz-conceicao-evaristo/

 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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