Formosa: Consciência Negra celebrada no Colégio São José

Formosa: Consciência Negra celebrada no Colégio São José

O convite para voltar ao casarão centenário em tons de ocre do Colégio São José, na Praça Imaculada Conceição de Formosa,  onde, no ano da graça de 1974, recebi o honroso diploma de professora, me chegou via Facebook, por meio da mestra Shislei Sousa: “Contamos com você na nossa celebração do dia da Consciência Negra. Haverá artesanato, comidas típicas, e um concurso de turbante. Você será jurada,” resumiu a professora…

Manhã deste 25 de novembro, juntei minha mochila de revistas Xapuri e tomei o rumo do Colégio São José. Cheguei um pouco mais cedo, junto com o florista, que me conhece de algum lugar e teve a gentileza de perguntar pela minha saúde, e de me desejar muitas melhoras. Subi, com ele, as escadarias vermelhas da casa onde, por três anos, passei a maioria das minhas manhãs como estudante do curso Normal.

Na varanda que dá para o pátio, o tempo parece não ter passado: Nas jardineiras das imensas sacadas, as mesmas coloridas e deliciosamente aromáticas floradas de gerânios. No velho e limpo pátio, o mesmo burburinho de estudantes, os mesmos gritos, a mesma algazarra gostosa de crianças e jovens que, ali,  se formam para os desafios da vida adulta, desde a inauguração do Colégio São José, no ano de 1910.

 I MOSTRA DA CONSCIÊNCIA NEGRA 

À entrada do confortável salão de jogos onde aconteceu a I Mostra da Consciência Negra, Shislei me apresenta a Irmã Roseli. Baiana, bonita, firme e doce, a Irmã me explica o objetivo da Mostra: “Juntamos um pouco de tudo, a expressão artística dos estudantes nas pinturas, nas esculturas, nos textos, nas roupas e, principalmente, na construção do diálogo fraterno sobre os valores da cultura negra, tão importantes para o nosso país,” explica a Irmã Roseli.

Caminho com Irmã até a mesa dos convidados, que compartilho com a palestrante Ana Paula Lôbo, assistente social e atriz,  e com o jornalista Neusimar Coelho, da revista Alcance, meu colega de júri para o concurso dos turbantes. Enquanto as coisas vão se arranjando, estico prosa com a Irmã. Pergunto pelas mestras do meu tempo, Irmã Miriam, Irmã Margarida, Irmã Luzia. Conto que boa parte do Português que me serve hoje como jornalista aprendi  entre as broncas de Irmã Miriam, para sempre uma querida.

Soube, então, que  Irmã Miriam encontra-se acamada em Belo Horizonte, que  Irmã Margarida, mesmo com Alzheimer,  vive serena dando aulas imaginárias a seus estudantes do passado e que, das três, só Irmã Luzia segue firme, aposentada mas ajudando em tudo na casa de repouso que as irmãs mantém em BH. “Esse evento é também por elas, que sempre ensinaram que devemos ter consciência que todos somos iguais não só hoje, mas todos os dias”, completou Irmã Roseli.

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SOMOS TODOS IGUAIS

O tema da 1a Mostra da Consciência Negra foi “Somos Todos Iguais”. Organizada pela professora de artes Patricia Dayana dos Santos Lourenço,  os trabalhos da Mostra foram feitos pelas classes de alunos e alunas a partir de muita pesquisa, muito estudo e muita coordenação entre estudantes, professores e professoras.  O resultado? Uma expressiva mostra dos mais diversos dons artísticos: havia painéis de textos sobre personalidades negras do passado e do presente, máscaras feita em papel, barro e madeira, e quadros, muitos quadros.

Nas pinturas, o tema predominante de todos os diálogos da manhã: reflexões profundas sobre a cultura brasileira e, em especial, sobre a importância do debate sobre a Consciência Negra, expressadas no simbólico turbante. “Ao longo do ano letivo observamos que há entre nossos e nossas estudantes muita incompreensão e até mesmo muito preconceito sobre o turbante. Resolvemos, então, usar o turbante como palavra-chave para estruturar as atividades da Mostra”, explica a professora Patricia.

De fato, o turbante esteve presente em todos os detalhes da Mostra, do concurso de turbantes, aos belos quadros, à delicada bonequinha de pano que adornou a garrafinha artesanal,  literalmente repleta de flores e poesia, usada para a decoração das mesas e, ao final, como presente para as pessoas convidadas. Que sacada bacana, que simbolismo fantástico, e que gesto mais simpático, fiquei pensando enquanto dava um jeito de guardar esse belo mimo  que recebi da professora.

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O TURBANTE 

Coube à palestrante da Mostra, a atriz e assistente social Ana Paula Lôbo, fazer a apresentação do turbante:

Para muitos é o símbolo da cultura e beleza negra, mas é usado também pelos povos orientais desde muitos séculos, pensem: existe desde o ano de 570 DC e claro, faz parte da cultura africana e brasileira.

Existe desde os tempos remotos. É muito mais do que um simples pedaço de pano e anda aparecendo por todos os desfiles de moda. Além de um acessório prático, moderno, descolado, glamoroso, simples, chique, é uma ferramenta  de comunicação.

No oriente é um símbolo material que reforça consciência espiritual. É uma fronteira entre a fé e a descrença.

O turbante é também o principal  símbolo da fé Sikh, da religião monoteísta indiana. Nela, homens e mulheres não cortam os cabelos, e sim os envolvem no turbante.

Na África os tecidos enrolados no corpo fazem parte da cultura, e os turbantes fazem parte dessa indumentária completando o conjunto. Os turbantes são usados por mulheres e homens, fazendo parte da religião, do social e da moda, claro.

E os turbantes não são somente usados na cabeça. No corpo, nas costas, de várias maneiras.

No Brasil, o turbante é muito usado pelas baianas, além de o ser usado pelas mulheres negras. É símbolo de mulher batalhadora. É usado no candomblé, ubanda, religiões.

Vem fazendo moda com força total desde 1930, pelo estilista francês, Paul Poiret, que o introduziu na alta costura, fazendo literalmente a cabeça de mulheres sofisticadas e artistas como: Simone de Beavouir, e Greta Garbo. E claro, quem não conhece, a glamourosa Carmem Miranda, aqui no Brasil.”

 

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Talentosa, Ana Paula brindou a audiência de estudantes, educadores, mães, pais, convidados e convidados com um de seus belos poemas:

QUAL A CARA DO BRASIL?

Brasil, qual a sua cara

Saci Pererê

Boto Rosa

Curupira

Caiçara

Homem negrinho

De uma perna só

Safado e atentado

Mula sem cabeça

Assusta as crianças

Defende a natureza

Do homem mal

Quem é mais mal?

O homem ou o lobisomem?

Bicho feio/ da cara melada

De sangue/ da flecha armada

Da arma atirada

Índio aculturado

Selvageria / canibalismo

Negro/ sujo/ encardido/ safado

Europeu ajuizado

Branco/ limpo/ bonito/ assiado

Brasil, qual a sua cara

Saci Pererê/boto rosa/curupira/caiçara

Favela/ morro/ periferia / alfalto

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O DESFILE DE TURBANTES

Impossível decidir qual dos turbantes apresentados pelas alunas da professora Sisley era o mais bonito. Escolhemos, apenas porque havia que tomar uma decisão, os de número 5, 10 e 15 como os três primeiros lugares do Concurso. Mas, na verdade, todos estavam lindos e todas as meninas merecem os parabéns pela graça, pela participação, pela criatividade. Parabéns!

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OS MIMOS DA GARRAFINHA MÁGIGA

Junte-se: Uma garrafinha de vidro branca, dessas bem lindinhas; um pedaço de renda colado no capricho; uma bonequinha de pano bem negra, bem fofinha; uma linda flor de fios de lã e, ao lado dela, outra florzinha bem delicada, feita de fita.

Ponha-se tudo junto e, dentro da garrafa toda enfeitada, coloque-se dois poemas, feitos por estudantes do Colégio São José. Taí o mais original dos presentes, esse que nos foi dado na I Mostra da Consciência Negra do Colégio São José de Formosa.

A garrafinha, claro que vai ficar aqui comigo, bem guardadinha. Os poemas, por serem lindos de viver, compartilho aqui com vocês.

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SOMOS TODOS IGUAIS

Brancos, amarelos, negros

Ingleses ou Africanos

Se no final é do coração

Que vem a expressão

Para que da discriminação?

O mundo com alegria

Não é sinônimo

De falta de harmonia

Nem de culturas oprimidas

Mas sim de de mãos unidas

O respeito cabe a todos

Independente de religião ou cor

Com diferentes modos

Mas o que vale é o amor

A cultura se faz uma

Mesmo sendo muitas

As diferenças nos unem numa

Única cultura, aliás,

Somos todos iguais!

Ana Luiza Florêncio e Bruna Silva Neves – Fundamental II

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SOMOS TODOS IGUAIS

Ah! O meu Brasil brasileiro

Em algum momento

Perdido no tempo

Assemelhou-se

Com aquele

Que chamamos

África

Quem dera! Isso seria bacana

Quem sabe foi na capoeira

Ao lado de um pé de cana

Ou foi na cozinha?

Onde o azeite de dendê

Entrou em sintonia

Ou foi na moda?

Da jovem menina

De turbante amarelo

De jarra na cabeça

Ou foi no sonho?

Do pequeno menino

De sonhos tão pequeninos

Ou foi quando Zumbi

O Quilombo dos Palmares deixou?

É, parece que a África nos influenciou!

Lauren Zolimann Menges –Fundamental II

As fotos desta matéria (exceto pelos gerânios e pela garrafinha de lembrança)  são do professor Mateus Kryszczun Dalla Rosa, do Colégio São José.

O convite para que eu pudesse ter o privilégio de participar da I Mostra da Consciência Negra foi uma sugestão de minha neta Flor Maria, que estuda no Colégio São José.

Gratidão imensa a toda a equipe do Colégio São José por essa manhã de muitas memórias e imensas alegrias.

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https://xapuri.info/ziriguiduns-preconceito-apropriacao-cultural/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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