Antes de entrarmos propriamente no tema deste artigo, a COP 21, é importante que resgatemos a origem da Conferência das Partes (COP), o órgão máximo da Convenção do Clima, que é um tratado internacional que visa estabilizar as emissões de gases de efeito estufa, de origem antrópica.
A Conferência de Estocolmo, na Suécia, realizada em junho de 1972, foi o primeiro evento mundial sobre meio ambiente que trouxe, de maneira global, o debate da destruição ambiental e seus impactos na vida no planeta.
Exatos 20 anos depois, em junho de 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92).
A Rio-92 resultou em sete documentos oficiais, são eles:
A Carta da Terra; a Declaração de Princípios sobre Florestas; a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Agenda 21; e três convenções sobre Biodiversidade, Desertificação e Mudanças Climáticas.
Iniciou-se, então, um ciclo com 21 encontros anuais desde a COP 1, realizada em Berlim, em 1995, seguida por Genebra, em 1996, e em Quioto, no Japão, em 1997, onde se criaram as bases para o Protocolo de Quioto, que entrou em vigor em 2005, sem, no entanto, que Estados Unidos e China – os maiores poluidores – o ratificassem.
Já no ano de 2009, na COP 15, sob o frio de Copenhague, na Dinamarca, a esperança de um possível acordo também foi frustrada. E assim, de fracasso em fracasso, sobrou para a França um último suspiro que servisse como um sopro de continuidade das negociações da Convenção, que além de tudo, gera grande movimentação financeira, especialmente nos países sede.
Foi com esse espírito de “temos que ter um acordo” que a 21ª Conferência das Partes foi realizada de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2015, em Paris, e resultou em um acordo adotado pelos 195 países membros da Organização das Nações Unidas.
Alguns destaques sombrios do acordo
Limitar a temperatura média muito abaixo dos 2º C, criando as condições necessárias para que se mantenha em 1.5 º C, tendo como base os níveis pré-industriais é muito vago para um acordo de tamanha envergadura.
Isso implica que cada parte (país) se compromete a cumprir suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, que estabelecem o quanto cada nação deve reduzir de suas emissões. No entanto, num balanço global, as metas definidas pelos países ultrapassam, e muito, os 2º C, o que levará a muitas negociações ao longo dos próximos anos, para que sejam mais ambiciosas essas metas.
No que se refere ao financiamento, caberá às nações desenvolvidas aportarem recursos de 100 bilhões de dólares anuais para as nações em desenvolvimento aplicarem em mitigação e adaptação em seus países. Mas também este valor está muito aquém de atender às demandas de nações que lutam contra o tempo.
O acordo decepciona ainda no que se refere à governança. Governos e corporações beneficiam-se mutuamente, créditos de carbono se fortalecem enquanto moedas de troca, demais interesses privados incidindo sobre a vida dos povos sem a participação desses atores estratégicos, que expressam os interesses da maioria da sociedade. No texto, trabalhadores, povos indígenas, movimentos sociais, questões gerais relacionadas aos direitos humanos não estão no centro das decisões do acordo, mas nos “considerando”, “levando em conta”, “reconhecendo”, ou seja, fora do que é legalmente vinculante.
A participação brasileira
Para que tenha havido um acordo em Paris, o governo brasileiro (maior delegação da COP) teve papel protagonista, sobretudo por liderar o grupo mais polêmico, que discutiu o complexo tema das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, um dos gargalos e pontos de discórdia. A abordagem deixou claro que todos são responsáveis pela vida na Terra, mas as nações desenvolvidas contribuíram mais ao aquecimento até aqui que as em desenvolvimento.
No entanto, essa influência e reconhecimento da atuação da diplomacia brasileira não foram suficientes para assegurar que os setores mais impactados das sociedades estivessem como parte vinculante do acordo, constando apenas do preâmbulo/anexo, tanto no texto brasileiro (INDC) quanto no acordo internacional. Assim, caberá ao Brasil e a cada país comprometer as principais fontes das emissões de gases de efeito estufa para que realizem as reduções necessárias, de modo a assegurar que meios para a mitigação e adaptação das mudanças climáticas cheguem aos setores mais impactados.
As lutas cotidianas dos povos
Paralelamente ao processo oficial, inúmeras manifestações dos movimentos sindical e socioambiental ocorreram em Paris. Foram seminários, assembleias, reuniões diárias convocadas pela Central Sindical Internacional, Central Sindical das Américas, pelo Grupo Carta de Belém, que a CUT integra, composto de organizações da sociedade civil e que luta contra a mercantilização da natureza e pela justiça ambiental. Houve também manifestações de rua, ainda que inibidas pelos recentes ataques terroristas.
O novo acordo exigirá ainda maiores mobilizações. A CUT, a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores estiveram contundentemente cobrando do governo brasileiro o apoio às suas posições na defesa dos interesses da classe trabalhadora e na perspectiva de que, tanto na execução das CNDs brasileiras quanto no acordo global, os povos ocupem o lugar de centralidade que lhes é devido.
Melhor um acordo ruim ou nenhum acordo?
Essa pergunta permeou vários dos debates realizados pelo movimento sindical e social. Um acordo que não corrigisse as tortuosas trilhas do aquecimento global por aqueles que o causaram, estaria fadado a ser um acordo ineficaz.
Um bom acordo deveria oferecer soluções aos principais impactados, garantindo uma transição justa para os trabalhadores e as comunidades, afinal, para além da resiliência que já lhes é exigida, muitos pagam com a própria vida uma conta que nunca lhes pertenceu.
A pergunta título segue em aberto, mas há que se considerar também que sem um acordo (ainda que longe de ser o ideal) também não se estabelecem as possibilidades de financiamento para que muitos países, sobretudo africanos, latinos, insulares e centroamericanos, reúnam condições de enfrentamento aos gravíssimos impactos das mudanças climáticas. Nessa correria contra o tempo, os recursos dos países desenvolvidos devem significar no mínimo um maior apoio a muitos países em situação de vulnerabilidade.
Vânia Viana
Ambientalista