Quem Cuba pensa que é?
A notícia que chega de Cuba é que o país se prepara para garantir vacina gratuita aos latinos americanos, no primeiro trimestre de 2021, preferencialmente àqueles dos países mais pobres, que não terão como comprar a vacina.
É uma notícia, obviamente, assustadora, dilacerante e que deixa a humanidade engasgada, perplexa, sem saber como reagir. Como assim, com o mundo inteiro se preparando para uma orgia financeira dos laboratórios privados, para um orgasmo da bolsa de valores, vem Cuba sugerir dar de graça?
De onde saiu Cuba pra contrariar a lei basilar do modo de produção capitalista, que transforma tudo em mercadoria: gente, sabonete, vacina; que submete toda e qualquer produção à tarefa de gerar lucro antes e acima de qualquer outra coisa?
Quem Cuba pensa que é?
Essa lógica de anunciar gratuidade é quase um acinte, um murro no nariz de quem só respira a teoria do valor, é uma decepção pras escolas, pras igrejas, pras universidades, pras famílias e fere de morte a saúde mercadoria, os planos espúrios e mortais de saúde, a proposta de saúde seletiva que não tem nenhum pudor de deixar os mais pobres morrerem à míngua.
Cuba, com esse gesto, sinaliza pra um mundo em que as coisas sejam produzidas para atenderem as necessidades humanas, que as pessoas não sejam meio e sim, fim; que a vida humana tenha valor e sentido.
Cuba segue, apesar das infinitas dificuldades, sendo essa espécie de insônia para todo e qualquer império ; e é um choque de esperança ou de enigma para essa parte da América, tão secularmente espoliada, trucidada, vilipendiada.
Avante, Cuba!
Cuba, que linda és Cuba!
Aldir Nestor
Fonte: WhatsApp
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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