O Estado brasileiro tem o respeito à intimidade como princípio e a democracia como método para realização de direitos.
O Parlamento brasileiro tem sua existência fundada na representação popular, logo, na existência e trânsito de símbolos, práticas e saberes que contemplam a diversidade, o exercício da cidadania.
Hoje estamos assistindo ao recrudescimento religioso e fundamentalista ameaçar a laicidade do Estado brasileiro. É histórica a justificativa fraudulenta de violência contra a mulher baseada no uso de suas vestimentas e não na realidade machista e patriarcal em nossa sociedade, que concebe a mulher como propriedade doméstica aos interesses do homem.
Por outro lado, a vestimenta não se restringe a uma questão estética, mas, sobretudo, constitui uma condição identitária ou de localização social dos cidadãos e cidadãs. Ademais, precisamos pensar que representantes de diversos movimentos sociais, como quilombolas, índios, seringueiros, pescadores artesanais, quebradeiras de coco babaçu e agricultores familiares, bem como estudantes e trabalhadores, que frequentam diariamente os edifícios da Câmara dos Deputados, utilizam camisetas, tênis, calças jeans, sandálias e vestimentas não convencionais, se considerado o chamado padrão code dress. As exigências de padrão de vestimenta irão afastar dos debates decisórios atores importantes da sociedade.
A proposta do code dress que tramita na Câmara dos Deputados tenta impor padrões culturais e de controle sobre as mulheres por meio da vestimenta. A imposição de um código para a vestimenta fere a liberdade individual e, além disso, tal iniciativa fere a autonomia das mulheres sobre seu corpo, remetendo a concepções ultrapassadas de que a mulher é portadora de pecado.
É preciso destacar também que a veste dos senhores parlamentares não é elemento definidor de sua ética ou de seu decoro, nem tampouco da ética ou do decoro de qualquer cidadão ou dos servidores e servidoras da Casa.
Por isso, qualquer tentativa de uniformizar a diversidade estética e identitária da população brasileira deve ser repudiada. Toda tentativa de, a partir do discurso do decoro, impor detalhes de vestimenta como comprimento das saias, tamanho do decote, transparência dos tecidos, cores de tênis etc, deve ser repudiada. Não se medem a ética ou o decoro pelo tamanho da saia, vestido ou decote.
Decoro no Parlamento deve ser concebido pela postura ética, pela defesa da laicidade do Estado, pela luta permanente para garantia de direitos de minorias políticas, como as mulheres. E não no cerceamento de direitos historicamente conquistados.
Se os parlamentares desejam garantir austeridade e respeitabilidade ao Poder Legislativo, não será por meio de medidas constrangedoras, conservadoras e moralistas, será por meio da construção e aprovação de propostas necessárias e prioritárias para o bem da sociedade brasileira.
Há temas em trâmite no Congresso Nacional extremamente relevantes, nas diferentes áreas de políticas públicas, que estão a demandar decisão. Há também propostas diretamente relacionadas à moralização de nosso sistema político, como as regras de financiamento das campanhas eleitorais. Tem-se na pauta do Legislativo o déficit orçamentário a ser solucionado. Dessa forma, há inúmeros e complexos problemas que devem preencher a agenda do Congresso.
Portanto, parlamentar, cuide do seu decoro, que eu cuido do meu decote.
Yvone Magalhães Duarte
Integrante do Movimento Estratégico pelo Estado Laico (MEEL)