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Carnaval: a maior alegria do mundo

Carnaval: a maior alegria do mundo

O Carnaval é uma festa muito antiga, que nasceu na Europa, mas cresceu e ganhou formas no Brasil. Do que foi lá no seu começo, há vagas lembranças em livros históricos e em nomes de personagens que ainda são usados, mas foi aqui que se incorporaram os ritmos, danças e alegorias que fazem dele o maioral do mundo. Gera um mar de alegria e movimenta rios de dinheiro.

Por Jaime Sautchuk

A “Ala das Baianas”, quesito obrigatório nos desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro, evidencia essa coloração pindorama na festa. É uma referência ao samba de roda dos ajuntamentos de negros da Bahia, das quebradas do Pelourinho ao Recôncavo, da Maracangalha dos antigos canaviais aos quilombolas da Chapada Diamantina. Está ali a origem do samba.

O folclorista potiguar Luis da Câmara Cascudo aponta a folia do “Entrudo”, de Portugal, como a verdadeira origem do Carnaval brasileiro. A brincadeira de rua incorporada pelos escravos, dos morros e sobrados cariocas aos canaviais do Pernambuco, virou uma festa de congregação cultural e social, em muitos casos.

Embora haja registros da prática do Entrudo desde o século 17, sua manifestação mais generalizada, misturado com outras festas europeias, em especial na Itália e na França, se deu a partir do início do 19. Eram desfiles urbanos, onde os carnavalescos usavam máscaras e fantasias.

Seus personagens, como a colombina, o pierrot e o Rei Momo, foram incorporados ao Carnaval brasileiro. O deus Momo, em verdade, representava o Divino Espírito Santo em rituais de origem africana.

Toda essa movimentação foi magistralmente retratada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret nos anos que passou no Brasil (1817–1831).

PLEBE E NOBREZA

Muita gente da elite na corte imperial considerava o Entrudo uma festa suja e violenta, embora a maioria dos senhores liberasse os escravos pra folia. E ali, de fato, valia tudo. Afinal, a origem do nome se refere aos três dias que antecedem a quaresma, mas também ao fato de os participantes entrarem nas rodas de rua, lojas de comércio, bares, casas, em tudo.

Os entrudos melavam seus corpos e cabeças com ovos, farinhas, talco, gomas de vários tipos e saíam pelas ruas jogando tudo isso, mais frutas podres e muita água de cheiro, em quem estivesse pela frente. Batiam desordenadamente em tambores e no que tivessem à mão. E gritavam o que viesse à cabeça, que muitos não queriam ouvir.

As elites refinadas de origem portuguesa ou já nativa fazia o mesmo tipo de festas, mas em recintos fechados, como clubes e teatros. Usavam máscaras em vez das massas, e jogavam pós e papéis picados, que viraram os nossos confetes e serpentinas.

Mas essa segregação nem sempre ocorria. Um exemplo era dado pelo próprio imperador Dom Pedro II, que gostava de marcar presença em festas populares, na maioria religiosas, até porque todas veneravam a “realeza”. Ele foi visto mais de uma vez se aproximando de entrudos e jogando ovos podres e talos de verduras nos outros. No país inteiro, muitas vezes as festas se misturavam e virava uma grande fuzarca, com entrudos de todas as faixas sociais.

O NASCIMENTO

Por causa disso, talvez, na década de 1850 houve um grande movimento no Rio, puxado pela imprensa, contra os entrudos. Foi num crescendo e, antes do período momesco de 1854, a festa foi proibida, dando lugar a um evento mais “organizado e civilizado”, segundo os jornais.

Como tudo que ocorria na capital repercutia no resto do país, pesquisadores apontam 1854 como o ano de surgimento do Carnaval Brasileiro. O primeiro desfile do Carnaval carioca que hoje conhecemos foi realizado no ano seguinte, pelo grupo Congresso de Sumidades Carnavalescas. O primeiro hino, Ó abre alas, de Chiquinha Gonzaga, foi às ruas em 1899.

A confraria congregava gente dos palácios, funcionários públicos e intelectuais, que usavam máscaras, jogavam talco e seguiam algumas carruagens enfeitadas, que mais tarde viraram os carros alegóricos.

As músicas eram as mesmas marchas-rancho que tocavam antes, nos bailes fechados. Muitos grupos (blocos) populares seguiam o cortejo. Outros se espalhavam pelas cidades, como ainda hoje ocorre. Brasil afora, além dos carnavais oficiais, as ruas são tomadas por blocos soltos ou pipocas, como os baianos chamam os foliões desgarrados.

As escolas de samba do Rio nasceram já no século 20, no modelo atual, colocando a gestão de sua atividade nas mãos da comunidade, servindo de exemplos a outros estados. Antes, os corsos de carrões conversíveis é que tomavam as ruas da cidade. E as músicas eram marchinhas, que deram lugar ao samba.

A primeira escola surgiu na década de 1920, criada pelo sambista Ismael Silva, e se chamava Deixa Falar (hoje Estácio de Sá). O primeiro concurso de desfile foi em 1929, com a participação de outra pioneira, a Vai Como Pode, hoje Portela. A partir de 1930, no governo de Getúlio Vargas, o funcionamento dessas entidades foi regulamentado.

Contudo, ainda no século anterior, o Carnaval ganhava configuração própria em cada uma das províncias, a divisão territorial que antecedeu os estados. Mas os bailes em clubes continuaram a existir em todas as partes e, a rigor, ainda hoje são realizados no Brasil inteiro.

Nas ruas, a Bahia já misturava essa nova festa com os afoxés, manifestações de origem africana, que hoje formam enormes blocos, como Filhos de Gandhi, Ilê Ayê e Olodum, com mais de 5 mil figurantes cada. Em Pernambuco, o frevo tomava as ruas do Recife, e o maracatu, as de Olinda. Na Amazônia, o carimbó ocupava as capitais e cidades do interior.

No país inteiro, o Carnaval já começava também a invadir o período da quaresma. Em Corumbá, hoje Mato Grosso do Sul, por exemplo, o domingo após o Carnaval era reservado ao “enterro dos ossos”, destinado ao rescaldo de festas (comer e beber o que sobrou). Isso durou até a década de 1930, quando, por pressão da Igreja Católica, deixou de ser realizado.

O Carnaval estendido, pra frente e pra trás, hoje é comum em todo o país. Em Salvador, alguns trios elétricos saem na quarta-feira de cinzas, e o arrastão instituído por Carlinhos Brown entre os bairros do Farol da Barra e Ondina se estende por vários dias.

No Distrito Federal, um bloco de garçons, ocupados durante o Carnaval, arrasta gente pelas ruas na quarta. E nas cidades onde há concursos de escolas de samba, a apuração da votação no desfile é feita dias depois, e vira festa até bem depois da quarta-feira.

Em quase todas as capitais e cidades de médio porte, o Carnaval começa até duas semanas antes do normal. São eventos batizados com os mais diversos nomes, mas todos com a mesma finalidade de começar logo a festa, que chega a durar uns quinze dias, em muitos lugares.

Este ano, em São Paulo, o som carnavalesco ganhou largos e praças já em 24 de janeiro, véspera do aniversário da cidade. Num dos pontos, milhares de pessoas se juntaram ao trio elétrico de Daniela Mercury e, ao ritmo do axé, pularam por horas a fio.

ECONOMIA

No começo, os carnavalescos bancavam sua alegria. Com o tempo, o Carnaval passou a ser um evento que movimenta bilhões de reais. A começar pela ajuda que os governos estaduais e municipais, em geral, reservam nos seus orçamentos de cultura, lazer e turismo. Mas vai muito além.

A geração de empregos durante o período, em atividades ligadas diretamente à festa, é de cerca de 250 mil vagas, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços Terceirizados e Trabalho Temporário (Asserttem).

Os empregos são principalmente na área de serviços, desde os trabalhos em cozinhas, transporte e vendas, até segurança. É incalculável, porém, o número de pessoas que atuam de forma indireta, na hotelaria, em bares, restaurantes, quiosques de rua, guiagem de turistas, atendimento de saúde, aluguel de carros e casas de particulares.

As escolas de samba, trios e blocos de rua também conseguem boa renda com a cessão de espaço publicitário em seus carros, equipamentos e vestimentas, ou com o tema desenvolvido. Por exemplo, se uma escola de São Paulo, digamos, sai com uma exaltação a um setor industrial, a associação daqueles empresários estará bancando os custos do desfile.

As escolas, especialmente as do Rio e de São Paulo, mantêm suas estruturas em funcionamento o ano inteiro, em atividades educacionais, artísticas e de preparação do próximo Carnaval. Na capital paulista, essas entidades são ligadas a torcidas organizadas de clubes de futebol, o que amplia seu leque de ação.

Na Bahia, o Carnaval sempre foi solto na rua, até 1950, quando os músicos Dodô e Osmar resolveram colocar alto-falantes sobre um fordeco que eles tinham, dando origem aos trios elétricos que, ainda hoje, dividem os espaços com os blocos de rua mesmo, todos livrando um bom dinheiro com a venda de abadás, que credenciam os compradores a “pular” dentro da corda do seu grupo.

E também tem o turismo. As estimativas oficiais são de que, nos últimos anos, foram realizados cerca de 10 milhões de deslocamentos no país. O Rio recebe mais de um milhão de turistas, brasileiros e estrangeiros. Salvador e Recife vêm logo a seguir, com perto de 700 mil visitantes cada.

Em 2016, a rede hoteleira do Rio de Janeiro, de Salvador, Recife e outros centros fecharam 100% de suas vagas desde meados de janeiro. No período, cada hotel reforça em pelo menos 40% seu quadro de funcionários e cobra seus preços sem os descontos normais no setor.

Seja qual for sua origem, portanto, o que se pode dizer é que Carnaval é uma festa brasileiríssima. Uma festa democrática ao extremo, que ignora credos, cores e posses, unindo o país inteiro no riso e na alegria.

Pura felicidade.

Jaime Sautchuk  (in memoriam). Jornalista. Fundador, junto com Zezé Weiss.  da Revista Xapuri. Faleceu em 14 de julho de 2021. Matéria publicada originalmente no Carnaval de 2020. 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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