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Sementes da diversidade

Xingu: Mulheres indígenas lideram coleta das sementes da diversidade

Por Tatiane Ribeiro

Coletores do Território Indígena do Xingu contribuem cada vez mais para o fortalecimento da Associação Rede de Sementes do Xingu

A semente percorre um longo caminho até se tornar . As que são coletadas pelos que vivem no Território Indígena do Xingu (TIX), no Mato Grosso, percorrem uma jornada ainda maior até chegarem nas mãos dos restauradores. Ao longo de oito anos, com o engajamento e coletivo, cerca de nove toneladas das sementes comercializadas pela Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX) foram coletadas e beneficiadas pelas mãos desses povos indígenas.

A Rede de Sementes, em dez anos de atuação, se consolidou como a maior rede de comercialização de sementes nativas do país e os indígenas são parte importante desta . Hoje são cinco etnias que trabalham com a coleta dentro do TIX: Kawaiwete, Wauja, Matipu, Yudja e Ikpeng, que correspondem a 40% dos coletores da Rede.

Sementes da diversidade
Coletoras Yarang buscando sementes de carvoeiro, nas imediações aldeia Moygu, no Território Indígena do Xingu|Guaíra Maia-ISA

¨Esse é um trabalho muito bom para nós e cada vez mais as lideranças querem fazer parte. Participamos porque estamos preocupados com o futuro dos rios¨, afirma Tariaiup Kayabi, coletor da aldeia Samaúma.

¨A diversidade de atores, entre indígenas, agricultores familiares, técnicos e produtores rurais é de suma importância para a consolidação da Rede e os indígenas são parte essencial nessa articulação. A presença desses povos dentro da Rede é essencial para agregar diversidade e também enriquecer os resultados socioambientais obtidos¨, afirma Dannyel Sá, assessor da ARXS no TIX desde 2012.

Costurando a Rede

As reivindicações das lideranças do TIX por ações que ajudassem a cuidar da água do rio Xingu impulsionaram a criação da a Campanha Y Ikatu Xingu em 2004. A campanha, cujo objetivo era promover a recuperação de áreas degradadas nas cabeceiras do Xingu, gerou uma demanda por sementes nativas para a restauração, o que promoveu o nascimento da Rede, em 2007.

Os grupos indígenas do TIX começaram a participar no ano seguinte, em 2008. As aldeias Tuba Tuba, do povo Yudjá, Moygu, do povo Ikpeng, e Ilha Grande e Tuiararé, do povo Kawaiwete, foram as primeiras a fazer entregas de sementes. ¨A Rede trouxe muitas informações para gente olhar mais esse lado das mudanças com o tempo, tudo que a gente acompanha e sempre passamos isso para as outras etnias também que nos pergunta como é¨, conta Tawaiku Juruna, coletor da aldeia Tuba Tuba.

O respeito às especificidades e dinâmicas de cada povo é essencial para o funcionamento da Rede. A construção de novos procedimentos e dinâmicas operacionais é acompanhada pela formação contínua dos associados. ¨O raciocínio acumulativo para a formação do estoque de coleta ou atentar-se a coleta somente das espécies e quantidades do pedido não é algo natural para eles. Esses entendimentos são absorvidos aos poucos por meio do apoio técnico e das oficinas, fortalecendo cada grupo¨, explica Aline Cristina Ferragutti, analista de desenvolvimento socioambiental da ARSX.

¨No começo os mais tradicionais não aceitavam entregar sementes para quem desmatou mas depois a maioria passou a entender que era para o nosso próprio benefício¨, comenta Tariaiup. Atualmente há uma lista de espera de comunidades que querem participar da Rede mas a estrutura da organização ainda não consegue absorver todas.

Representatividade feminina

As representam cerca de 70% do total de coletores indígenas do TIX. A participação delas se fortaleceu ao longo dos anos e teve maior destaque no último encontro anual da ARSX que aconteceu em junho, em São Félix do Araguaia.

Sementes da diversidade
Makawa, liderança do Movimento de Mulheres Yarang|Cláudio Tavares-ISA

¨Aos poucos começamos a fazer parte da coleta e os homens passaram a ficar com a função de indicar as matrizes. Por conta da nossa habilidade também somos responsáveis pelo beneficiamento e armazenamento das sementes¨, conta Makawa Ikpeng, liderança do Movimento de Mulheres Yarang, da aldeia Moygu.

Com o incentivo da equipe, 25 puderam participar do encontro, muitas pela primeira vez, como é o caso da Duyarifu Yudja. ¨Eu não ligava muito para isso de coletar as sementes mas passei a observar a importância que estavam dando para esse trabalho. Eu fico muito feliz de participar dos encontros de fora e trocar as experiências com outros grupos¨, conta.

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Grupo de coletores da aldeia Kwaryja, do povo Kawaiwete, Território Indígena do Xingu|Cláudio Tavares-ISA

Aline pontua que além de fazer o manejo das sementes as mulheres começaram a ocupar funções de gestão organizacional e financeira dos grupos. ¨Começamos a nos interessar mais por essa parte porque os homens compravam coisas para eles e nós queríamos trabalhar para comprar coisas que nós precisamos¨, explica Kunhacatu Kawaiwete. O grupo da coletora, da aldeia Tuiararé, recebeu Menção Honrosa no quesito organização durante o último encontro.

Autonomia e soberania

As dinâmicas de gestão dos núcleos coletores do TIX tem particularidades intrínsecas à cada povo e podem ser diferentes também de aldeia para aldeia. A organização e tomada de decisões sobre assuntos próprios como avaliação, de coleta, gestão financeira, entre outros são realizadas pelos coletores, em conjunto com os caciques e lideranças e seguem orientações do Plano de Gestão do TIX .

Um dos acordos que rege a atuação do núcleo, por exemplo, é a decisão de não comercializar sementes de árvores nativas que só existem dentro do TIX ¨É uma das maneiras que encontraram de proteger o genético do TIX¨, explica Dannyel.

A renda proveniente da comercialização das sementes é utilizada pelos coletores para compra de produtos pessoais e comunitários. Para Tariaiup, essa renda é importante porque ajuda a manter muitos jovens nas aldeias que estavam se mudando para as cidades para trabalhar em outras áreas.

Talita Wauja é uma dessas jovens coletoras que entrou há um ano na Rede.¨Eu aprendo muitas coisas novas com esse trabalho. Participar da Rede para mim é muito importante porque consigo aprender coisas novas, trocar experiências. A minha intenção é me aprofundar cada vez mais para melhorar as entregas a cada ano¨, afirmou.

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Oficina de pesos e medidas realizada pela Rede de Sementes do Xingu na aldeia Piyulaga, dos Wauja|Dannyel Sá-ISA

Ganha-ganha

Para Dannyel, um dos mais importantes benefícios que os indígenas recebem ao participar da Rede é a transformação da relação com o que acontece no entorno do território. ¨O fato de entender como a Rede funciona e aprender questões sobre a padronização das sementes para comercialização, por exemplo, é um exercício constante de diálogo que os aproxima da realidade que acontece do lado de fora e está diretamente ligada ao futuro das comunidades”.

Claudia Araújo, diretora da ARSX, pontua que os produtores rurais que compram sementes da Rede ganham em visibilidade por fomentar uma cadeia da sociobiodiversidade que também integra os povos indígenas. ¨Trabalhamos com sementes de alto valor socioambiental agregado por conta da questão geográfica que envolve o território não só indígena mas do do Mato Grosso com um todo e pela diversidade de culturas”, conta.

Para o futuro, Bruna Ferreira, também diretora da ARSX, acredita que a Rede pode incluir novas aldeias na composição do núcleo, mas para isso é preciso observar o comportamento do mercado. ¨Esperamos que nós próximos anos exista uma clareza melhor sobre qual é a demanda do mercado para a Rede poder crescer e assim ampliar o número de coletores indígenas e não indígenas”.

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Grupo de coletores da aldeia Kwaryja, do povo Kawaiwete, Território Indígena do Xingu|Cláudio Tavares-ISA

A ARSX em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) lançou em 2017 uma publicação que detalha o trabalho realizado pelo núcleo coletor do TIX. O ¨Sementes Nativas que Conectam o Xingu¨ traz textos e imagens produzidas pelos próprios indígenas além dos tipos de sementes produzidas por cada povo.[Clique aqui para baixar a publicação]

ANOTE AÍ

Fonte: Instituto Socioambiental

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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