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De Ângela Mendes para Davi Yanomami

De Ângela Mendes para Davi Yanomami: 30 Anos, e cá estamos!

De Ângela, filha do , para Davi Yanomami: 30 Anos, e cá estamos!

Caro Davi,

Sim, querido companheiro de luta do meu pai, lá se vão mais de 30 anos… Tanto chão ele percorreu, tantos sonhos ele sonhou, e cá estamos nós, firmes na luta,  trabalhando muito para honrar a memória e manter vivo o legado de Chico Mendes!

De lá pra cá, você sabe, Davi, muita coisa mudou e coisa mudou e muita coisa permaneceu igualzinho!

Do que avançou, tem conquistas importantes como as Reservas Extrativistas Florestais e Marinhas que garantem a vida, a , a e a dignidade de milhares de famílias e asseguram a preservação de mais de 66 milhões de hectares de florestas e um tanto de manguezais e litorâneos e suas muitas formas de vida.

Do que ainda permanece  igual,  você sabe que seguem as , os conflitos pela posse da terra e do território e a contra lideranças indígenas e extrativistas, agora fortalecida pelo parlamento brasileiro e sua bancada ruralista endinheirada que tem retirado direitos duramente conquistados por esses nossos povos.

Por mim, que, como você disse, nasci semente e tenho compromisso com o DNA que carrego, como Coordenadora do Comitê Chico Mendes e membro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) tento fazer uma ponte entre os sonhos e a dura realidade que ainda precisa ser mudada.

Te conto que no ano passado criamos um Núcleo Jovem no Comitê Chico Mendes, baseados na Carta Aos Jovens do Futuro que o Chico deixou e onde fala do sonho de ver uma Revolução Socialista protagonizada pelos e pelas jovens desta geração de 2020, estamos trabalhando nisso e precisamos que a juventude  do mundo todo leia esta carta e que seja tocada por ela.

Também, seguindo a trilha que você e meu pai traçaram junto com outros companheiros e companheiras, penso  que precisamos fazer uma Aliança dos e das Jovens da Floresta, onde jovens indígenas e extrativistas se unam e façam essa Revolução armados apenas com o amor por essa floresta e a vontade de mudar o mundo, assim como o Chico fez!!!

Gratidão por sua mensagem e por seu carinho. Seguimos firmes na caminhada!

Angela Mendes

Chico Mendes 7

Angela Mendes escreveu esta nota em resposta à mensagem de Davi para as filhas e filho de Chico Mendes, publicada pela Xapuri. Veja a mensagem de  Davi Yanomami – grande líder da floresta, em depoimento a Zezé Weiss para o Vozes da Floresta, Ed. Xapuri, 2010. A data (20 anos) foi ajustada no texto (30 anos), que em todo o resto continua exatamente como no depoimento original, gravado em Boa Vista, Roraima, no primeiro semestre do ano de 2008.

Davi revista cultFoto: Revista Cult

Davi Yanomami: Mensagem para as filhas e filho de Chico Mendes 

Faz quase 30 anos que Chico Mendes, nosso amigo, morreu. E eu deixo uma mensagem para os filhos do Chico Mendes. Deixo o pensamento positivo que o pai deles tinha. Desejo que os filhos do Chico Mendes sejam tão bons como o pai que eles tiveram.

Os filhos devem seguir o caminho do pai, continuar a luta do pai. Pegar a mesma bandeira. Os filhos do Chico Mendes devem lembrar sempre do sonho de seu pai; não devem se esquecer de quem são filhos. É preciso mostrar de onde partimos aonde vamos chegar. Não pode negociar, enfraquecer, nem esmorecer na luta.

Não tem dinheiro que pague um pedaço de floresta. Os filhos do Chico Mendes não são índios, mas são nap+pe (não-indígenas) da floresta. Os fazendeiros sãos os besouros grandes que cortam a floresta. Os mineradores são o tatu grande que faz buraco e destrói. São como tatu-canastra – os mineradores, com unhas grandes, cavando lá no fundo em busca das riquezas da terra.

Nós, lutadores, nunca vivemos e nem morremos sozinhos. Nós confiamos em nossos líderes. O Chico já viveu e, agora, el cuida de nós. Nós, homens da floresta, somos frutos da terra, da força da natureza.  Eu sou fruto, meu pai era fruto. Eu sou semente de  meu pai. Semente do meu povo. Os filhos do Chico Mendes são sementes que devem continuar a luta.

Quero convidar o Sandino, filho caçula do Chico Mendes, e a Angela e a Elenira, filhas do Chico, para nos unirmos contra a destruição da floresta. E estender minha mensagem em nome do meu povo Yanomami para todos aqueles que lutam pela natureza no Acre e na Amazônia.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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