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Prisão Preventiva

Direitos Humanos: Sobre o abuso do uso da prisão preventiva

Ultimamente tem-se visto um abusivo uso da decretação de prisão preventiva apenas e tão-somente para tornar uma investigação em um ato espetaculoso, saciando a “sede” da mídia e daqueles que vivem em um tempo em que tem saudade da repressão desmedida, como se isso fosse resolver todos os problemas da sociedade.

Óbvio que até por falta de capacidade e conhecimento, não pretendo elaborar um estudo aprofundado da questão. No máximo, quiçá, com o uso de alguns textos já produzidos para defesas penais em que atuamos, faço uma ligeira compilação de posições doutrinárias que merecem destaque, até porque esquecidas ou marginalizadas no atual momento político/judiciário que atravessa o país.

Vê-se um abuso não só por parte de Órgãos do Ministério Público ao requererem a prisão preventiva por qualquer motivo, mas, muitas vezes até para “conseguirem provas” inexistentes, mesmo com todo o arcabouço investigativo de que dispõem (quebras de sigilos telefônicos, fiscais, bancários etc.).

Assim,  a decretação da prisão preventiva, também pelo judiciário, ao acolher os “argumentos” do MP e decretar as prisões com fundamentos vagos ou, até, sem qualquer fundamentação idônea, passa a ser abusiva.

 Em primeiro lugar, cabe discutir a aplicação da “medida odiosa” da prisão preventiva, como a denomina o ilustre professor TOURINHO FILHO[1], quando fala que “o art. 312 do CPP alude a quatro circunstâncias permissivas da medida odiosa”.

Para o ilustre processualista, a prisão preventiva deve ser usada com cautela e somente quando for para “assegurar  a aplicação da lei penal” e a “preservação da instrução criminal”, conforme se vê do excerto abaixo:

De todas as prisões processuais, a que se reveste de maior importância é a preventiva. Dentre as circunstâncias que a autorizam, as consistentes em ‘assegurar a aplicação da lei penal’ e a ‘preservação da instrução criminal constituem a pedra de toque de toda e qualquer prisão provisória. Sem exceção. As demais, ‘garantias da ordem pública e da ordem econômica’, desenganadamente, não. Sem embargo, como as leis ordinárias e o direito pretoriano as aceitam, compete-nos apenas comentá-las, sem contudo aceitá-las como legítimas.[2] (Destacamos).

Aliás, a melhor doutrina não tem nenhuma dúvida em atacar de forma dura e contundente o instituto da prisão preventiva, como violador do princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade. Neste sentido PINTO[3], in verbis:

La aplicación de una pena sólo puede darse luego de un debido proceso que declare la culpabilidad del acusado, y por ello la prisión preventiva sólo puede darse en supuestos excepcionales para evitar riesgos procesales tendientes a lograr la realización del juicio y la posible aplicación de una pena.

La alarma social, el orden público, la peligrosidad de un sujeto y la posible comisión de delitos en el futuro no pueden constituir la finalidad de la prisión preventiva. Resulta esencial comprender, según la postura que se sigue, que el Estado no puede prevenir la posible comisión de delitos con el dictado de detenciones preventivas.

El fascismo no tuvo frenos para el uso y el abuso de la prisión preventiva como medida de seguridad procesal, en cuanto “necesaria para la defensa social” e indispensable siempre que el delito haya causado una “grave alarma pública”. Si se acepta el criterio de preservar a la sociedad de los sujetos “peligrosos”, que pueden cometer eventualmente delitos en el futuro, y están “acusados” de un delito, la medida de coerción es una ejecución anticipada de pena sin juicio previo, al disponerse en su trámite.

Los jueces de esta forma se convierten en una suerte de policías al aplicar la prisión preventiva con fines policiales para evitar que los sujetos “peligrosos” cometan ilícitos potenciales. Debemos concordar con Beccaria en que el peligro de fuga del acusado y el riesgo de alteración de pruebas es el fundamento de la prisión preventiva. [4] (Destacamos)

Claus Roxin [5], o penalista alemão, um dos maiores da atualidade, por sua vez, embora admita a prisão preventiva somente o faz com as mesmas ressalvas já transcritas mais acima, como se vê abaixo:

  1. La prisión preventiva en el proceso penal es la privación de la libertad del imputado con el fin de asegurar el proceso de conocimiento o la ejecución de la pena. Ella sirve a tres objetivos: 1. Pretende asegurar la presencia del imputado en el procedimiento penal. 2. Pretende garantizar una investigación de los hechos, en debida forma, por los órganos de la persecución penal. 3. Pretende asegurar la ejecución penal.
  2. Entre las medidas que aseguran el procedimiento, la prisión preventiva es la injerencia más grave en la libertad; por otra parte, ella es indispensable en algunos casos para una administración de justicia penal eficiente.

El orden interno de un Estado se rebela en el modo en que está regulada esta situación de conflicto: los estados totalitarios, bajo la antítesis errónea Estado-ciudadano, exagerarán fácilmente la importancia del interés estatal en la realización, lo más eficaz posible, del procedimiento penal. En un Estado de Derecho, en cambio, la regulación de esa situación de conflicto no es determinada a través de la antítesis Estado-ciudadano; el Estado mismo está obligado por ambos fines-aseguramiento del orden a través de la persecución penal y protección de la esfera de libertad del ciudadano-.

III. Con ello, el principio constitucional de proporcionalidad, exige restringir la medida y los límites de la prisión preventiva a lo estrictamente necesario[6]. (Destacamos)

O professor ZAMBRANO PASQUEL[7], ex-Ministro da Suprema Corte do Equador, no mesmo artigo em que cita a transcrição acima, por sua vez, afirma, ainda, que:

Los límites racionales para el encierro preventivo pueden encontrarse en planteamientos como: 1. Su excepcionalidad, de manera que la libertad se siga respetando como principio. 2. Su fundamento únicamente en la probabilidad de autoría y participación o riesgo de fuga o de entorpecimiento en la búsqueda de la verdad. 3. Evitar que la prisión preventiva produzca un mayor daño que la amenaza de la pena por respeto al principio de proporcionalidad. 4. La subsidiariedad, vale decir que se evite en lo posible el encarcelamiento. 5. Su limitación temporal, de manera que enervados los indicios que permitieron fundar una presunción de responsabilidad se disponga de inmediato su revisión y la cancelación de la medida de aseguramiento preventivo.[8] (Destacamos)

Se alguns doutrinadores admitem a prisão preventiva, outros a combatem frontalmente e de forma cabal e definitiva, como é o caso de FERRAJOLI [9] quando afirma que:

Examinarei no parágrafo 41.3, dedicado às garantias processuais, as implicações da presunção de inocência como regra de juízo. Aqui é necessário reafirmar sua importância como regra do imputado: precisamente, pretendo sustentar a ilegitimidade e a inadmissibilidade que esse instituto já central na experiência processual contemporânea impõe à prisão preventiva do imputado antes da condenação.

…Em suma, ainda que em nome de ‘necessidades’ diversas, por vezes invocadas cada qual como exclusiva – somente o perigo de fuga, só o risco da deterioração das provas, ambos esses perigos juntos, ou simplesmente a gravidade do delito em questão e a necessidade de prevenção; ou ainda conjuntamente os perigos de natureza processual e os de natureza penal – a prisão preventiva acabou sendo justificada por todo o pensamento liberal clássico.

A consequência dessa esboçada legitimação foi que a prisão preventiva, depois do retrocesso autoritário e inquisitório da cultura penal oitocentista, arraigou-se profundamente em todos os ordenamentos europeus, estando presente nas cartas constitucionais, consolidando-se nos códigos e estendendo-se nas práticas até atingir as bem conhecidas dimensões patológicas hodiernas.

A perversão mais grave do instituto, legitimada infelizmente por CARRARA e antes de tudo por PAGANO, foi a sua mutação de instrumento exclusivamente processual destinado à ‘estrita necessidade’ instrutória para instrumento de prevenção e de defesa social, motivado pelas necessidades de impedir que o imputado cometa outros crimes.

É claro que um argumento como esse, fazendo pesar sobre o imputado uma presunção de periculosidade baseada unicamente na suspeita da conduta delitiva, equivale de fato a uma presunção de culpabilidade; que, além disso, atribuindo à prisão preventiva as mesmas finalidades e o mesmo conteúdo aflitivo da pena, serve para privá-la daquele único argumento representado pelo sofisma segundo o qual ela seria uma medida ‘processual’, ‘cautelar’ ou até mesmo ‘não penal’, ao invés de uma ilegítima pena sem juízo.

…Por fim, uma Lei [italiana] de 12 de agosto de 1982 incluiu entre os pressupostos do mandado de prisão facultativa, ao lado do perigo de fuga e de deterioração das provas de beccariana memória, aquela ‘periculosidade’ social do imputado ‘relativa às exigências de tutela da coletividade’ que nem mesmo o Código Rocco havia previsto abertamente.

A transformação da custódia preventiva de medida processual em medida de polícia ficava desse modo cumprida.(…) A debilidade dessa posição precária, revelada incapaz de impedir o desenvolvimento patológico da prisão sem juízo, é de fato a mesma que corrompeu a posição iluminista: a incoerência com a proclamada presunção de inocência mascarada pelo patético sofisma do caráter não penal do instituto.

Os princípios ético-políticos, como os da lógica, não admitem contradições, sob pena de inconsistência: podem despedaçar-se, mas não se inclinam à vontade; e uma vez admitido que um cidadão presumido inocente pode ser encarcerado por ‘necessidade processual’, nenhum jogo de palavras pode impedir que tal fato também se dê por ‘necessidade penal’. Sob esse aspecto tinha razão MANZINI: ‘E, afinal, de que inocência se trata?… E então por que não se aplica o princípio com todas as suas consequências lógicas? Por que não abolir a prisão preventiva?.

(…) É esta provocação de MANZINI que devemos estar em condições de acatar, sob pena de reduzir a presunção de inocência a um inútil engodo, demonstrando que o uso desse instituto, antes ainda do abuso, é radicalmente ilegítimo e além disso apto a provocar, como a experiência ensina, o esvaecimento de todas as outras garantias penais e processuais

Penso, ao contrário, que a mesma admissão em princípio da prisão ante iudicium, qualquer que seja o fim que se lhe queira associar, contradiz na raiz o princípio de submissão à jurisdição, que não consiste na possibilidade de detenção apenas por ordem de um juiz, mas na possibilidade de sê-lo só com base em um julgamento.

Além disso, toda prisão sem julgamento ofende o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de força e de arbítrio. Não há de fato qualquer provimento judicial e mesmo qualquer ato dos poderes públicos que desperte  tanto medo e insegurança e solape a confiança no direito quanto o encarceramento de um cidadão, às vezes por anos, sem processo. (…)

A pergunta que devemos tornar a levantar é então se a custódia preventiva é realmente uma ‘injustiça necessária’, como pensava CARRARA, ou se, ao invés, é apenas o produto de uma concepção inquisitória de processo que deseja ver o acusado em condição de inferioridade em relação à acusação, imediatamente sujeito à pena exemplar e, acima de tudo, não obstante as virtuosas proclamações em contrário, presumido culpado. (…)

Quais são, então, se elas existem, as ‘necessidades’ – e não meras conveniências – satisfeitas pela prisão sem juízo?  Já falei sobre a manifesta incompatibilidade, reconhecida pela doutrina mais atenta, entre o princípio da presunção de inocência (ou ainda só o de não culpabilidade) e a finalidade de prevenção e de defesa social, que inclusive depois da entrada em vigor da constituição uma vasta fileira de processualistas continuou associando à custódia do acusado enquanto presumido perigoso.

Restam as outras duas finalidades: a do perigo  de deterioração das provas e a do perigo de fuga do acusado, já indicadas por BECCARIA e reconhecidas como únicas justificações da doutrina e da jurisprudência mais avançadas.

Certamente ambos esses argumentos atribuem ao instituto finalidades estritamente cautelares e processuais. Mas isso é o bastante para considerá-los justificados? São as duas finalidades processuais, em outras palavras, realmente legítimas e, ainda, não desproporcionais ao sacrifício imposto pelo meio de as atingir? Ou, ao contrário, não existem meios do mesmo modo pertinentes mas menos gravosos tornando ‘desnecessário’ o recurso à prisão sem processo?

… (Destacamos)

As lições do doutrinador italiano são claras, contundentes e firmes no sentido de questionar a legitimidade da prisão preventiva, que não tem sustentação  em um Estado efetivamente de direito, onde impera o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade que, ao final do firme arrazoado, propõe um “processo sem prisão preventiva”.

Outro pensador que questiona de forma contundente o instituto da prisão preventiva é o maior penalista latino-americano da atualidade, o professor e Ex-Ministro da Suprema Corte da Argentina, Eugenio Raul Zaffaroni. Diz o conceituado penalista a respeito da questão[10]:

La cuadratura del círculo en la interdisciplinariedad del derecho penal y el procesal la da la prisión preventiva. El preso preventivo (o preso sin condena) sufre una prisionización cuya naturaleza para unos es procesal y para otros penal. (a) Para las teorías procesalistas, no es pena sino una medida de coerción procesal semejante al embargo en el proceso civil. Cabe observar que el embargo produce un daño patrimonial reparable en bienes de igual naturaleza (si el accionante sin derecho debe reparar el perjuicio causado por el embargo), pero la prisionización no puede repararse en bienes de igual naturaleza, pues nadie puede restituirle un pedazo de vida al indebidamente preso.

Los argumentos usados para legitimarla desde lo procesal (no hay presunción sino estado de inocencia; la justifica la prohibición constitucional de proceso en rebeldía: etc.) se evidencian de escaso convencimiento. (b) Las teorías sustantivistas admiten que se trata de una verdadera pena anticipada y así han pretendido legitimarla los positivistas y los nazis (Garófalo, con su grosero autoritarismo entre los primeros; la legislación nazi y sus defensores entre los segundos, también algunos italianos especialmente fascistas).

Pero también se abre camino un sustantivismo liberal, que admite el carácter de pena para destacar su incompatibilidad con el principio de inocencia. Son cada vez más los autores que asumen esta posición. En realidad, no hay forma de legitimar la prisión preventiva, fuera de los pocos casos y en forma reducida, en que constituye una verdadera coerción directa administrativa (se la impone para evitar una violencia o un conflicto mayor).

Fuera de estos pocos supuestos, es una pena más deslegitimable que las impuestas formalmente al cabo del proceso. Es bastante claro que funciona como pena, que así la manejan los tribunales, y que la mayoría de los presos de nuestro país y de América Latina no están condenados. Los esfuerzos por reducirla no siempre son sanos, porque muchas veces se cae en el juicio sumarísimo, violando todas las garantías procesales, cuando no importando verdaderas extorsiones para los más indefensos (se le ofrece la posibilidad de optar entre un juicio rápido y aceptar una pena reducida o ir a un juicio formal; esta es la forma en que los Estados Unidos tienen pocos presos en prisión preventiva: los condenan sin juicio).

A este respecto, también la legislación procesal federal debe operar como marco mínimo frente a las legislaciones provinciales, aunque esto no se respeta y la jurisprudencia es titubeante. Por lo menos se ha reiterado la jurisprudencia que establece la inconstitucionalidad de los llamados delitos inexcarcerables.[11]

O festejado mestre espanhol, MUÑOZ CONDE[12] escrevendo sobre a questão dos presos preventivos da Espanha deixa muito claro que essa é uma questão insuportável, do ponto de vista penitenciário. Diz o respeitado pensador espanhol: “la prisión preventiva es, pues, una lacra del sistema penitenciario, con todos los inconvenientes de la pena privativa de libertad y ninguna de sus ventajas.”[13]

Ou seja, como se viu largamente acima, a doutrina, no máximo, admite a prisão preventiva de forma bem estrita, quando houver risco de fuga ou de manipulação de provas, quando isso efetivamente for possível e quando as provas não tiverem sido recolhidas com as buscas e apreensões e com depoimentos de testemunhas ou “delatores” tornados públicos ou publicizados por interesses outros que não os de uma efetiva justiça, sem que, no entanto, nenhuma delas admita, nem por hipótese, a aplicação da prisão preventiva baseada na “periculosidade” do investigado ou, mesmo, na possibilidade de que venha a cometer outros crimes.

A melhor doutrina, a mais atual, no entanto, sequer admite a possibilidade da prisão preventiva que, na verdade, é uma violenta agressão ao princípio da presunção da inocência e/ou da não culpabilidade.

O art. 312 do CPP põe, claramente, quais são os requisitos para a a decretação da prisão preventiva:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Esse dispositivo não prevê, por exemplo, a periculosidade como requisito para a prisão e ele nada tem a ver com “garantia da ordem pública”, pois isso feriria o princípio constitucional da presunção de inocência e/ou da não culpabilidade. Entender que pelo crime cometido, e somente por ele, o indivíduo já demonstra a pretensa “periculosidade” e, com isto uma possível perturbação da ordem pública é considerar que qualquer acusado ou investigado terá de ser preso preventivamente, pois nenhum crime é um “ato pacífico”. Vai ser, sempre um ato violento, a menos que seja na modalidade culposa.

O que se vê hoje, à larga, é a aplicação  do “princípio da culpabilidade presumida”, ou seja, qualquer investigado por um crime doloso será, em princípio, a seguir a prática usual no momento presente, seja por parte do MP, seja por parte do Judiciário, um “perigo” para a ordem pública.

Também não prevê o mesmo art. 312 do CPP que a possibilidade de cometimento de outros delitos seja suficiente para fundamentar idoneamente o decreto de prisão preventiva.

Para o decreto de prisão preventiva, que deve ser fundamentado, não basta o “achismo” ou a pretensão de “previsão de ação futura” por parte do Juiz. Deve dito decreto estar embasado em fatos concretos, não em suposições ou “possibilidades”.

A esse respeito, podem-se citar alguns julgados recentes do e. STF e STJ:

Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE EM ABSTRATO DO DELITO. QUANTIDADE DA DROGA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

  1. Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria, mais a demonstração de um elemento variável: (a) garantia da ordem pública; ou (b) garantia da ordem econômica; ou (c) por conveniência da instrução criminal; ou (d) para assegurar a aplicação da lei penal. Para quaisquer dessas hipóteses, é imperiosa a demonstração concreta e objetiva de que tais pressupostos incidem na espécie, assim como deve ser insuficiente o cabimento de outras medidas cautelares, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal, pelo qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319 do CPP).
  2. Hipótese em que o juízo de origem lastreou sua decisão tão somente na gravidade em abstrato do delito, circunstância categoricamente rechaçada pela jurisprudência da Suprema Corte. 3. A pequena quantidade da droga apreendida torna desproporcional a decretação da prisão preventiva. Precedentes.
  3. Motivação que extrapola o conteúdo do decreto prisional não se presta a suprir a carência de fundamentação nele detectada.
  4. Habeas corpus concedido.

(HC 135250, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 13/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-208 DIVULG 28-09-2016 PUBLIC 29-09-2016)

EMENTA: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE NOVO DECRETO DE PRISÃO NO QUAL MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR ANTERIOR. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RISCOS À ORDEM PÚBLICA, À INVESTIGAÇÃO E À INSTRUÇÃO CRIMINAL E À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO. ORDEM CONCEDIDA.

  1. A Segunda Turma deste Supremo Tribunal consolidou entendimento no sentido da possibilidade de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário (HC n. 122.268, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 4.8.2015; HC n. 112.836, de minha relatoria, DJe 15.8.2013; e HC n. 116.437, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 19.6.2013).
  2. A superveniência de novo ato constritivo não limita o exercício da competência do Supremo Tribunal Federal na apreciação de habeas corpus impetrado contra o primeiro decreto de prisão quando o novo título prisional não tiver fundamentos diversos do decreto de prisão originário. Precedentes.
  3. Os fundamentos utilizados para decretar e manter a segregação cautelar não se revelam idôneos pois não baseados em circunstâncias concretas relativas ao Paciente, mas na gravidade intrínseca do delito.
  4. Ordem concedida para deferir liberdade provisória ao Paciente até o julgamento final da ação penal à qual responde na Primeira Vara Criminal do Foro de Sorocaba/SP.

(HC 130780, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 06/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 21-09-2016 PUBLIC 22-09-2016)

Na esteira de incontáveis precedentes desta Corte, a prisão cautelar é invariavelmente excepcional, subordinando-se à demonstração de sua criteriosa imprescindibilidade, à luz dos fatos concretos da causa, e não em relação à percepção do julgador a respeito da gravidade abstrata do tipo penal. Desse modo, o possível cometimento do delito, só por si, não evidencia “periculosidade” exacerbada do agente ou “abalo da ordem pública”, a demandar a sua segregação antes de qualquer condenação definitiva. (HC 359.375/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 14/10/2016) (Destacamos)

O  decreto  prisional carece de fundamentação idônea. A privação antecipada  da  liberdade  do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter  excepcional  em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar  embasada  em  decisão  judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de  um  ou  mais  pressupostos  do  artigo 312 do Código de Processo Penal.

Exige-se,  ainda,  na  linha  perfilhada pela jurisprudência dominante  deste  Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime.

No caso, a decisão singular não apontou qualquer dado concreto, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal, a respaldar a restrição da liberdade do recorrente; somente faz referência às elementares do tipo  penal e à gravidade abstrata do delito. Constrangimento ilegal configurado. Precedentes. (RHC 74.689/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 30/09/2016)

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DESCRITO NO ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.826/2003. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE  INDICAÇÃO  DE  ELEMENTOS  CONCRETOS  SUFICIENTES  A JUSTIFICAR A MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA.

  1. A prisão  cautelar  da  liberdade,  que  constitui  providência qualificada  pela  nota de excepcionalidade, somente se justifica em hipóteses  estritas,  não podendo se efetivar, legitimamente, quando ausente   quaisquer   dos   fundamentos  legais  necessários  à  sua decretação pelo Poder Judiciário.
  2. In casu, existe manifesta ilegalidade, pois a custódia provisória foi imposta pelo  Magistrado  primevo  e  mantida em segundo grau, essencialmente,  pela  mera presunção de periculosidade do paciente, pelo  fato  de  estar portando uma arma, desmuniciada, em um bar, na companhia  de Paulo – acusado da prática do crime de roubo com outro agente  (não  o  ora paciente) -, além de mera menção dos requisitos legais  previstos  no  art.  312  do  Código  de Processo Penal, sem nenhuma indicação de fator real de cautelaridade.
  3. Ordem concedida,  confirmando  a liminar, para revogar a prisão preventiva  decretada  em  desfavor  de Rodrigo Freitas Rosa, se por outra  razão não estiver preso e ressalvada a possibilidade de haver decretação  de  nova  prisão, caso se apresente motivo concreto, bem como  determinar  ao  Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e Júri da comarca  de  Mogi  das  Cruzes/SP  que  aplique  medidas  cautelares diversas  da  prisão  previstas  no  art.  319 do Código de Processo Penal.

(HC 367.019/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 15/09/2016)

Poder-se-ia continuar transcrevendo julgados no mesmo sentido, mas os acima bastam, embora achemos que, tais julgados dão sustentação a uma tese “menos nociva”, mas também inaceitável vez que, na verdade, embora possua previsão legal, defendemos, como FERRAJOLI e ZAFFARONI que a prisão preventiva é absolutamente descabida em qualquer hipótese, pois não é possível acatar-se que com os mecanismos de monitoramento atualmente existentes o Estado não seja capaz de prevenir a possível evasão ou a atuação no sentido de tentar alterar provas por parte de um réu – e somente se já for réu, ou seja, se já tiver denúncia acolhida pelo Judiciário -, o que torna despicienda a medida que é, sim, PENA sem julgamento, sem processo, sem ampla defesa, violando tanto o princípio da Presunção de Inocência – tudo bem, “relativizado” em recente decisão do e. STF, mas nem por isso passível de ser acolhida, exatamente porque decisão inconstitucional da Corte Suprema, mas isto é assunto para outro texto – quanto o do devido processo legal, ambos direitos fundamentais, obviamente.

Comentando a permissão da prisão preventiva sob o manto da “garantia da ordem pública” o mestre TOURINHO FILHO[14] afirma o seguinte:

“Comoção social”, “perigosidade do réu”, “crime perverso”, “insensibilidade moral”, “os espalhafatos da mídia”, “reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão”, “credibilidade da Justiça”, “idiossincrasia do Juiz por este ou aquele crime”, tudo, absolutamente tudo, se ajusta àquela expressão genérica “ordem pública”. E como sabe o Juiz que a ordem pública está perturbada, a não ser pelo noticiário? Os jornais, sempre que ocorre um crime, o noticiam.

E não é pelo fato de a notícia ser mais ou menos extensa que se caracteriza a “perturbação da ordem pública”, sob pena de essa circunstância ficar a critério da mídiaNa maior parte das vezes, é o próprio Juiz ou o órgão do Ministério Público que, como verdadeiros ‘sismógrafos’, mensuram e valoram a conduta criminosa proclamando a necessidade de ‘garantir a ordem pública’, sem nenhum, absolutamente nenhum elemento de fato, tudo ao sabor de preconceitos e da maior ou menor sensibilidade daqueles operadores da Justiça. E a prisão preventiva, nesses casos, não passará de uma execução sumária.

Decisão dessa natureza é eminentemente bastarda, malferindo a Constituição da República. O réu é condenado antes de ser julgado. E se for absolvido? Ainda que haja alguma indenização, o anátema cruel da prisão injusta ficará indelével para ele, sua família e o círculo de amizade.” (Destacamos)

Essa linha de posicionamento é, também adotada no e. STF, conforme se vê abaixo:

Habeas corpus. 2. Roubo (art. 157, caput, do CP). Conversão da prisão em flagrante em preventiva. 3. Ausência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar. Constrangimento ilegal configurado. 4. Excepcionalidade da prisão. Possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares. Art. 319 do CPP. 5. Decisão monocrática do STJ que indeferiu liminarmente o pedido.

Não interposição de agravo regimental. Impetração deste writ na pendência do julgamento de HC no TJ/SP. Supressão de instância. Superação. 6. Ordem concedida, confirmando a liminar para revogar o decreto prisional expedido em desfavor do paciente, se por algum outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da análise da aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.(HC 127392, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 28-10-2015 PUBLIC 29-10-2015) (Destacamos)

Habeas corpus. 2. Prisão preventiva. Ausência dos requisitos autorizadores da segregação cautelar. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.

(HC 110654, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 13-03-2012 PUBLIC 14-03-2012)”

O voto que embasou a decisão acima traz o seguinte excerto:

Postas essas premissas fáticas, ressalto que, de modo geral, a prisão preventiva deve indicar, de forma expressa, os seguintes fundamentos para decretação da prisão cautelar, nos termos do art. 312 do CPP: i) garantia da ordem pública; ii) garantia da aplicação da lei penal; e iii) conveniência da instrução criminal.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos, sendo necessário que a alegação abstrata ceda à demonstração concreta e firme de que tais condições realizam-se na espécie.

Dessarte, a tarefa de interpretação constitucional para análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade exige que a alusão a esses aspectos esteja lastreada em elementos concretos, devidamente explicitados.

Noto que os argumentos esboçados pelo Juízo de primeiro grau não atenderam ao disposto no artigo 312 do CPP, que rege a matéria, nem à interpretação que dá ao dispositivo o Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, do ato decisório transcrito é impossível inferir-se razões concretas para segregação do paciente.

É que nesta Corte há precedentes consubstanciados no sentido de que a mera alusão à gravidade do delito ou à quantidade de pena aplicada, por si sós, não constituem elementos motivadores para decretação da constrição cautelar. Nesse sentido, entre outros, destaco os seguintes julgados: HC 107294, rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 3.10.2011; HC 104128, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 19.9.2011; HC 95460, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Dje 22.10.2010; HC 101705, rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, Dje 3.9.2010; HC 96618, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 25.6.2010; HC 95304, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Dje 7.11.2008.

… (Destacamos)

PRISÃO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE. Em virtude do princípio constitucional da não culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção. Cumpre interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos ou a instrução penal.

PRISÃO PREVENTIVA – IMPUTAÇÃO. A imputação não respalda a prisão preventiva, sob pena de presumir-se a culpa. PRISÃO PREVENTIVA – SUPOSIÇÕES. Não fundamentam a prisão preventiva simples suposições quanto a poder o acusado deixar o distrito da culpa e a vir a obstaculizar a instrução criminal. PRISÃO PREVENTIVA – PERICULOSIDADE DE ENVOLVIDO. A periculosidade de um dos envolvidos surge com caráter individual, não servindo, ainda que seja o chefe da suposta quadrilha, a levar à prisão de outros acusados. PRISÃO PREVENTIVA – MINISTÉRIO PÚBLICO E JUDICIÁRIO – RIGOR.

A credibilidade, quer do Ministério Público, quer do Judiciário, não está na adoção de postura rigorosa à margem da ordem jurídica, mas na observância desta. PRISÃO PREVENTIVA – EPISÓDIO – REPERCUSSÃO NACIONAL E SENTIMENTO DA SOCIEDADE. Nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade lastreiam a custódia preventiva.

(HC 101537, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, DJe-216 DIVULG 11-11-2011 PUBLIC 14-11-2011 EMENT VOL-02625-01 PP-00046)” (Destacamos)

“EMENTA: ‘HABEAS CORPUS’ – DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR – SÚMULA 691/STF – SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR – PRISÃO EM FLAGRANTE MANTIDA POR DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – FALTA DE ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL – UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – LEI DE DROGAS (ART. 44) – PRISÃO CAUTELAR “EX LEGE” – INADMISSIBILIDADE (HC 100.742/SC, REL. MIN. CELSO DE MELLO) – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA – PRECEDENTES – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO.

DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR – SÚMULA 691/STF – SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie.

A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. – A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. – A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. – A prisão cautelar não pode – nem deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. – A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. – Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.

Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. – Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.

(HC 105270, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 25-11-2011 PUBLIC 28-11-2011)” (Destacamos e grifamos)

Pode-se concluir, então, que, primeiro, embora acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro e sustentada por remansosa jurisprudência das Cortes superiores, a prisão preventiva não se sustenta frente ao Estado Democrático de Direito, pois viola princípios fundamentais insertos não só na Constituição Brasileira (Devido Processo Legal, Presunção de Inocência e Contraditório e Ampla Defesa), tanto quanto viola tratados internacionais dos quais o país é signatário, mas não só isso: a doutrina mais abalizada também não a acolhe, muito pelo contrário, rechaça-a veementemente, como se viu mais acima.

Outra questão é que, frente ao avanço tecnológico e à possibilidades inúmeras de diferentes tipos de monitoramento, impossível falar-se em risco para a sociedade com a manutenção do indiciado ou, mesmo, acusado, solto. Há no próprio Código de Processo Penal, por sua vez, várias medidas que podem ser adotadas em  substituição à pena sem processo e sem direito à ampla defesa e ao contraditório que é o que efetivamente configura a prisão preventiva.

A situação torna-se ainda pior quando há o abuso da prisão preventiva, utilizada, inclusive para se obter provas contra quem o Estado não conseguiu nada, não obstante todo o seu aparato de investigação e o dispêndio de recursos públicos.

É o que está acontecendo atualmente: prende-se preventivamente para ou conseguir uma “delação premiada” e a prisão mantém-se até que tal objetivo seja alcançado, como se vê de inúmeros exemplos no último ano, ou para se “conseguir provas” ou “ganhar tempo” para conseguir a prova e, se estas não forem apresentadas, condena-se porque há “convicção” da prática do delito.

É a subversão total do Estado Democrático de Direito contra a qual não podemos ficar calados, sob pena de sermos vítimas em futuro não muito distante.

ANOTE AÍ:

 

guma

 

 

Gomercindo Rodrigues é advogado,  inscrito na OAB/AC sob o nº 1997

 

 

NOTAS:

[1] TOURINHO FILHO, Francisco da Costa. Código de processo penal comentado (Arts. 1º a 393), vol 1. 12ª ed. SP: Saraiva. 2009. P. 817

[2] Id. Ibid. P. 812.

[3] PINTO, RICARDO MATÍAS. Los motivos que justifican la prisión preventiva en la jurisprudencia extranjera in www.juridicas.unam.mx acessado em 13/03/2012

[4] A aplicação de uma pena só pode dar-se após o devido processo que declare a culpabilidade do acusado, e por ele a prisão preventive só pode dar-se em hipóteses excepcionais para evitar riscos processuais tendentes a conseguir a realização do julgamento e a possível aplicação de uma pena.

O alarme social, a ordem pública, a periculosidade de um sujeito e o possível cometimento de delitos no futuro não podem constituir a finalidade da prisão preventiva. Resulta essencial compreender, segundo a postura que se segue, que o Estado não pode prevenir o possível cometimento de delitos com a expedição de detenções preventivas. O fascismo não teve freios para o uso e abuso da prisão preventiva como medida de segurança processual, enquanto ‘necessária para a defesa social’ e indispensável sempre que o delito tenha causado um ‘grave alarme público’. Se se aceita o critério de preservar a sociedade dos sujeitos ‘perigosos’, que podem cometer eventualmente delitos no future, e estão ‘acusados’ de um delito, a medida de coerção é uma execução antecipada de pena sem julgamento prévio, ao dispor-se em seu trâmite. Os juízes desta forma se convertem emu ma sorte de policiais ao aplicar a prisão preventiva com fins policiais para evitar que os sujeitos ‘perigosos’ cometam ilícitos potenciais. Devemos concordar com Beccaria em que o perigo de fuga do acusado e o risco de alteração de provas é o fundamento da prisão preventiva.

[5] ROXIN, Claus apud PASQUEL, Alfonso Zambrano. Política criminal y uso racional de la prisión preventiva in http://www.google.com.br/search?client=safari&rls=en&q=prisión+preventiva+Roxin&ie=UTF-8&oe=UTF 8&redir_esc=&ei=_U9fT9HQI5P0ggedobyiCA consultado em 13/03/2012

[6]I. A prisão preventiva no processo penal é a privação da liberdade do imputado com o fim de assegurar o processo de conhecimento ou a execução da pena. Ela serve a três objetivos: 1. Pretende assegurar a presença do imputado no procedimento penal. 2. Pretende garantir uma investigação dos fatos, na forma devida, pelos órgãos da persecução penal. 3. Pretende assegurar a execução penal.

  1. Entre as medidas que asseguram o procedimento, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração de justiça penal eficiente.

A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada esta situação de conflito: os estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exageraram facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Em um Estado de Direito, ao contrário, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos fins-asseguramento da ordem através da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.-

III. Com ele, o princípio constitucional de proporcionalidade, exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário”.

[7] PASQUEL, op. cit.

[8] Os limites racionais para a prisão preventiva podem encontrar-se em abordagens como: 1. Sua excepcionalidade, de maneira que a liberdade se siga respeitando como princípio. 2. Seu fundamento unicamente na probabilidade de autoria e participação ou risco de fuga ou de obstruções na busca da verdade. 3. Evitar que a prisão preventiva produza um dano maior que a ameaça da pena por respeito ao princípio de proporcionalidade. 4. A subsidiariedade, vale dizer que se evite o possível a prisão. 5. Sua limitação temporal, de maneira que debilitados os indícios que permitiram fundar uma presunção de responsabilidade se disponha de imediato sua revisão e o cancelamento da medida de aseguramento preventivo.

[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. SP:RT. 3ª ed. revista. Tradução de SICA, Ana Paula Zomer, CHOUKR, Fauzi Hassan, TAVARES, Juarez e GOMES, Luiz Flávio. 2010. P. 507 e ss. Tradutor responsável por esta parte CHOUKR, Fauzi Hassan.

[10] ZAFFARONI, Eugenio Raul, ALAGIA, Alejandro y SLOKAR, Alejandro. Manual de derecho penal. Parte general. 2ª ed., 6ª reimp. Buenos Aires: EIDAR. 2011. P. 132/133

[11] A quadratura do círculo na interdisciplinariedade do direito penal e o processual lhe dá a prisão preventiva. O preso preventivo (ou preso sem condenação) sofre uma prisionização cuja natureza para uns é processual e para outros penal. (a) Para as teorias processualistas, não é pena senão uma medida de coerção processual semelhante ao arresto no processo civil. Cabe observar que o arresto produz um dano patrimonial reparável em bens de igual natureza (se o requerente sem direito deve reparar o prejuízo causado pelo arresto), porém a prisionização não pode reparar-se em bens de igual natureza, pois ninguém pode restituir-lhe um pedaço de vida ao indevidamente preso. Os argumentos usados para legitimá-la desde o processual (não há presunção senão estado de inocência; justifica-a a proibição constitucional de processo à revelia: etc.) evidenciam-se de escasso convencimento. (b) As teorias substantivistas admitem que se trata de uma verdadeira pena antecipada e assim têm pretendido legitimá-la os positivistas e os nazistas (Garófalo, com seu grosseiro autoritarismo entre os primeiros; a legislação nazista e seus defensores entre os segundos, também alguns italianos especialmente fascistas).

Porém também se abre caminho um substantivismo liberal, que admite o caráter de pena para destacar sua incompatibilidade com o princípio de inocência. São cada vez más os autores que assumem esta posição. Em realidade, não há forma de legitimar a prisão preventiva, fora dos poucos casos e de maneira reduzida, em que constitui una verdadeira coerção direta administrativa (impõe-se-a para evitar una violência ou um conflito maior). Fora destas poucas hipóteses, é uma pena mais deslegitimável que as impostas formalmente ao cabo do processo. É bastante claro que funciona como pena, que assim a manejam os tribunais, e que a maioria dos presos de nosso país e da América Latina não estão condenados. Os esforços para reduzi-la nem sempre são corretos, porque muitas vezes se cai no julgamento sumaríssimo, violando todas as garantias processuais, quando não importando verdadeiras extorsões para os miss indefesos (se lhe oferece a possibilidade de optar entre um julgamento rápido e aceitar uma pena reduzida ou ir a um julgamento formal; esta é a forma em que os Estados Unidos têm poucos presos em prisão preventiva: condenam-os sem julgamento). A este respeito, também a legislação processual federal deve operar como marco mínimo frente às legislações provinciais, ainda que isto não se respeita e a jurisprudência é titubeante. Pelo menos se tem reiterado a jurisprudência que estabelece a inconstitucionalidade dos chamados delitos inexcarceráveis.

[12] MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social. Jerez: Fundación Universitaria de Jerez. 1985. P. 114/115

[13] A prisão preventiva é, pois, uma chaga do sistema penitenciário, com todos os inconvenientes da pena privativa de liberdade e nenhuma de suas vantagens.

[14] TOURINHO FILHO, op. cit. P. 820.

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