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“O lugar reservado às domésticas”

“O lugar reservado às domésticas”

A desigualdade no Brasil. E o lugar reservado às domésticas.

Camilo Rocha/ Nexo
 
Declaração de Paulo Guedes sobre viagem à Disney gerou repercussão negativa até no governo. O ‘Nexo’ conversou com uma socióloga e uma historiadora sobre o que a fala revela em relação à sociedade brasileira.
 
“Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na quarta-feira (14), durante o Seminário de Abertura do Ano, organizado pelo grupo Voto. Ele comparava o valor atual do dólar, que tem atingido repetidas altas desde 2019, com o câmbio de anos atrás, quando a moeda americana girou em torno dos R$ 1,80.
A fala e sua repercussão negativa se alastraram pelas redes sociais. Comparada a personagens do humor nacional que “odeiam pobre”, como Justo Veríssimo (de Chico Anysio) e Caco Antibes (de Miguel Falabella), a declaração do ministro foi considerada insensível por muitos.
De acordo com informações de bastidores publicadas na Folha de S.Paulo, a frase teria surpreendido auxiliares do presidente Jair Bolsonaro. A declaração foi considerada “terrível”, afirmou um interlocutor do presidente. “Pergunta para quem falou isso, eu respondo pelos meus atos”, disse Bolsonaro quando questionado por jornalistas.
No meio político, a reação foi expressiva. “Paulo Guedes revela seu preconceito, racismo e sua visão de senhor da senzala. Governo digno trabalha para que todos possam viajar e ser feliz”, escreveu a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP).
“Depois de chamar os servidores de ‘parasitas’, o ministro de Bolsonaro destila novamente seu preconceito. Pare de ofender os trabalhadores!”, escreveu o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ).
Dados da desigualdade
Na declaração de Guedes, pode-se inferir que o ministro usou o termo “doméstica” como metonímia para a população mais pobre. Segundo dados do IBGE, o ministro acertou quando falou que menos pessoas hoje têm condições de arcar com gastos como uma viagem de avião.
A desigualdade social se expande há mais de cinco anos no país, segundo dados do estudo “A Escalada da Desigualdade” da FGV (Fundação Getulio Vargas), publicado em agosto de 2019. O levantamento utilizou dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua), do IBGE, e do índice Gini, que mede a diferença de renda.
Do quarto trimestre de 2014 até a data da publicação do estudo, a metade mais pobre do país perdeu 17,1% de sua renda. Já a classe média, correspondente a 40% da população, empobreceu 4,16%. Na outra ponta, os 10% mais ricos registraram aumento de renda de 2,55%.
Em 2016, a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) estimou uma queda de 8% no número de passageiros de avião em relação a 2015. De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), a redução se traduziu em 8 milhões de brasileiros que deixaram de voar.
Empregadas domésticas
Em 2012, uma reportagem publicada pela revista Época intitulada “Por que a empregada sumiu” afirmava que estava ficando mais difícil para as classes de maior renda contratarem esse tipo de profissional. Segundo o texto, graças a melhorias na escolarização e na economia, havia menos mulheres dispostas a trabalharem na casa dos outros. A revista chamou o fenômeno de “revolução cultural”.
O Brasil parecia então se aproximar de realidades de países desenvolvidos, onde empregados domésticos são uma raridade por representarem serviços muito caros para a maior parte da população. Em 2015, o Congresso aprovou a PEC das Domésticas, que ampliou direitos trabalhistas de empregadas domésticas. Um dos poucos deputados que votou contra foi Jair Bolsonaro. Na época, ele argumentou que as domésticas teriam mais dificuldade de arrumar emprego com a legislação.
Dados da Pnad do segundo trimestre de 2019 apontam que a maior parte dos trabalhadores domésticos brasileiros (71,6%) segue na informalidade. De um universo de 6,24 milhões, isso representa cerca de 4,47 milhões trabalhando sem carteira registrada.
“Lavar roupas, cozinhar, limpar a casa, cuidar das pessoas mais velhas, dos doentes, das crianças são atividades que ocupam boa parte dos nossos dias e deveriam ser valiosas porque mantêm a vida em dia, organizada e pronta para o trabalho, inclusive a do ministro Paulo Guedes.”
Glaucia Fraccaro/doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp
Fonte: Nexo – Edição Xapuri

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
 

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