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#DitaduraNuncaMais: Ferramenteiro conta como foi torturado dentro da fábrica da Volkswagen

#DitaduraNuncaMais: Ferramenteiro conta como foi torturado dentro da fábrica da Volkswagen

Bellentani, ex-funcionário, foi espancado na frente dos seguranças da Volks durante a ditadura. Agentes do Governo queriam que ele delatasse colegas com atividades políticas e sindicais. #DitaduraNuncaMais! 

Por El País

“Trabalhei na Volkswagen de 1964 até as 23h30 do dia 28 de julho de 1972.” Assim Lúcio Bellentani, um antigo ferramenteiro da montadora alemã no começa a contar sobre o dia em que foi retirado de seu posto de pela polícia política da ditadura militar, sob os olhares coniventes dos funcionários da da empresa.

“Eram 23h30 exatamente. Eu estava trabalhando quando fui surpreendido com um cano de uma metralhadora nas minhas costas. Me algemaram com as mãos para trás e me levaram para o departamento pessoal da empresa. Ali mesmo começaram as torturas.

Comecei a ser espancado dentro da empresa, dentro do departamento pessoal da Volkswagen. Por policiais do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] e na frente do chefe da segurança e dos outros seguranças da fábrica”, conta ele, cujo depoimento foi utilizado pelo historiador .

Bellentani era militante do Partido Comunista brasileiro e ajudava a organizar a base do movimento na fábrica. Foi detido porque os policiais queriam que ele dissesse o nome de seus companheiros que desempenhavam atividades sindicais ou políticas.

“O sério de tudo, além do fato da tortura começar dentro da própria fábrica, é que a prisão aconteceu sem mandado judicial. No meu caso e nas outras que ocorreram lá dentro. Isso prova a grave violação de cometida pela empresa”, diz.

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O ex-funcionário conta que depois da detenção na fábrica foi levado até a sede do DOPS, onde continuaram as torturas.”Neste mesmo dia fui espancado com palmatórias e socos”, conta. “E durante 48 dias minha esposa ficou a minha procura. Ela ia diariamente na fábrica, perguntava do meu paradeiro e eles não diziam onde eu estava. Após os 48 dias, ela disse para a empresa que acionaria o seguro de vida e foi quando eles disseram para que ela me procurasse no DOPS e deram o nome do delegado da prisão. Só assim ela me encontrou. Fiquei ali por mais oito meses”, conta.

Ele foi julgado e absolvido em primeira instância, por insuficiência de provas. Mas acabou condenado nas instâncias superiores. “Fui transferido para o presídio, onde fiquei um ano e meio preso.”

O ex-funcionário conta que o da fábrica na época da ditadura era de vigilância constante. “Começaram a surgir lá dentro boletins políticos e sindicais e a gente sentiu que a vigilância aumentou. Para ir de uma sessão para outra era preciso ter um passe assinado pelo chefe. Tinha um guarda que registrava sua saída e, no outro setor, um que registrava a sua entrada”, relembra.

“Os banheiros e vestuários passaram a ter visitas constantes. Os guardas faziam rondas de hora em hora. As portas dos banheiros foram diminuídas de tamanho. Eram portas pequenas em que os guardas conseguiam olhar por cima. Algumas tinham um buraco no meio, na altura do cabeça. Assim eles viam se a pessoa que estava dentro estava fazendo as necessidades ou não”.

Na época, conta o ex-ferramenteiro, eles não tinham certeza de que tipo de colaboração a Volkswagen tinha com o regime militar. “O conhecimento que eu tinha era que haviam sido efetuadas mais prisões dentro da empresa”, diz. “Mas depois, em 2014, com os arquivos da ditadura liberados, a gente começou a investigar e ir ao arquivo do DOPS e do SNI [Serviço Nacional de Informações, órgão de inteligência da ditadura].

E a gente se deparou com uma farta documentação que prova a relação bastante íntima com os órgãos de da época. Mais de 400 documentos que a gente levantou assinados por responsáveis da empresa como chefe de segurança, diretor de Recursos Humanos, do Departamento Pessoal.” Ele explica que, entre estes documentos, haviam papéis em que a empresa comunicava o departamento policial das atividades de ativistas sindicais e políticos que trabalhavam na empresa.

Também constavam dados pessoais de funcionários, que contribuíram, segundo ele, para a prisão dessas pessoas. “Tem o caso de um companheiro que trabalhou na Volkswagen em 1970/71. O nome desse ex-companheiro apareceu nas investigações com o DOPS e da OBAN [Operação Bandeirante, centro de investigação da ditadura em ].

Os investigadores entraram em contato com a empresa, que entregou a ficha funcional, com o endereço da casa dele, e a polícia foi até lá e prendeu o companheiro. Ele nem trabalhava mais lá e mesmo assim a Volkswagen entregou ele”, conta. “Temos a ficha de outro companheiro que estudava na escolinha de formação da Volkswagen, se formou e passou a ser um dos instrutores. A ficha de estudante dele estava no arquivo do DOPS.”

Segundo ele, há ainda documentos que comprovam atas de reuniões que a montadora coordenava com um grupo de empresas. “Eram reuniões periódicas onde eram elaboradas aquelas listas sujas de trabalhadores, nomes de ativistas sindicais e políticos que trabalhavam dentro das empresas. Isso corria entre elas, para não admitirem essas pessoas. Temos companheiros que ficaram 10, 15 anos sem arrumar emprego”, relata ele.

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Bellentani conta que se frustrou com o relatório apresentado na última quinta-feira pela empresa, em que um historiador externo contratado afirma que houve uma colaboração entre a segurança industrial da Volkswagen e a polícia política do Governo brasileiro entre 1969 e 1979 e que ela ocorreu especialmente através do chefe do departamento de segurança industrial Ademar Rudge, que “agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria” Para ele, o relatório é “fraco” e “não condizente com a documentação em relação a acusação sobre a Volkswagen”.

“Ele não cita nem a documentação que levantamos no DOPS. Embora ele coloque que a empresa é culpada, que teve participação, não apresenta documentação sobre isso. É muito mais sério e muito mais grave do que está relatado e a Volkswagen está se omitindo”, afirma ele. Procurada, a empresa não quis comentar as críticas ao relatório.

Para o ex-funcionário, a empresa deveria reparar individualmente as pessoas que “tiveram suas vidas interrompidas, suas carreiras, que tinham uma moradia e acabaram perdendo tudo por conta do entreguismo da própria fabrica”. “Eu não fui indenizado pela empresa em momento algum. Não recebi nem um pedido de desculpa. Nada. A gente, inclusive, sempre foi impedido de entrar lá”. Segundo a imprensa brasileira, a Volkswagen não planeja fazer reparações individuais.

“A empresa também deveria financiar um memorial, assumir a responsabilidade dela com esse período obscuro da nossa e reparar estes erros. Financiar materiais para que a gente conte essa história de como foi a , para que isso vá para os bancos da , das universidades”, diz. . Para ele, é importante que a juventude atual tenha conhecimento de como foi a reconquista dos direitos que permanecem hoje, “de poder escolher seus governantes, de participar da vida democrática do país”, destaca.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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