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Dona Rosa, mãe de Honestino Guimarães: “O tempo não apaga marcas”

Dona Rosa, mãe de Honestino Guimarães: “O tempo não apaga marcas”

No  momento em que o Brasil passa pelo vexame da negação do golpe de 1964, da existência dos anos de chumbo da ditadura militar, e do assassinato de líderes revolucionários como Honestino Guimarães, recuperamos e compartilhamos o depoimento de Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino, à equipe da agência de comunicação da UnB em 30 de maio de 2008.

Ainda que nos prendam, ainda que nos matem, mesmo assim voltaremos e seremos milhões.”            Honestino Guimarães 

 
Na memória da mãe, o líder estudantil surgiu ainda aos cinco anos de idade, em brincadeiras com os irmãos jeito suave de gesticular, o olhar terno e a voz aveludada provam que o tempo foi generoso com Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino Guimarães.
 
Companheira de primeira hora do filho revolucionário, Dona Rosa, como prefere ser chamada, viu de perto quase todo tipo de injustiça. Uma mistura de mãe e militante, ela compartilhou também vitórias importantes. A memória emocional reservou mais espaço para as lembranças boas, nenhuma amargura. “Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes, choro de tristeza. E eu não tenho tristeza”, diz a senhora de 76 anos (em 2008).
 
Nos momentos mais duros da ditadura, aprendeu a conciliar trabalho com maternidade. Protegeu Honestino até o limite do impossível. Os encontros às escondidas e as fugas planejadas preencheram sua rotina quase que naturalmente. Mesmo como diretora de colégio, Rosa fazia questão de ir a comícios organizados pelo filho. “Já que não consegui impedi-lo, resolvi acompanhá-lo”, recorda.
 
Durante a invasão da polícia na Universidade de Brasília (UnB), em 29 de agosto de 1968, Rosa não conseguiu chegar a tempo. Até hoje conta, frustrada, um dos capítulos mais tristes de sua história. “Havia muitos soldados armados. Não consegui entrar e não sabia se meu filho estava vivo ou morto”, completa.
 
As lembranças da repressão, a preocupação em não deixar Honestino só e as conseqüências para a família, Rosa relembra nesta entrevista a Daiane Souza, da UnB Agência. Leia os principais trechos de mais de três horas de conversa no início de outubro:
 
UnB AGÊNCIA – Por que vocês vieram para Brasília?
 
MARIA ROSA – Para meus filhos Honestino, Luís Carlos e Norton estudarem. Morávamos numa cidade do interior (Itaberaí, em Goiás) e Brasília era desejada. A UnB era tudo. Viemos em 1960 e Honestino estava na 4a série ginasial. Ele foi para o Colégio Elefante Branco e depois passou em primeiro lugar para o curso de Geologia no vestibular da UnB.
 
UnB AGÊNCIA – Alguma vez a senhora pediu para que seu filho desistisse da luta?
 
ROSA – E adiantava? Ele não deixava de ouvir, mas tinha os argumentos dele. Falava que tinha de ser feito, era uma missão. Ele me dizia: “Mamãe, e se todo mundo fugir? Quem é que fica? Quem é que vai defender?”.  Eu disse a ele que se ficasse iria morrer. Ele me respondeu: “Eu prefiro viver pouco tempo aqui a viver no exterior. Lá eu estarei morto. Se eu morrer na minha pátria, morro feliz”. Ele era realmente brasileiro. Um dos motivos de eu estar aqui viva e forte até hoje é não deixar a luta dele morrer junto.
UnB AGÊNCIA – Depois dessa prisão ele voltou à universidade?
 
ROSA – Não. Em setembro de 1968, ele foi expulso. Depois que o Honestino foi para Goiânia, dia 12 de dezembro de 1968, ele não pisou mais lá em casa. Nos encontramos outras vezes. Ele passou por diversas cidades.
 
UnB AGÊNCIA – Como personagem político, o que o Honestino representa?
 
ROSA – Ele é o estudante símbolo da UnB. Deixou registrado um protesto contra tudo. Não se deixou calar.
UnB AGÊNCIA – Mas o tempo não apagou as marcas…
 
ROSA – Não. Principalmente, nos meus filhos. Essas marcas são terríveis. Eu tive de ser um pára-raio. Tenho orgulho e dou graças a Deus por ter sido mãe dele. Cumpri meu papel ao meu modo.
 
UnB AGÊNCIA – Como assim? Por causa da rotina?
 
ROSA – O dia anterior ao AI-5, 12 de dezembro de 1968, foi o dia em que ele ficou foragido. Foi para a clandestinidade. Nos dias em que iam instituir o AI-5, houve um burburinho na cidade. Aí ele foi embora para Goiânia. Meu marido estava no trabalho, ele trabalhava na W3 Norte e foi para Taguatinga, pois estávamos montando uma loja. Tínhamos ficado três noites sem dormir porque eles pegaram o Norton em casa e ficaram com ele três dias. Eles (o Exército) nos ligaram e mandaram a gente ir pegar o Norton. Fui buscá-lo. Nessa noite, dormimos. O Monteiro saiu cedo com o Norton para deixá-lo em proteção. E ainda ficou até tarde da noite, pois o serviço estava todo atrasado e estávamos perto do Natal. Dia 17. Atrasou o trabalho que ele estava fazendo na montagem da loja. Aí ele cochilou e bateu num caminhão e morreu na hora. E eles ainda se aproveitaram da situação para pegar o Honestino. O pai estava morto e no enterro havia muitos policiais à paisana. Honestino queria muito vir. Ele era apaixonado pelo pai. E não o deixaram vir. Mas seria até melhor porque assim ele seria preso na presença de todos e aí não poderiam matá-lo.
 
UnB AGÊNCIA – A senhora acredita que o acidente foi provocado?
 
ROSA – Não. Ele estava com sono. Três dias sem dormir, muito cansado. Simplesmente dormiu. Foi uma cochilada. É muito rápido.
 
UnB AGÊNCIA – A vida da senhora mudou muito depois disso?
 
ROSA – Olha, o que dizem por aí é verdade: eu sou uma lutadora. Foi tudo muito difícil, mas na luta fui superando. Eu tinha de proteger os meus filhos. O Norton foi o primeiro a cair. Fizeram muita coisa com o Norton. Mesmo depois de prenderem Honestino, ou melhor, depois de matarem. Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes eu choro de tristeza. E eu não tenho tristeza. Nossa vida não começou aqui e nem vai acabar aqui.
 
UnB AGÊNCIA – A senhora guarda algum sentimento em relação ao regime militar?
 
ROSA – Olha, odiar eu não odeio. Sempre fui muito cristã. Mas sentir bem também não. No Natal, pedi autorização para vê-lo na cadeia. Disseram que não estava. Mandaram-no para São Paulo. Foi lá que o mataram, foi lá que tudo acabou. Esse dia para mim foi um dia de morte. Até então, eu tinha esperança total. Para mim, eu havia ganho a batalha.
 
UnB AGÊNCIA – Se a senhora tivesse uma última chance de falar com seu filho, o que falaria?
 
ROSA – Iria abraçá-lo, beijá-lo, fazer todas as coisas que ele gostava de fazer. A parte mais importante para mim do Honestino é ele, como filho. Embora, eu ache que o que ele deu ao Brasil foi muito grande e importante. Até hoje, falo com Honestino. Não sou uma mãe chorosa. Eu não preciso querer ver meu filho, eu tenho meu filho. Eu estou aqui e é como se ele estivesse aqui com a gente, naquele retrato, olhando para nós. Para mim, morte não é morte.
 
UnB AGÊNCIA – Como foi paga a indenização?
 
ROSA – Eu detesto falar sobre isso. Não receberia dinheiro nenhum em troca do meu filho. Mas eu recebi o troco. Eu não recebi indenização, mas a Isaura (primeira mulher de Honestino) recebeu. Ela não é a família de Honestino. Só não se separou legalmente porque eles viviam na clandestinidade. E pediu mais, e recebeu mais. Um dia eu estava na fila de banco e um sujeito me parou e disse: “A senhora está boa? Está cheia de dinheiro, ficou rica, está bem de vida”. Eu nunca vendi filho nenhum. E se a Isaura tivesse conversado comigo para pedir permissão para entrar na Justiça, eu não daria. O pedido foi feito por ela. Ela entrou com advogado. Se você me perguntar quanto foi, eu não sei. O que foi feito com o dinheiro, não sei. As pessoas tinham inveja de um dinheiro que não recebi e nem receberia. Mãe é mãe e só eu sei tudo o que passei. É muito sofrimento.
 
Honestino, o bom da amizade é a não cobrança
O livro “Honestino, o bom da amizade é a não cobrança“, escrito por Maria Rosa Leite Monteiro, mãe do líder estudantil, relata momentos importantes da vida do militante símbolo de uma época de luta e repressão. Com uma linguagem coloquial e um tom de conversa de mãe e filho, o livro mostra a união e o orgulho que todos da família, ainda hoje, sentem por Honestino Monteiro Guimarães. A obra tem ainda fotos de família, cópias de documentos, jornais e poemas de Honestino. Publicado em Brasília pela Da Anta Casa Editora, em 1998, o livro possui 270 páginas. Frase de Honestino Guimarães:  publicada em um trecho do livre “Honestino, o bom da amizade é a não cobrança.
Fonte citada: secom.unb.br/especiais/ Fonte da matéria: sejarealistapecaoimpossivel Honestino Guimarães foi “sumido” pela ditadura militar em 10 de setembro de 1973, aos 26 anos de idade. Sequestrado, torturado e assassinado nos porões da ditadura, em São Paulo, seus restos mortais nunca foram entregues à família. Dona Rosa faleceu em 20 de setembro de 2012, aos 84 anos de idade. Ela foi uma das primeiras vozes a denunciar os desaparecimentos e as torturas de jovens militantes durante a ditadura militar no Brasil (1964-1989). A foto de dona Rosa com o retrato de Honestino é de Raimundo Paccó (2000), publicada em várias matérias do Correio Braziliense sobre dona Rosa.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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