“E eu, não sou brasileira?”

E eu, não sou brasileira?

“Brasileira? Tem certeza? Mas, você nasceu no mesmo, ou só cresceu aqui?”

Por: Nayara Khaly Sanfo para o Guest Post Geledés

“Paulista, sério? Caramba, eu jurava que você era de Salvador..”

Vou contar um segredo para vocês: por incrível que pareça, existem negros retintos no Brasil. Parece louco, não é? E mais louco que isso, eles estão presentes em todo Brasil.

Obviamente, o da Bahia possui a maior concentração de negros do país – com cerca de 80% de sua população autodeclarada afrodescendente – mas, isso não te exime de ignorar toda a pluralidade de vivências negras presentes em nosso território.

Se você já assistiu uma aula de História Brasileira – que tenha sido minimamente coerente ao tratar de nossa formação étnico-racial – você sabe que a população originária, do que viria a se chamar Brasil, é .

Portanto, a existência de brasileiros pretos, brancos, de origem asiática ou mestiços é resultado de diversos processos migratórios: alguns voluntários e invasivos (como a chegada dos portugueses a nosso território) e outros involuntários e escravistas (como a escravização e desumanização dos negros africanos).

Nesse contexto, se a população originária brasileira não era branca, negra ou asiática, porque é tão surpreendente encontrar pessoas negras retintas espalhadas pelo Brasil, e não tão surpreendente encontrar brancos? Entendam que esse questionamento não é acusatório e sim reflexivo.

Em diversos momentos de minha trajetória como mulher, negra e viajante, pude perceber o desconforto de meus concidadãos brasileiros (poderia ter utilizado “compatriotas” mas não gosto desta palavra) ao descobrir que eu era brasileira.

Este desconforto inicial se tornava um desconforto mútuo a partir do momento em que as pessoas começavam a tentar justificar a descrença inicial de que eu poderia ter nascido no Brasil: “É que a gente não vê moreno com esse tom de pele por lá rsrs” (onde eu sou morena, meu ?)

 

“ Nossa, mas você é uma negra… negra mesmo, negra de verdade… que linda.. rsrsrs” (o que é uma negra de verdade?), “Ah, é que pelo seu sotaque, parece que é gringa.. rsrsr”( que?) , “ É que você sabe falar muito bem, é difícil ver negros assim, por aqui” (querid@s, o que mais temos é negro que sabe se expressar, pela palavra, pela música ou pela corporalidade).

De maneira geral, apesar de parecer inofensivo, estes comentários são extremamente prejudiciais àqueles que os ouvem e a nossa sociedade como um todo.

Ao duvidar e questionar a nacionalidade e identidade de grupos minoritários você está contribuindo com o sentimento de não-pertencimento destas pessoas à coletividade que elas fazem parte desde o nascimento.

Além de reiterar a invisibilização político social destes grupos, que implica, por exemplo, no reforço ao apagamento midiático e também na não-formulação de políticas públicas de temas concernentes a estas populações.

O violento processo de miscigenação e embranquecimento no Brasil é um fator importante para a análise da construção de um imaginário social que não enxerga o fenótipo negro como sendo uma presença relevante nos espaços políticos, sociais, intelectuais e de lazer do brasileiro comum.

Entretanto, ele não é justificativa para o apagamento e consequente silenciamento das vivências negras em nosso país.

Será que você não enxerga a identidade negra como componente da identidade nacional porque eles são uma minoria populacional ou porque existe um político intermitente que marginalizou e marginaliza os negros espacialmente, politicamente e culturalmente?

A construção da identidade nacional de um Estado é pautada em múltiplas exclusões de grupos – políticos, étnicos e sociais – historicamente marginalizados.

No Brasil, essa identidade foi formada a partir de um padrão étnico branco, geograficamente ocidental e europeizado.

De modo que, toda nossa diversidade composicional é ora completamente apagada e ora utilizada como mecanismo de projeção (no âmbito nacional ou internacional).

Muitas pessoas não percebem este apagamento, e naturalizam o fato da cultura indígena e negra serem levadas em consideração somente em festas culturais ou datas simbólicas, como o Carnaval e o dia do índio nas escolas (que por sinal, é um desserviço à causa indígena).

Porém, se você acredita que somos um país que vive em democracia racial, só porque têm várias negras sambando na Sapucaí, uma vez ao ano, e seu filho se “veste” de índio para – ignorantemente – banalizar a cultura das populações autóctones brasileiras, está na hora de rever seus conceitos.

Esqueça o mito da miscigenação como solução para o racismo; para começarmos a reverter o apagamento histórico das chamadas minorias temos que começar a ouvi-las e enxergá-las.

E uma bela forma de fazer isso é começar a reconhecer que 54% da população brasileira é negra e que estas pessoas são diversas: possuímos os mais variados fenótipos e ocupamos espaços de resistência, desde a periferia até cargos de poder.

Apesar de nacionalismo ser uma coisa ultrapassada, cada vez mais, vejo a necessidade de afirmar e autoafirmar minha narrativa: Sou NEGRA, sim! E BRASILEIRA!


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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