É temporada de caça às bruxas. São tempos difíceis para nós mulheres
“A Idade Média voltou e eu não estou apenas do lado das “bruxas”, como sou uma delas”
Por: Maria Meirelles
São tempos difíceis para nós mulheres. Nesta semana, o deputado do Partido Social Liberal (PSL-RJ), Márcio Labre, defendeu, na Câmara Federal, o veto total de “comércio, a propaganda, a distribuição ou a doação” da pílula do dia seguinte, pílulas de progestágeno (as chamadas ‘minipílulas’), implantes anticoncepcionais e até mesmo do DIU (dispositivo intrauterino).
Na visão masculina, machista e misógina do deputado, que é jornalista, esses métodos são ‘micro abortivos’. De modo que a legislação brasileira deveria proibir o comércio e apreender produtos e, se necessário, interditar os locais de venda.
É a vida imitando a arte. O que deveria ser apenas ficção, da série O Conto de Aia, foi justificada por Labre como proposta de “proteção à saúde da mulher e à vida”.
Não é de se estranhar que, numa sociedade em que somos condenadas pelas roupas que vestimos, cores do batom e esmalte, lugares frequentados, entre tantas outras indagações feitas apenas às mulheres, algo tão esdrúxulo seja sugerido no Parlamento.
Eles reprimem nossas escolhas, hábitos e corpos, nos negam o direito de ir e vir e, por fim, propõem que o sexo para as mulheres seja algo meramente reprodutivo. Isso lhe remete à algum período da história? Exatamente, regredimos à Idade Média!
Entretanto, Márcio Labre não é um lunático, como vi alguns comentando aos risos. Ele é o retrato nu e cru do machismo. É o grito de ordem de uma camada social que teme mulheres revolucionárias, livres e donas de seus corpos. É o reflexo do patriarcado e, antes de tudo, correligionário do presidente do Brasil.
Portanto, é preciso analisar mais a fundo o perigo eminente que representa a atitude adotada pelo parlamentar, que recuou e retirou a PL, após repercussão negativa. Afinal, a ideia tem como base um discurso populista, que ganhou espaço nos últimos anos, elegendo, inclusive, um presidente da República.
Propor que as mulheres sejam impedidas de evitar uma gravidez, negando-nos o orgasmo por prazer, é uma demonstração ilustrativa do cenário político atual, em que a perda de direitos de muitas e muitos é celebrada por uns.
Está aberta a temporada de “caça às bruxas”, se é que algum dia isso foi instinto. A todo momento uma de nós é queimada numa fogueira social, seja por comentários e ameaças misóginas, racistas, homofóbicas, machistas ou por projetos de lei que extirpam conquistas, que levaram décadas e a vida de muitas de nós.
De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), 126 mulheres foram mortas em razão de seu gênero no país desde o início do ano, além do registro de 67 tentativas de homicídio. Em 2017, 40% dos casos de feminicídios na América Latina foram registrados no Brasil.
Os discursos de ódio e preconceito, camuflados pela defesa da família tradicional brasileira, aumentam os riscos de morte para mulheres em situação de vulnerabilidade por conta de sua origem étnico-racial, orientação sexual, identidade de gênero, situação de mobilidade humana, que vivem em situação de pobreza, para as mulheres na política, jornalistas e defensoras dos direitos humanos.
Já passou da hora de nos unirmos ainda mais! O que está em voga não são privilégios de A ou B, mas a liberdade de todas nós, que somos obrigadas a conviver com violência diária e contínua, num país em que a cada 12 horas uma mulher é assassinada.
A Idade Média voltou e eu não estou apenas do lado das “bruxas”, como sou uma delas. Ninguém solta a mão de ninguém. Avante, companheiras!
ANOTE:
Maria Meirelles é jornalista e feminista.