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Em defesa da Amazônia e dos povos da floresta

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CNS lança campanha em defesa dos territórios de uso comum pelas comunidades tradicionais da floresta

Manifesto entregue pelo Conseho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e Articulação dos do (APIB), em parceria com Fórum Permanente em Defesa da ao Deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.  O Documento foi protocolado no último dia 11 de março de 2020.

CONSELHO NACIONAL DAS POPULAÇÕES EXTRATIVISTAS – CNS
Brasília, 11 de março de 2020

A Amazônia está em risco. Nós, extrativistas da maior floresta tropical do mundo, estamos em Brasília para manifestar preocupação diante das crescentes ameaças aos nossos povos e territórios.

Uma área de 750 mil km2, cerca de 20% do território da Amazônia brasileira, foi desmatada nos últimos quarenta anos. O ritmo da destruição, que diminuiu entre 2005 e 2012, voltou a crescer, agora com incentivo governamental. Cientistas alertavam sobre o risco da floresta amazônica desaparecer se o desmatamento atingisse 40% do território.

Entretanto, as mudanças climáticas modificaram esse cenário. Hoje se fala em um ponto irreversível caso o desmatamento consuma de 25% a 30% do bioma. Se esse ciclo predatório não for interrompido, a floresta vai virar savana com perdas incalculáveis em vidas humanas, biodiversidade, escassez de água, queda no abastecimento de energia e prejuízos para a produção agrícola no centro-sul do país.

Há cerca de 40 anos, quando esse processo destrutivo se intensificou, com a política de incentivos fiscais patrocinada pelo regime militar, e ainda não se falava em meio ambiente nem em mudanças climáticas, um grupo de seringueiros, liderado por Chico Mendes, mudou a história da Amazônia. Dependiam da floresta para sobreviver e tinham com ela uma tradição de uso e respeito herdada dos indígenas, e sofriam uma história de injustiças na exploração da borracha.

Em 1985 criaram o Conselho Nacional dos Seringueiros, hoje Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), e apresentaram uma proposta de conciliação entre meio ambiente e reforma agrária: as Reservas Extrativistas (Resex), territórios do Estado cedidos ao uso comum de comunidades que ali viviam por gerações.

A proposta cresceu e se consolidou nos últimos 30 anos. Existem hoje 78 Reservas Extrativistas federais e estaduais, uma área de 14 milhões de hectares, 2,7% da Amazônia brasileira. A ideia influenciou também a política de reforma agrária e já foram criados mais de 500 projetos de assentamento ambientalmente diferenciados em uma área de mais de 12 milhões de hectares, ou 2,3% da região.

Considerando outras modalidades de Unidades de Conservação de uso sustentável, como as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Florestas Nacionais, chega-se a cerca de 60 milhões de hectares, ou 12% da Amazônia brasileira, sob gestão compartilhada entre Estado e comunidades.

Assim como os indígenas, as populações tradicionais também estão em risco na Amazônia. E os serviços que prestam ao país precisam ser conhecidos e valorizados.

• As unidades de conservação de uso sustentável exercem um papel estratégico de frear o avanço de atividades predatórias, simbolizadas pelo desmatamento. Esse modelo de conservação combina a democratização do acesso à terra, a qualidade de vida de seus moradores e a valorização da biodiversidade.

• As Reservas Extrativistas também desempenham função relevante na manutenção do equilíbrio climático, uma vez que armazenam mais de 2 bilhões de toneladas em estoques de carbono, conforme estudo recentemente publicado pelo cientista Philip Fearnside (Inpa – http://dx.doi.org/10.5380/dma.v48i0).

• A Resex Chico Mendes, onde vivem 3.200 famílias em cerca de 970 mil hectares, está entre as UCs da Amazônia com maior produção de produtos florestais não-madeireiros. A produção na reserva rende em torno de R$ 5,5 milhões/ano: R$ 290 mil/ano de açaí, R$ 180 mil/ano de borracha, R$ 2,2 milhões/ano em castanha e R$ 2,8 milhões/ano em pescados (Young e Medeiros, 2018). A Resex está ameaçada pelo PL 6024/19, que retira de seus domínios diversas áreas, eliminando a conectividade dentro do território e favorecendo ações de grilagem e desmatamento.

• Na Resex Verde para Sempre, onde vivem 2.400 famílias em uma área de 1,3 milhão de hectares, a comunidade se organizou para realizar o manejo comunitário de produtos madeireiros e não-madeireiros, movimentando de R$ 6 milhões entre 2017 e 2019. Os moradores usam a floresta com responsabilidade e de forma planejada, criando um modelo de referência para viver de forma digna explorando os recursos madeireiros de forma sustentável. Além do mais, graças ao estabelecimento da reserva, cerca de 2 mil famílias puderam acessar diversas políticas públicas, como o programa Luz Para Todos. Atualmente, a Resex vem sofrendo constantes ameaças de recategorização, o que colocaria em risco a sobrevivência das comunidades que ali habitam, além de ameaçar a biodiversidade e os recursos naturais.

• A Resex do Médio Juruá foi criada em 1997 e seus mais de 286 mil hectares são protegidos por 320 famílias, que encontram na reserva seus meios de vida. São desenvolvidas diversas atividades produtivas de baixo impacto ambiental, como o manejo de pirarucu, extração de látex, coleta e processamento de frutos e sementes, extração de óleos, cultivo de mandioca e produção de farinha. Sua economia local gera mais de R$ 3 milhões, com grande potencial de crescimento. Atualmente, está ameaçada pela pressão de atividade ilegais e mineração.

Os extrativistas são o exemplo prático de que o futuro da Amazônia está na exploração da economia da biodiversidade, ou seja, a agregação de valor pela inovação tecnológica, tanto em produtos conhecidos como que ainda não foram descobertos. Além de deter o conhecimento tradicional, gerenciam os territórios onde a bioeconomia poderá se desenvolver, trazendo a Amazônia para século 21.

É fundamental que tenhamos a garantia de nossos territórios, com a efetivação dos planos de manejo das UCs, retirada de invasores, regularização dos territórios de uso comum e a criação de políticas econômicas efetivas, que reconheçam o valor da floresta e das comunidades tradicionais.

Somos contrários à desafetação e à recategorização de tais unidades de conservação, medidas que legitimam a grilagem, o roubo de terras e o desmatamento em áreas públicas, já destinadas às comunidades por meio dos instrumentos legais vigentes no país. É incorreto e falacioso afirmar que o modelo das Resex não cumpre seu papel social, econômico e ambiental.

Estamos aqui, na forma de comunidades e associações organizadas, para demonstrar à sociedade brasileira que o modelo das Resex é o mais indicado para garantir inclusão social, acesso a políticas públicas, equilíbrio climático e conservação da biodiversidade e dos recursos naturais.

A solução para a Amazônia está, sim, no desenvolvimento; mas não na exploração predatória dos minérios, no desmonte da política ambiental, na ausência do Estado, na tolerância com a exploração ilegal de madeira e recursos pesqueiros, na redução das unidades de conservação e tampouco na criminalização das organizações da sociedade civil.

Os povos da floresta são o único caminho para a proteção e o uso sustentável dos recursos naturais e o equilíbrio climático, uma vez que já fazem isso em mais de 35% do território. Para que isso ocorra, é necessário combinar a economia da floresta com a agricultura, a criação de animais, o manejo florestal e a pesca, respeitando a legislação ambiental.

É fundamental que os povos da Amazônia sejam protagonistas no planejamento do desenvolvimento sustentável da região. Somos parte da solução e não um obstáculo ao futuro.

Diante do exposto, vimos respeitosamente solicitar ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, que os seguintes projetos de lei não avancem nesta Casa Legislativa, em virtude de terem sido elaborados sem adequada consulta prévia aos povos da floresta, principais impactados, e de representarem ameaças a comunidades e ao meio ambiente:
– PL 6024/19: Retira partes da Resex , comprometendo a conectividade do território,
beneficiando grileiros e invasores, estimulando a contra extrativistas e abrindo um perigoso precedente de
mutilação de territórios de povos tradicionais em todo o país;
– MP 910/19: incentiva a grilagem e a regularização de terras públicas invadidas e desmatadas de forma ilegal;
– PLS 168/18: dispensa de licenciamento uma série de empreendimentos que ameaçam recursos naturais,
e a sobrevivência de comunidades;
– PL 191/20: libera atividades predatórias no interior de , ameaçando a sobrevivência desses povos.
– Proposições que ameacem o Sistema Nacional de Unidades de ou que proponham redução e recategorização de UCs.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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