Emir Sader: O streaptease do governo

O streaptease do governo

Por Emir Sader/Brasil 247

Todos os elementos das crises vividas pelo governo estavam presentes na candidatura que se tornou vencedora. Os discursos demagógicos e o silêncio cúmplice disfarçavam a tragédia que se anunciava.

No conteúdo, um governo que trata de blindar com um Estado policial um modelo sem nenhuma possibilidade de conquistar apoio popular e que, por isso, tem que se apoiar na restrição das liberdades e no apelo direto à repressão. Na forma, um apelo a um grupo de lumpens e aventureiros que se propõe a assaltar o Estado e colocá-lo a serviço do grande empresariado e do governo dos EUA.

“Nova política”, “fim do PT”, “menos Estado”, “sem risco de Venezuela”, “Lula preso”- valia tudo para fazer passar a única alternativa da direita, diante da derrubada do seu partidos tradicional e do riso de vitória novamente do PT. Fechava-se os olhos para a catástrofe que representaria para o país eleger uma camarilha para dirigi-lo. A nomeação de um ultraneoliberal para garantir a continuidade do modelo de rapina do Estado a favor do capital financeiro garantia o controle do governo no essencial. E a nomeação do Moro e de tantos militares completava o quadro da nova fisionomia da direita brasileira.

Um coquetel explosivo, que assalta o Estado como se gerenciasse sua fazenda, seu sítio, com suas hordas de desclassificados, cercados de clowns colocando pra fora sua ignorância e seu obscurantismo, compunham o novo governo, em meio a farsas e declarações desastradas de todo lado. Não importava, o importante era o controle rígido do Estado.

Poucas semanas foram suficientes para que o streaptease desse novo esquema de governo viesse à tona com todas suas dimensões. Uma equipe econômica de Chicago aprofunda o desmonte do patrimônio público e do que resiste de regulamentação estatal da economia. Um tresloucado ministro de Relações Exteriores promove a mais caricata subordinação do país à política de Trump, com verborragia de uma guerra fria terminada quase quatro décadas, expondo o Brasil ao ridículo internacional.

Bozo aroeira casinha valeu

Um ministro da Justiça com mentalidade de delegado de polícia quer impor por decreto uma política de que formaliza o que governadores como os de São Paulo e do Rio, entre outros, promovem: a política do gatilho fácil, da liberação total da ação policial e da venda de armamentos (em conluio que ele pretende que seja privado, com a Taurus).

Enquanto isso, sorrateiramente, mais uma vez pencas de militares se apropriam de ministérios e cargos sem conta, sem representação nenhuma, sem voto algum, para impor uma nova versão da doutrina de segurança nacional, militarizando o Estado. Se trata de se apropriar de cargos chave no governo, dando a estabilidade possível para que o governo possa funcionar, com seu programa econômico e a construção de estruturas policiais.

As crises do governo têm vindo, em grande medida, do pessoal escolhido por Bolsonaro para governar, a começar pelos seus filhos. E do estilo prepotente destes. De uma visão instrumental do Estado, como se fosse uma coisa que podem se apropriar.

Mas a compreensão do governo e do seu fôlego não se resume a isso. A esquerda precisa de uma mais profunda do que aconteceu nestes anos, do caráter das graves derrotas que sofreu e das novas condições de , que diferem daquelas enfrentadas não apenas até 2016, mas particularmente depois das de 2018.

A esquerda conta ainda com um patrimônio significativo, a começar pelos governos do Nordeste, pelas bancadas de parlamentares e pela liderança do Lula. Mas esses elementos, que estavam articuladas na estratégia anterior, que desembocou na campanha eleitoral de 2018, agora está na defensiva e relativamente desarticuladas.

A esquerda ainda não propôs um balanço e uma linha de ação adequada às novas circunstâncias. Embora a derrota eleitoral foi totalmente forjada, ilegal, artificial, ela permitiu que a mais prolongada e profunda crise da brasileira tivesse um desenlace, com a vitória da direita, na sua nova fisionomia, com forte ofensiva conservadora no plano das ideias e da ação política, que inclui a perseguição política e o retrocesso em todos os planos. Não somente dos avanços dos governos do PT, mas mesmo daqueles afirmados pela pós-ditadura e por consensos estabelecidos de avanços nos , sociais, políticos e culturais.

Apesar da grande crise do governo e do desgaste que representa, a esquerda não tem uma nova linha de ação, que permita se valer desse desgaste e retomar a iniciativa. A possibilidade de uma forma de governo paralelo, que levantaria a necessidade de relançar o debate sobre os grandes temas pendentes no Brasil, reunindo pessoal qualificado e movimentos populares, pode ajudar a politizar o da oposição, a obrigar a sair das respostas imediatas a cada problema, para retomar o caminho das prioridades da esquerda. Pode, ao mesmo , deslocar as questões colocadas pelo governo e pelas contradições da direita, para a polarização entre o modelo neoliberal e o Estado policial de um lado, e as alternativas antineoliberais, democráticas, populares e nacionais, por outro.

A luta pela liberdade do Lula deve ocupar o centro das novas linhas de ação da oposição, não somente pelo que ele representa e pelas monstruosidades que fazem com ele, mas também porque é uma questão chave para desmontar as armadilhas montadas pela direita contra a e contra o Brasil. E porque a liderança do Lula, no novo período, continua a ser a direção indispensável para a recuperação da esquerda como alternativa para o Brasil.

Emir SaderStrep

 

 

Fonte: https://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/384033/O-streaptease-do-governo.htm

Foto interna: Brasil 247

Charge: Aroeira

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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