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Encanto e Desencanto com o Desenvolvimento Sustentável 

Encanto e Desencanto com o Desenvolvimento Sustentável 

O conceito de desenvolvimento sustentável encantou muita gente com sua mensagem otimista de compatibilizar crescimento econômico e proteção ambiental de tal forma que poderia “atender as necessidades do presente sem comprometer a possiblidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (Relatório Brundlandt, 1987), contrapondo-se à mensagem pessimista de que o crescimento econômico continuado ultrapassaria a capacidade de suporte dos ecossistemas naturais, gerando uma crise ecológica que levaria a uma catástrofe humanitária, elaborada por ambientalistas e acadêmicos nos anos 1960 e apregoada por milhares de militantes do Fórum Popular às portas da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Humano de Estocolmo, em 1972.

Por Gilney Viana 

O conceito foi repaginado pela Conferência da ONU para o Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro (Rio, 1992) em três dimensões: ecológica, social e econômica, e reprogramado como uma estratégia de desenvolvimento em que a dimensão ecológica foi expressa em compromissos institucionais das convenções (Clima, Biodiversidade, Desertificação); a dimensão social inicialmente reduzida à superação da pobreza extrema e depois alargada, mas não tanto, com os Objetivos do Milênio (ODM) e um pouco mais com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com metas para 2030 mais voltadas para os países em desenvolvimento, aos quais se prometia investimentos dos países desenvolvidos e propunha a abertura dos seus mercados.

A sociedade civil organizada se fez representar no Fórum Global, e os povos originários pela Conferência Mundial dos Povos Indígenas levaram suas posições, geralmente críticas, das quais nos permitimos citar a Carta da Terra, elaborada por cientistas, religiosos e filósofos, em linha abertamente contrária à adotada pela conferência. A Carta define a Terra como “comunidade de vida”, passando por “um momento crítico”, [porque] “os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção das espécies”. E radicaliza a conclusão: “A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade de vida”.

Não obstante as críticas, o desenvolvimento sustentável foi assumido pela ONU e suas agências, pelas organizações multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial e, sucessivamente, por governos nacionais, bancos, empresas, universidades, partidos políticos e outras instituições.

Uma hegemonia tão ampla e tão duradoura só foi possível porque, em 1992, já se tinha quebrado a bipolaridade de poder estabelecida pelos vitoriosos da segunda guerra mundial: os Estados Unidos, liderando o bloco capitalista, e a União Soviética, o bloco socialista. Com a desagregação deste último e a restauração do capitalismo a partir de 1989 em seus territórios e o consequente desprestígio das ideias socialistas, incapazes de oferecer uma visão alternativa anticapitalista para a crise ecológica, e pela reprodução das práticas e técnicas produtivistas vigentes na economia capitalista, ganha força a crença de que o avanço tecnológico seria capaz de superar os danos causados pelo desenvolvimento – enquadrando-se no paradigma produtivista.

O mundo unipolar possibilitou o surgimento do neoliberalismo, que propunha a redução da intervenção do Estado na economia; o desmonte ou redução do estado de bem-estar social, para se apropriar da parcela do excedente que a luta da classe trabalhadora tinha conquistado. Com a desregulação financeira, houve um salto extraordinário do capital fictício, potenciado pelas novas tecnologias de informação que, por sua vez, alavancaram empresas desse novo setor que hoje pontuam entre as maiores do mundo.

Em 2008, instala-se uma crise econômica a partir dos Estados Unidos que se espalhou para o mundo. Enquanto isto, a China acelera sua revolução industrial (baseada na energia do carbono), seguida pela revolução da tecnologia da informação, o que lhe possibilita se transformar em maior potência comercial e também no país líder em emissões contemporâneas de gases do efeito estufa. E, dando a volta por cima, o país assume o desenvolvimento sustentável, quando os Estados Unidos com Trump o rejeitam, obrigando o seu sucessor, Biden, a fazer o caminho de volta – agora com o seu domínio imperial contestado, a hegemonia do desenvolvimento sustentável questionada e o mundo unipolar findo.

O DESENCANTO OU O COMEÇO DO FIM DA HEGEMONIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os objetivos propostos pelo desenvolvimento sustentável institucionalizado não foram alcançados, em nenhuma das suas três dimensões. Na dimensão econômica, a expectativa de desenvolvimento para os países em desenvolvimento não aconteceu, porque a lógica colonial de captura dos seus excedentes pelos países desenvolvidos foi acentuada com o domínio do capital financeiro e as tecnologias da informação.

Contudo, para aumentar o excedente a se extrair, promoveram investimentos dirigidos para a produção de commodities (minérios; produtos agrícolas selecionados como soja, milho, óleo de palma; e pecuários, carne bovina, de frango, em outros lugares, peixe, madeira, borracha, e assim por diante), cuja cadeia produtiva é controlada pelo capital monopolista com três impactos: torna-se a principal contribuição ao PIB, promove uma burguesia associada ao capital internacional que cresce econômica e politicamente; e, por outro lado, aumenta os passivos ambientais sobre os quais os produtores não se responsabilizam.

O símbolo do fracasso social está na existência de 580 milhões pessoas na linha de fome e, mais modernamente, milhões de migrantes forçados por guerras e, ainda mais recentemente, por eventos ecológicos extremos. Nesse contexto, a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para o ano 2030, tende a não ser alcançada.

A dimensão ecológica foi enfrentada pela estratégia de desenvolvimento sustentável por três convenções: Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Combate à Desertificação. A Convenção de Combate à Desertificação mereceu atenção especial porque, segundo a ONU, ela ameaça mais de 1 bilhão e meio de pessoas em 168 países, principalmente países ao sul do Deserto do Saara, região conhecida como Sahel.  A cada ano, segundo a ONU, 6 milhões de hectares de terras se tornam improdutivos e caminham para se transformar em deserto. Essa tendência continua, sem qualquer medida significativa para sua reversão.

Recentemente, em outubro de 2021, aconteceu em Kuming, na China, a primeira etapa da Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade (COP-CDB 15), cujo balanço dos 10 anos de vigência do Plano Estratégico para a Biodiversidade, firmado na COP-CDB 10, mais conhecido como as 20 Metas de Aichi, é desalentador: apenas 6 das 20 metas foram parcialmente atingidas, o que não reverteu a tendência de risco de extinção de 1 milhão de espécies, segundo o Informe do Órgão subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico, de 2019.

A Convenção sobre Clima realizou, em fins de 2021, sua 26ª COP sob pressão do Relatório do IPCC AR6, que afirmava taxativamente que as metas de redução das emissões de CO2 fixadas pelo Acordo de Paris (COP 21) não seriam suficientes para se estabilizar a temperatura média da superfície da Terra em mais 1,5ºC do que a temperatura do período pré-industrial. Logo, as novas propostas apresentadas pelas partes à COP 26 deveriam ser mais ambiciosas. Não foi isso que aconteceu.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em seu Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2021 – o Aquecedor está Aceso, foi taxativo: “as estimativas das NDCs indicam que o mundo caminha em direção a um aumento em 2,7ºC na temperatura global até o final do século. A proposta de novos compromissos e atualizações feitas pelos 120 países desde 30 de setembro de 2021 reduzem apenas 7,5% das emissões previstas para 2030, enquanto o necessário seria de 55% para que o limite de 1,5ºC seja respeitado.”

Ainda estamos à beira da catástrofe climática. É hora de entrarmos em estado de emergência, senão a chance de zerar emissões líquidas se tornará, de fato, zero – declarou o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, ao fim da conferência.

O desencanto foi geral.

http://xapuri.info/formosa-historia-do-abreu-e-das-aguas/

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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