Extinção de radares nas estradas estimula atropelamento de animais

Extinção de radares nas estradas estimula atropelamento de

A cada segundo, quinze animais são atropelados nas estradas brasileiras; o número poderá crescer muito, com prejuízo bastante significativo para a , caso sejam retirados equipamentos de controle da velocidade, como quer Bolsonaro

Por: Maria Lígia Pagenotto – deolhonosruralistas

Ao defender mais uma vez, no início do mês, a redução de radares nas rodovias federais, o presidente Jair Bolsonaro colocou em risco, além de muitas vidas humanas, uma imensa parcela de animais silvestres. Dados do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), órgão ligado à Federal de Lavras (MG), mostram que morrem, por ano, 475 milhões de animais selvagens, de todos os portes, vítimas de atropelamento.

O presidente afirmou seu desejo de diminuir drasticamente o número de radares para proporcionar às pessoas “mais prazer em dirigir“. Segundo ele, os radares não cumprem a função de proteger a , são apenas “caça-níqueis”. Sua intenção – anunciada sem nenhum respaldo técnico e sem citar dados – vai na contramão do que apontam diversas pesquisas.

Um divulgado pela Folha comprova que o número de acidentes fatais nas estradas brasileiras é menor onde há radares: as mortes caíram 21% nos trechos onde o equipamento foi colocado. Além de do impacto sobre a de pessoas, os radares contribuem também para a menor perda de animais – um dado que, no Brasil, provavelmente, é ainda maior do que o estimado pelo CBEE.

“Já refiz esse cálculo e o número de mortes de animais é, com certeza, superior ao que divulgamos”, diz Alex Bager, coordenador do CBEE. A velocidade, assegura, é fator primordial no aumento de acidentes fatais. Segundo ele, um estudo internacional mostrou que nas rodovias onde o limite de velocidade é de 90 km/h a redução em 10 km/h já seria capaz de reduzir em 20% o número de atropelamentos.

A notícia da extinção dos radares se junta a outras anunciadas pelo governo para tornar mais crítica ainda a situação dos animais brasileiros: a ampliação da licença para porte e uso de armas e corte de verbas para as universidades públicas. “Certamente haverá reflexos no monitoramento desses dados, pois 100% das pesquisas sobre biodiversidade são realizadas por universidades ou por instituições vinculadas a elas”, segundo Bager.

CERCAR RODOVIAS É UMA DAS AÇÕES PREVENTIVAS

A BR-262, que liga os estados  do Espírito Santo, Minas Gerais, e Mato Grosso do Sul, afirma Bager, é a estrada onde ocorre o maior número de morte de animais silvestres no Brasil. Para reduzir esse impacto, foi colocado um radar no trecho entre Miranda e Corumbá – uma extensão equivalente a menos de 300 quilômetros, numa rodovia que possui cerca de 2,5 mil quilômetros.

Esse tipo de ação, segundo Bager, embora produza resultados positivos, é muito pontual e abarca um trecho muito curto de uma estrada em que circulam diversas espécies animais. Nas rodovias brasileiras, diz o pesquisador, a maior parte dos equipamentos redutores de velocidade é colocado visando somente o controle do tráfego. Para proteção específica da fauna, são raríssimos os , especialmente aqueles feitos, de acordo com o presidente do CBEE, de forma adequada.

No exterior, as medidas de mitigação dessas mortes são mais amplas. Os equipamentos também obedecem a algumas estratégias específicas. Ele cita o cercamento das rodovias, uma medida que pode diminuir em mais de 80% os acidentes, e os viadutos vegetados, onde os carros passam por baixo da via, as chamadas passagens inferiores, e a parte de cima fica restrita aos animais.

“Um excelente exemplo de proteção eficiente à biodiversidade é o Parque Nacional Banff, no Canadá”, aponta Bager. “Uma autoestrada de 82 quilômetros, com quatro pistas, corta a área verde do parque, mas há viadutos destinados apenas aos animais, além de passagens inferiores”.

No Brasil, essas medidas, que existem esparsamente, precisam ser melhor planejadas, segundo o presidente do CBEE. Dados sobre o parque canadense indicam que, com as passagens, as taxas de mortalidade nas estradas que cortam o local caiu mais de 80%, pois os animais, especialmente os de grande porte, se valem delas para os deslocamentos.

Barger afirma que conhece apenas três passagens vegetadas no Brasil. Uma delas, na Rodovia dos Tamoios, no estado de São Paulo, está inacabada. Há ainda uma passagem de fauna, construída em 2017 pela Vale, sobre a ferrovia que corta a Floresta Nacional de Carajás, no Pará, e, uma terceira, no Rio, construída para proteger os mico-leões-dourados na Reserva Biológica de Poço das , na rodovia BR-101.

DNIT QUER FAZER ACORDO POR MAIS RADARES NAS ESTRADAS

Entre os animais de pequeno porte vítimas dos carros,  os vertebrados (sapos, pequenas aves, cobras) estão na frente, respondendo por 90% das mortes. Em seguida, vêm os vertebrados de médio porte (gambás, lebres, macacos) – 9% – e, por fim, os animais maiores, com 1% (vários tipos de onça, tamanduá, lobo-guará, anta, veados, capivara).

veado campeiro na serra da canastra 1
Veados, capivaras e tamanduás estão entre espécies que mais
sofrem com o tráfego nas estradas. (Foto: ICMBio)

Embora a vontade de abolir radares do presidente tenha sido explicitada em programa de televisão de grande audiência, Bager afirmou que a medida vai de encontro, inclusive, com questões econômicas.

De acordo com o DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres),  os acidentes ocorridos no trânsito brasileiro em 2017 provocaram impacto de R$ 199 bilhões na (3,04% do PIB), a contar pelas mortes de pessoas, ferimentos e danos materiais. Um custo que pode ser reduzido drasticamente com radares, como apontam diversos estudos.

Em defesa dos equipamentos, diz o presidente do CBEE, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit),  ligado ao Ministério da Infraestrutura, enviou à Justiça, na sexta-feira (10), um documento propondo acordo, pelo Ministério Público Federal,  para a instalação de radares em rodovias do país. Bolsonaro afirmou, na tevê, que 8 mil processos para solicitar a instalação de radares em rodovias federais foram negados pelo ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura.

Segundo o documento, 8.031 faixas precisam de monitoramento (radar comum ou lombada eletrônica) em todo o país, o que demanda cerca de 4 mil equipamentos. Cada radar cobre, na maioria dos casos, duas faixas. O número atual de equipamentos está muito aquém disso: são 265 aparelhos nas rodovias federais que não são administradas pela iniciativa privada. Eles monitoram 560 faixas no Brasil inteiro.

A instalação para a redução das mortes de animais, no entanto, pede análises específicas, especialmente em pontos críticos das rodovias, segundo Bager: “Estamos nos organizando no Congresso para a implantação de medidas visando a redução do prejuízo à biodiversidade. Precisamos de políticas públicas que levem em conta essa questão com urgência”.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2019/05/14/extincao-de-radares-nas-estradas-ameaca-biodiversidade-e-estimula-atropelamento-de-animais/


[smartslider3 slider=26]

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!