Philip Fearnside: Mineração solta na Amazônia

Mineração solta na Amazônia

Por: Philip Martin Fearnside

Em 23 de agosto de 2017, o Presidente Michel Temer emitiu um decreto revogando a RENCA (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), uma área do tamanho da Suíça localizada no lado norte do em partes dos Estados do Pará e Amapá. O Ministério do Meio Ambiente não havia sido consultado e os ambientalistas e o público em geral no Brasil foram pegos de surpresa.

Na verdade, em março o governo Temer já havia anunciado sua intenção de revogar a RENCA em um congresso
de empresas de mineração no Canadá. A escolha do local é releveladora. Uma tempestade de críticas no Brasil e no exterior  levou Temer a “revogar” o decreto de 28 de agosto e substituí-lo por um novo.

No entanto, esta “revogação” amplamente apregoada não significa cessar a abolição da reserva, já que o novo decreto meramente acrescentou uma afirmação de que as áreas protegidas e as normas ambientais seriam respeitadas. Evidentemente, essas normas já estavam em vigor, e o decreto original implicitamente presumiu que elas permaneceriam assim.

No dia 30 de agosto, um juiz federal emitiu uma liminar que suspendeu o decreto, e opinou que o assunto deve ser decidido pelo Congresso Nacional. No entanto, o Congresso Nacional é atualmente dominado por representantes com postura antiambiental (ver aqui, aqui e aqui).

Além disso, liminares como esta são facilmente revertidas pelas partes interessadas, tais como o governo presidencial, pela busca de juízes amigáveis para emitir uma decisão revogando a liminar. Isso tem ocorrido em muitas ocasiões quando decisões para travar a construção de barragens, tais como Belo Monte, foram derrubadas em poucos dias.

Minera%C3%A7%C3%A3o Renca Nexo JornalFoto: Nexo Jornal

A RENCA não foi criada para fins de conservação, mas sim como um ato de de 1964 a 1985 para preservar uma reserva estratégica de jazidas minerais, para não permitir que empresas internacionais de mineração exaurissem as jazidas e exportassem os minérios, como, por exemplo, tinha acontecido com a jazida de manganês em outra parte do Amapá.

No entanto, na prática, a existência da RENCA evitou a mineração em grande escala, assim ajudando proteger o ambiente nesta vasta área, tanto dentro como fora das áreas legalmente protegidas. Em um editorial, a Folha de São Paulo considerou a reação negativa da opinião pública “exagerada”.

Embora sempre seja possível exagerar ameaças ambientais, e algumas declarações de políticos e outros podem ser interpretadas como hipérboles, abolir a RENCA é realmente uma ameaça ao meio ambiente e às populações tradicionais nesta área altamente biodiversa e relativamente não perturbada.

A RENCA contém nove áreas protegidas. Três destas são do tipo “proteção integral”, onde a mineração é proibida. Duas são , que atualmente não permitem a mineração. No entanto, um projeto de lei, de autoria do senador Romero Jucá (cuja fortuna famíliar resulta de mineração na ), está avançando lentamente através
do Congresso Nacional para abrir as terras indígenas para mineração.

Minera%C3%A7%C3%A3o Amaz%C3%B4nia Renca MapaMapa: Instituto Socioambiental

Os membros da Comissão no Congresso tratando desse projeto de lei têm recebido grandes contribuições de campanha da Vale (anteriormente Companhia Vale do Rio Doce, ou CVRD), que é uma das maiores empresas de mineração do mundo. As outras quatro áreas protegidas já permitem a mineração, desde que esta disposição esteja incluída no plano de manejo da área em questão. Isto, é claro, pode ser sempre inserido nos planos por meio de pressão sobre os funcionários pertinentes.

A história recente, como no caso das reservas Jamanxim na rodovia BR-163, indica um padrão de remover a proteção, alterando a classificação da totalidade ou de partes de unidades de conservação existentes, por exemplo, convertendo-as em uma categoria sem dentes: “áreas de proteção ambiental” (APAs), que permitem a mineração e
propriedades privadas, com direito a (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

Uma proposta apoiada pelo Presidente Temer para remover um milhão de hectares de áreas protegidas no sul do Estado do é coincidente com uma infinidade de reivindicações de mineração nessas áreas (ver aqui, aqui, aqui, e aqui). Embora muito melhor do que serem desprotegidas, mesmo áreas protegidas onde é proibido o desmatamento não são imunes à perda de floresta. A área desmatada até 2014 em cada área protegida na Amazônia brasileira está disponível aqui.

Amapá é o menos desmatado dos nove estados que compõem a Amazônia Legal brasileira. Atualmente, a RENCA é principalmente ocupada por populações tradicionais e indígenas que cortam pouca floresta. Só 0,33% da área foram desmatadas até agora. Como é o caso em muitas partes da Amazônia, a área sofre do impacto de garimpeiros ilegais de ouro, mas o que muda com a dissolução da RENCA é a perspectiva de mineração em escala industrial.

Quando isto começar, espera-se que o quadro para desmatamento mude. Com a abertura de estradas até cada local de mineração, pode-se esperar o processo de invasão por grileiros, fazendeiros, posseiros individuais e agricultores sem-terra organizados, levando ao processo de desmatamento que tem sido visto muitas vezes em outras partes da Amazônia.

Renca Jornal O GloboFoto: Jornal O Globo

Mesmo que a mineração seja limitada aos 30% da RENCA que estão fora das áreas protegidas, estes novos atores teriam impactos sobre a floresta e os habitantes tradicionais.

A presunção de que o que é proibido pelas leis do Brasil ou pela simplesmente não vai acontecer na vida real é muito ingênua. Afinal de contas, a barragem de Belo Monte foi bem descrita pelo Ministério Público Federal em Belém como “totalmente ilegal“, mas hoje ela existe no rio Xingu como fato concreto.

As empresas de mineração canadenses que o governo está convidando para a área são de tamanho suficiente para mudar a história em seu favor. Uma ilustração do perigo para área da RENCA é fornecida pelo desastre de Mariana em novembro de 2015, no Estado de Minas Gerais (ver aqui, aqui, aqui e aqui).

Neste caso, uma barragem de contenção de rejeitos de mineração quebrou, destruindo uma pequena cidade a jusante, matando 19 pessoas e destruindo quase toda a vida aquática no rio Doce – um dos grandes rios do Brasil. Que a Vale poderia causar um desastre desta magnitude e escapar impune (ver aqui, aqui, aqui e aqui), sugere que empresas deste tamanho são mais poderosas do que qualquer instância do governo brasileiro.

 

ANOTE AÍ:

Esta matéria, publicada originalmente no site Amazonia Real, http://amazoniareal.com.br/mineracao-solta-na-amazonia/ nos foi indicada pela EcoEco. O texto foi, segundo o Amazônia REal, traduzido de  uma versão em inglês publicada no site da Mongabay, disponível aqui.

Philip Fearnside Revista Pesquisa Fapesp

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de e Biologia Evolucionária  da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e ) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 artigos e textos publicados. Foto: Revista PesquisaFapesp.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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