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Mulher trans negra e feminismo

Mulher trans negra e feminismo

(Futura pedagoga e afrotransfeminista. Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos. Pisciana, sinto como se eu fosse um mar misterioso e difícil de se velejar.)

Por Maria Clara Araujo

Criarmos diálogos acerca das experiências em torno da vida de uma mulher trans negra no Brasil, nos faz, facilmente, delimitarmos as situações, quase sempre deploráveis, que rondam a vida de alguém que, socialmente, tem as penalizações que vive sendo naturalizadas e invisíveis demais para a grande população dar-se conta e chegar a se importar. Esses diálogos irão acabar centralizando-se em invisibilidades e marginalizações provenientes de uma cultura que semeia desde de o início de nossa construção enquanto indivíduos, a aversão, a falta de entendimento e a sede de distanciamento dessas mulheres, assim perpetuando a posição de um grupo onde, desde o momento que se identificam como tal, acabam – automaticamente – sendo julgadas como sub-humanas o bastante para não fazer parte dos círculos sociais das escolas e universidades, mercado de trabalho e vida amorosa.

A interseccionalidade surge a partir de quando mulheres negras não se viam como sujeitos políticos, afinal, nos dois movimentos que supostamente viriam a nos contemplar, nossa vivência não estava sendo pautada da forma com que acreditamos que deveria ser. Por isso, termos enegrecido o feminismo e feminilizado o movimento negro, vem a explanar nossas formas de termos percebido a importância de ter transversalizado as opressões, assim tendo entendido que gênero, classe e raça são discussões que precisam andar juntas, ao termos consciência da conjuntura de sociedade em que vivemos. Onde, em nossa vivência enquanto mulheres negras, não iremos ver só o gênero como o pilar de todas opressão que vivenciamos.

Tendo consciência que o Brasil é país que mais mata mulheres trans no mundo e que grande parte dessas mulheres estão na prostituição, vemos a urgência de as contemplarmos na construção de um movimento feminista em que, dia após dia, precisamos vir a entender nós mulheres não como um ”uno”, mas sim como plurais, contendo suas especifidades e que enquanto uma não for completamente liberta de suas correntes, não importa que sejam diferentes das minhas seria, ainda assim, de minha obrigação ampará-la, como Audre Lorde, feminista negra, muito bem coloca.

Dentro da própria tentativa de fazermos não só que o recorte trans fosse mais recorrente, mas a presença de mulheres trans maior, conseguimos perceber situações onde a existência da mulher trans negra torna-se totalmente invisibilizada e deixada de lado. Um dos acontecidos em que isso foi colocado de forma muito clara para mim, foi ter sabido que eventos feministas que permitiam apenas mulheres trans operadas pudessem se credenciar. Desta forma, ceifando o direito de mulheres trans não operadas participarem da construção desse espaço. Porém, quais mulheres são essas? Sim, nós, mulheres trans negras. As quais, grande parte das vezes, mal possuímos condições financeiras de manter a terapia hormonal, que dirá conseguiríamos realizar intervenções cirúrgicas com grandes cirurgiões.

Comparando essa situação com a do Brasil, muito daí surge a dita diferenciação entre mulheres trans e travestis. Entendendo que a identidade travesti é latino-americana, a leitura social quanto as questões socioeconômicas é, sem dúvida, importantíssima para que o nosso meio nos divida em quais merecem ser transexuais, assim atribuindo um cunho higienizador ao termo e selecionando quais são travestis: as que tem sua existência relacionadas com o sujo, a prostituição e marginalização como um todo. Mulheres negras que não se identificam com a designação homem em seu nascimento, quase sempre, serão lidas como travestis, porque a identidade transexual, nesse momento, só é atribuída para mulheres brancas, de classe média e que não precisaram recorrer a prostituição para continuarem se mantendo vivas.

Discutir sobre a vida das mulheres trans negras e travestis, dentro do nosso cotidiano brasileiro, nos faz delimitar ciclos que se repetem na vida de uma grande parte de nós. Termos largado a escola, não termos conseguido inserção no mercado de trabalho, expulsão do lar e procurar a prostituição como meio de sobrevivência parece fazer parte, infelizmente, de nossa construção como tais. Soa como se apenas fossemos nos sentir legitimadas e seguras com nossa identificação quando, finalmente, passássemos por essas experiências. Isso precisa ser combatido urgente! Nossa construção enquanto mulheres não pode derivar ou resultar em exclusões, subordinações e sofrimentos. Criar mecanismos onde a nossa existência ganhe visibilidade emergente, fazendo com que dessa forma a sociedade, enfim, reconheça a urgência de um amparo para um grupo de mulheres – que é estrutural e institucionalmente marginalizado – se torna mais do que preciso.

E daí surge: e o feminismo? Qual é a sua obrigação?

Ao falarmos sobre movimento feminista, dando-se conta que muitas mulheres encontraram nele a possibilidade de libertação e empoderamento, a partir de minhas experiências, falo sobre a importância de, enquanto mulheres feministas, visibilizarmos quais grupos estão, nesse momento, em situação de vulnerabilidade social. Acredito eu que precisamos urgentemente discutirmos como podemos criar um movimento que em seus gritos de luta não venha a repetir modelos hegemônicos e reacionários, entendendo que eles em nada virá a nos acrescentar. Pautando assim a importância de criarmos um feminismo que lute pela legitimidade e não pela exclusão, dessa forma buscando não reproduzir modelos patriarcais de como se fazer política e vindo, enfim, lutar por todas as mulheres.

Fonte: blogueirasnegras.org

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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