Formosa: Um salve pra Feira Livre do Produtor

Quem quiser verdura fresquinha, fruta, pra comer com a boca ou com os olhos, doce, biscoito, farinha, tapioca, ovo, queijo, frango caipira, guariroba, ervas, cheiros, temperos, enfim, produtos da familiar, e, de quebra, um dedo de boa , é só passar toda quarta-feira na feira livre do Jardim Califórnia, em Formosa, Goiás.

Ali se reúnem agricultoras e agricultores familiares de Formosa e região, todos integrantes da Associação dos Produtores da Feira Livre de Formosa (ASFELF), das 6 às 12 horas, trazendo produtos para comercializar. Segundo o presidente da ASFELF, Valdir Manari Osório (51), que trabalha com a esposa Márcia Rozângela (47) no Projeto Santa Cruz, a Feira do Califórnia foi inaugurada em novembro de 2014, na quadra poliesportiva do bairro, e a ideia inicial era “ocupar o espaço, alvo de ação constante de vândalos”. Entretanto, o que se observa é que hoje a feira já é uma referência, não só para os moradores das proximidades, mas também para os de outras partes da cidade ou até de outros lugares.

É o caso de das Graças A. da Costa (59), proprietária de uma pousada na zona Rural, que afirma: “compro pelo preço, pela qualidade, pela variedade, pela possibilidade de escolher à vontade”. Mas a maioria dos compradores é mesmo gente da cidade, moradores das proximidades como Paulo Antônio da Silva (67), que diz: “venho porque gosto do ambiente, pela facilidade, pois é perto da minha casa, porque tem menos gente que a feira do centro, produtos de qualidade, mas principalmente para incentivar a agricultura familiar, acho isso muito importante”. Ou moradores de outros bairros como Henderson Generoso (43), morador do Jardim Esmeralda, centro, que argumenta: “compro aqui por causa dos bons preços, pelo conforto, pois não ficamos expostos ao sol, e porque as mercadorias são de primeira qualidade”.

Os compradores entrevistados são unânimes em destacar a qualidade dos produtos. Isso comprova que a agricultura familiar, responsável pela alimentar dos brasileiros, também nos proporciona alimentos saudáveis.

Dados do Ministério do Agrário (MDA) informam que cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa provêm da agricultura familiar: 70% do feijão; 83% da mandioca, 69% das hortaliças; 58% do leite; 51% das aves. Tudo isso graças a famílias como a dos meeiros Sebastião Cardoso (52) e Sandra M. Andrade (51), que trabalham em uma chácara do Projeto Santa Cruz, em Formosa. Ela diz que vive no campo porque gosta “do sossego e de plantar” e que pode “vender e ter renda”. O casal afirma conseguir R$ 1,5 mil mensais com as vendas na feira, mesmo não trabalhando em própria. Ou da Maria Júlia (62), que produz mudas num viveiro em sua casa, ali mesmo perto da feira: morango, rosa, gerânio, arruda, hortelã, manjericão, pimenta, coentro, salsa, cebolinha e outros cheiros e cores ganham viço pelas mãos dela. Além disso, a plantadora traz para a feira peças de , que produz entre um plantio e outro.

grafico-escolaridade-produtorO perfil do feirante é geralmente o mesmo: pequeno produtor, com baixa escolaridade, que tem no campo a única possibilidade de sustento. Pesquisa feita com as produtoras e os produtores presentes na feira confirmou isso. Dos 25 indivíduos entrevistados, 14 não passaram das séries iniciais do ensino fundamental. Entretanto, isso vem mudando, e está surgindo um novo tipo: pessoas com formação universitária, que veem o campo como forma de aplicar os conhecimentos adquiridos e de difundir um novo modelo de pensamento rural. Para esses, a preocupação maior é com o consumidor, com a qualidade sanitária e biológica dos alimentos que produzem e com a qualidade de vida. Essa tendência foi identificada na feira do Jardim Califórnia.

Ali encontramos as irmãs Selma S. Gonçalves (31), graduada em Gestão Administrativa, e Beatriz das D. Gonçalves, graduada em Matemática.  Ambas trabalham com os pais, Cleonilda S. Gonçalves (50) e Jades Humberto Gonçalves (54), agricultores desde sempre. Selma justifica sua opção de permanecer na produção rural: “Eu fui criada nesse meio, gosto de produzir e de ver quem está consumindo o alimento que nós produzimos. Antes, a gente vendia só para os atacadistas, mas aqui é melhor. Eles levam as caixas, pagam o que querem, e a gente nem sabe quem compra. Aqui na feira é diferente, eu posso atender a pessoa, saber o que ela quer. Nós cuidamos pra produzir alimentos saudáveis”. E acrescenta: “Hoje eu trabalho com a minha família, erguendo a minha família, ajudando a minha família a crescer”. Beatriz completa: “Quero ter família, ter filhos, quero que cresçam junto conosco, como nós fomos criados, quero ter uma vida com mais qualidade. Na cidade, a gente trabalha muito, cansa, e não sobra nada. Na nossa propriedade sobra mais, e a gente tem mais qualidade de vida. Você planta o que você come e sobra pra vender, pra você ganhar. A gente tem cuidado com o próximo, usa menos remédio, pro alimento ser saudável. Trabalho de roça cansa, mas você dorme e descansa; já a mente, não descansa”.

Outra produtora com alta escolaridade é Francelina Gomes (38), pós-graduada em Orientação Educacional, que produz polpa de frutas. Aprovada em concurso público, aguarda chamada para o quadro de professores da rede municipal de Formosa e justifica sua presença na feira: “Eu tenho uma pequena fábrica, aqui eu vendo e divulgo o meu produto. Mesmo quando for chamada, vou trabalhar um só turno e vou continuar na feira. Tenho meus clientes, vou continuar”.

A Feira do Produtor do Jardim Califórnia, a exemplo de tantas mais Brasil afora, representa a agroecologia, promove a diversificação no plantio, contribui com o desenvolvimento regional, com a preservação da sociocultural, e produz melhor qualidade de vida. Além disso, é fundamental para a diminuição da pobreza, para a geração de renda, para o desenvolvimento interiorizado, para o crescimento econômico com . Mais que isso, permite o convívio solidário entre o campo e a cidade.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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