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Garimpo invade o rio Madeira

Garimpo invade o rio Madeira Por Amazonia Real

A reportagem da Amazônia Real sobrevoou o rio Madeira, no entorno das comunidades ribeirinha Rosarinho e Urucurituba, no município de Autazes, e avistou duas dezenas de balsas de extração ilegal de ouro perfiladas e em plena atividade.

As cenas remontam a novembro do ano passado, quando mais de 300 balsas tomaram o Madeira de assalto, quase impedindo a navegação. Desde 2017, a Justiça Federal proíbe o garimpo ilegal no rio, mas, como se vê, a atividade não cessa. No sobrevoo, a reportagem também observou áreas de desmatamento muito próximas às terras dos Mura, mais um sinal de que a destruição da Amazônia segue sem ser perturbada.

Ao menos 20 balsas de garimpeiros já estão operando livremente no rio Madeira, na parte mais ao centro do do Amazonas, atividade proibida desde 2017 pela Justiça Federal. A Amazônia Real decidiu sobrevoar o local após saber da notícia da retomada do garimpo ilegal.

Partindo de Manaus, o sobrevoo foi realizado no fim da manhã e início da tarde de sábado (16) no entorno das comunidades ribeirinha Rosarinho e indígena Urucurituba, no município de Autazes (AM), nas proximidades do município de Nova Olinda do Norte. Na mesma região, a reportagem identificou desmatamentos no entorno das terras indígenas do povo Mura.

O prefixo da aeronave não será divulgado por medida de segurança. No ano passado, nesse mesmo percurso, um piloto relatou que seu avião foi recebido a tiros por garimpeiros. O destino principal da reportagem foi o município de Autazes, que por terra tem acesso pela rodovia federal BR-319 (Manaus/Porto Velho (RO). De avião, são 113 quilômetros em linha reta da capital. 

Para ingressar nessa área, os garimpeiros também usam a rodovia para o abastecimento das balsas no rio Madeira. Eles utilizam estradas secundárias pelas comunidades de Realidade, a 100 quilômetros do centro de Humaitá, e Democracia, no município de Manicoré, ambas no sul do Amazonas.

Durante o sobrevoo no rio Madeira, que teve a duração de 1 hora e 45 minutos, a reportagem avistou três blocos de balsas com draga no entorno da comunidade ribeirinha de Rosarinho. O primeiro bloco com 11 balsas é o maior e as embarcações estão juntas uma das outras.

O segundo bloco registrou 4 balsas, e o terceiro mais 5 embarcações, que estão mais afastadas da comunidade. Estima-se que mais de cem homens estão trabalhando nessa nova frente. Essas balsas podem ser o início de uma nova temporada de garimpo ilegal no Madeira.

As balsas dos garimpeiros estão situadas a menos de 20 minutos de distância da comunidade indígena Urucurituba, território não demarcado dos Mura, a Terra Indígena Soares/Urucurituba, também em Autazes. O tuxaua de Urucurituba, Admilson Pavão, disse à Amazônia Real que o seu povo já sente os efeitos do uso do mercúrio nas águas.

“Esse mês mesmo muita gente adoeceu do estômago com diarreia, provocando. A gente acha que são consequências da água. Ninguém sabe onde eles jogam os resíduos [do mercúrio]. Então a gente está prejudicado e sofre com isso. As autoridades precisam tomar as providências sobre isso. Está errado. Para muita gente é bom, pois os ricos ganham. Nós que somos pobres o que faz é aumentar as doenças e a necessidade”.

A atividade garimpeira com o mercúrio causa impacto em todo o ecossistema e a cadeia biológica do entorno: contamina as águas e degrada as condições de saúde de comunidades ribeirinhas e indígenas, cidades próximas e se estende para além da região.

As balsas foram avistadas pela primeira vez no mês de junho na região de Humaitá, próximo a Porto Velho, em Rondônia, como divulgou a agência.

 

Garimpo proibido

A proibição da extração de ouro no leito do rio Madeira pela Justiça Federal se estende em uma área de mais de 37 mil hectares, na região sul do Amazonas. A sentença de 2017 permanece válida até os dias atuais.

Em novembro de 2021, a Polícia Federal (PF) havia recebido uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre a invasão de mais de 300 balsas na região de Rosarinho, o que teria levado ao local, em duas semanas, cerca de 1,8 mil garimpeiros para o município. 

A PF informou que foram destruídas 165 balsas em duas operações ( I e Uiara II) no rio Madeira, no estado do Amazonas, no ano passado. Os garimpeiros afundaram ou esconderam balsas nos lagos encobertos por vegetação para escapar da ação nas regiões de Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba.

Na ocasião, um laudo da PF detectou elevados índices de contaminação por mercúrio na água, no leito do rio, na vegetação e nas pessoas que habitam as margens do Rio Madeira. O órgão federal informou que as ações de combate aos garimpos continuariam em 2022 no Amazonas.

Uma das maiores autoridades nos estudos sobre impactos ambientais no , o pesquisador Philips Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), disse que a impunidade dos garimpeiros, que atualmente estão voltando a ocupar o rio Madeira, tem impactos muito além do local das balsas.

“Isto envia uma mensagem encorajando aqueles que estão cometendo crimes ambientais em toda a Amazônia, inclusive invadindo terras indígenas e . Além do crime organizado, que a Polícia Federal indicou como fonte chave no investimento na grande invasão do rio Madeira no ano passado, o retorno das balsas induz moradores comuns na região a investirem seus recursos modestos neste tipo de atividade”, afirma.

Nova frente destrutiva

No sobrevoo, também foi possível localizar desmatamentos ilegais próximo às Terras Indígenas (TIs) Gavião, Sissaíma e Ponciano, territórios do povo Mura, todas entre Autazes e Nova Olinda do Norte, municípios que estão dentro da área da Região Metropolitana de Manaus. As imagens impressionam, pois são frentes de exploração recentes.

Antes de iniciar o sobrevoo, a reportagem identificou pelas imagens de satélite no portal Terra Brasilis, do Inpe, pontos de desmatamento recente no caminho entre Careiro da Várzea até a comunidade de Rosarinho. Também foram georreferenciados pontos de queimada, mas que no sobrevoo não foram localizados.

Em certos trechos, as toras de madeiras ainda estão amontoadas no chão, evidenciando um corte recente. Elas ocupam extensas áreas, equivalentes a cerca de 30 ou 40 campos de futebol. Alguns dos cortes foram em pequenas ilhas circundadas por igarapés. Não muito distante, podem ser vistas áreas com mata já suprimida, com a recomposição da vegetação rasteira, como as pastagens, porém sem árvores. Foram vistas dezenas de clareiras no sobrevoo feito pela Amazônia Real.

O povo Mura também vem sendo ameaçado também pelo projeto da mineradora Potássio do Brasil, em Autazes. Em maio, a Justiça Federal do Amazonas determinou a anulação da compra de terrenos dos indígenas pela empresa.

A TI Gavião tem 9 mil hectares e foi homologada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1991. Tem uma população de 115 indígenas Mura. Já a TIs Ponciano e Sissaíma dependem da demarcação da Funai. Elas foram declaradas territórios indígenas entre os anos de 2015 e 2016, respectivamente. A TI Ponciano tem uma população de 225 pessoas e uma área de 4 mil hectares. Na Sissaíma vivem 296 indígenas e tem 9 mil hectares. Os dados são do Instituto Socioambiental (ISA).

Essas três terras indígenas sofrem invasões de madeireiros e grileiros desde 2020. Na ocasião, o MPF investigou a venda de lotes no território e a PF apreendeu  madeira ilegal.

“O que vemos acontecer atualmente na bacia do Rio Madeira é a consolidação de um cenário de degradação extrema. Há um crescimento vertiginoso do desmatamento e queimadas na região e soma-se a isso um aumento também preocupante da atividade garimpeira nos leitos e margens de rios e igarapés”, afirma Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da ). 

O ambientalista lembra que essas duas frentes juntas criam cenário de insegurança, conflitos sociais, perda do patrimônio natural e contaminação por mercúrio de rios e biodiversidade associada. “Pior ainda é saber que tudo isso acontece em grande parte em terras públicas, sejam elas Unidades de Conservação e Terras Indígenas, ou ainda terras públicas ainda não destinadas e mesmo áreas de preservação permanente, como é o caso de leitos de rios e suas margens.

Este cenário de crimes generalizados e sem controle afeta ainda a vida dos e demais comunidades locais que têm seus territórios invadidos ilegalmente e ainda sofrem pressão de criminosos que chegam a aliciar muita gente para práticas ilegais”, concluiu Durigan.

Campeão do desmatamento

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Desmatamento próximo da Ti Sissaíma no Careiro da Várzea (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgados no mês de junho, apontam que nos cinco primeiros meses de 2022, a Amazônia perdeu mais de 2 mil campos de futebol por dia de mata nativa, a maior devastação dos últimos 15 anos para o período. “Foram derrubados 3.360 km² em apenas 151 dias, de janeiro a maio, uma área três vezes maior do que Belém”, diz o SAD.

Entre os nove estados que compõem a Amazônia Legal, em maio o SAD detectou 553 quilômetros quadrados de destruídos no Amazonas, “38% do registrado em toda a região. Isso representou um aumento de 109% em relação ao desmatamento identificado no estado em maio do ano passado: 264 km”.

Segundo a pesquisadora Larissa Amorim, do Imazon, quatro municípios do Amazonas estão no ranking dos 10 maiores desmatadores:  Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã e Manicoré. “Estamos chamando a atenção para o aumento do desmatamento no Amazonas e nesses municípios desde o ano passado. Precisamos de ações estratégicas para impedir que essa destruição siga avançando sob as áreas conservadas do estado e aumente a nessa região”, alerta a pesquisadora.

Apoio de políticos

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Duas balsas de garimpo no Cacau Pirêra, ao lado da Ponte Rio Negro (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

No sobrevoo no distrito de Cacau Pirêra, em Iranduba , município que fica na frente de Manaus e é ligado pela Ponte Rio Negro pela rodovia Manoel Urbano, a reportagem avistou duas grandes balsas sendo construídas, e outras duas em manutenção. Essas embarcações podem custar de 1 milhão a 6 milhões de reais. Os garimpeiros contam com o apoio político do Amazonas.

Na semana passada, o presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, deputado estadual Roberto Cidade, do partido União Brasil, o mesmo do governador Wilson Lima, e ambos da base governista do presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que é a favor da legalização do garimpo no rio Madeira. “Preciso ser realizada uma audiência pública para não acontecer o que aconteceu meses atrás, a Polícia Federal foi lá explodiu tudo, as pessoas perderam sua balsa, pessoas de bem que estavam lá. Sou a favor da legalização”, disse no plenário, ignorando a decisão da Justiça Federal.

A Amazônia Real procurou o prefeito de Autazes, Anderson Cavalcante (PSL), para falar sobre a invasão dos garimpeiros na comunidade Rosarinho, mas ele não foi localizado pelo telefone. A assessoria de imprensa disse que “o prefeitura está direto na zona rural por conta da feira agropecuária que começa na próxima semana”. 

O MPF no Amazonas informou que, diante das denúncias apresentadas por meio da imprensa a respeito de prática de garimpo ilegal no rio Madeira, instaurou procedimento para apuração do caso. “No curso do procedimento, o MPF acionou as autoridades de investigação policial e de fiscalização administrativa. Os detalhes estão sob sigilo para a preservar a utilidade da apuração”, diz  o órgão em nota enviada à reportagem.

Em resposta à Amazônia Real, a assessoria de imprensa da Polícia Federal comunicou que “as informações sobre operações presentes e futuras da PF são totalmente sigilosas. Quando há a deflagração e, no caso, se for pertinente à sociedade, os jornalistas, cadastrados no mailing deste setor, são cientificados imediatamente através de nota à imprensa.

Vale ressaltar que a pertinência quanto a notificação aos senhores parte de nossa autoridade superior, do Gabinete do Superintendente”. A reportagem procurou por telefone o superintendente da PF, delegado Eduardo Fontes, ele disse: “pode ficar tranquila que a PF está trabalhando”.

Veja o vídeo do sobrevoo

http://xapuri.info/sou-semente-nasci-da-terra-vermelha/
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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