Governo ataca cultura e propõe corte de gastos na Ancine
Ao propor a extinção da Condecine, responsável pelo Fundo Setorial Audiovisual, Bolsonaro pode acabar com a produção audiovisual nacional…
Por Carolina Moraes/via Mídia Ninja
É da Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento para a Indústria Cinematográfica, que vem quase todo o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual da Ancine, a Agência Nacional de Cinema. A falta da arrecadação colocaria em xeque o cinema brasileiro, e o governo de Jair Bolsonaro propôs extingui-la no plano orçamentário de 2023, apresentado nesta semana. A proposta pode ser vetada pelo Congresso.
Para Vera Zaverucha, especialista no setor e ex-dirigente da Ancine, acabar com a contribuição é o maior ataque à agência sob o governo Bolsonaro, algo ainda mais grave do que quando o Tribunal de Contas da União determinou que a Ancine suspendesse o repasse de recursos públicos para o setor. “Extinguir a Condecine acaba com o cinema no Brasil, principalmente o que é feito pelas produtoras independentes.”
Esse tipo de arrecadação existe desde os anos 1960, quando o Brasil ainda tinha o Instituto Nacional de Cinema. Ela se desmembrou numa receita institucional da antiga estatal Embrafilme e se tornou um decreto de lei nos anos 1980, já com contribuição das televisões. Em 2000, a contribuição foi retomada com a criação da Ancine e uma gama ainda maior de mercados do setor contribuindo.
A ideia é simples. Quem investe e ganha com o mercado audiovisual brasileiro paga essa contribuição. Ela pode ser cobrada tanto pela obra lançada no mercado quanto diretamente das empresas de telecomunicação, caso da chamada Condecine Teles. É dessa segunda arrecadação que vem a maior parte do dinheiro, que vai para o FSA, cerca de R$ 1 bilhão por ano.
“Com isso, a gente pode desenvolver uma política de financiamento do audiovisual que abriu possibilidades para produtoras do Brasil todo. Ou seja, toda a diversidade da cultura brasileira pode ser registrada no audiovisual justamente porque a gente tem dinheiro no fundo”, diz Zaverucha.
No novo plano orçamentário, a extinção da Condecine está entre os R$ 80,3 bilhões adicionais previstos em incentivos ou desonerações. Acabar com a arrecadação representa uma economia de R$ 1,2 bilhão, segundo a gestão de Bolsonaro. Isso é uma outra conta que é questionada pelo setor. Se esse dinheiro for arrecadado como contribuição, ele simplesmente não é poupado e deixa de existir.
Texto de Carolina Moraes (via Folhapress)
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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